
Passagem de ano 2007/2008
5$ (estes gajos estão loucos ou deprimidos?)
As reservas devem ser feitas na livraria do Gato Vadio,
Rua do Rosário 281, Porto.
Faísca eléctrica. Palavras violentas, injúrias, ralhos e descomposturas.

Na assistência, estavam os resistentes que se barricaram no Rivoli. Sozinhos, como se não passassem afinal de um bando de loucos que cismou que o Teatro tem outras obrigações. Os únicos que sabiam o que estavam realmente ali a fazer e a dizer; os únicos que fizeram as perguntas certas. Tarde demais. Já não havia quem lhes pudesse responder. E estava também o povo da cidade. Gente que não tem nada a ver com nada, mas que vai ali como quem ia, em tempos idos, ao Coliseu de Roma. Ver um espectáculo selvagem. Não lhes importa o assunto; importa o quanto se divertem com aquele circo. É um circo.

Lisboa - fim de tarde. Lisboa - Hotel do Chiado. Lisboa - poesia. Lisboa - Inverno. Lisboa - conto de fadas. Lisboa - amor. Lisboa - perdida. Lisboa - mãos dadas. Lisboa - Bairro Alto. Lisboa - nostálgica. Lisboa - início de tarde. Lisboa - amigos. Lisboa - outra vez. Lisboa - teatro. Lisboa -restaurante nepalês. Lisboa - Verão. Lisboa - Berardo. Lisboa - beijos roubados. Lisboa - conversas para sempre. Lisboa - Aldina Duarte. Lisboa - lágrimas na estação. Lisboa - vinho tinto. Lisboa - Jardim da Estrela. Lisboa - guardas-me?. Lisboa - Largo da Graça. Lisboa - ceú estrelado. Lisboa - a correr. Lisboa - só por uma vez. Lisboa - só mais esta vez. E de todas as vezes Lisboa - Lisboa com ginginha.
Era a peça que faltava para o puzzle ficar completo. A revista Sábado mostra hoje o que, de certa forma, já se sabia. Nas últimas semanas nunca estiveram em questão os profissionais (goste-se mais ou menos deles) Miguel Sousa Tavares (MST) e Vasco Pulido Valente (VPV) - cada um na sua área -, mas os indivíduos na sua esfera mais íntima (que é também a dos ódios) e à qual, insisto, nunca deveríamos ter tido acesso. Esteve sobretudo em destaque o ódio não exactamente - ou não apenas - de um pelo outro, mas de José Manuel Fernandes, director do Público, por MST. É ele quem, no meio desta vergonhosa feira de vaidades e vacuidades, ganha o prémio da prestação mais indigente. "Libração" é uma texto para duas mulheres (Carla Miranda e Maria do Céu Ribeiro). Sobre duas mulheres. Que precisam falar. Que precisam que as ouçam. Dois corpos quase inertes, com as vidas suspensas não se sabe porquê, à procura de qualquer coisa que também não se sabe bem o que é. A felicidade? É irremediavelmente sobre a solidão. Ou sobre a solidão irremediável. Ou será só a mesma mulher ao espelho? É a mesma coisa. "Libração" é a vida toda em três dias que só existem à noite dentro de uma caixa onde quase não se respira. É a necessidade de alguém entregar-se a alguém, temendo (sabendo?) que antes de dar sequer metade de tudo o que tem para dar, já a outra pessoa está cheia. E estando cheia, como poderá voltar?
É quase um jogo de meninas. Não há outra coisa senão a expectativa de voltarem ali, outra vez, noites-após-noite, àquele parque, que parece de repente ser o único local onde tudo é ainda possível. Onde elas, as duas meninas-mulheres-de-ninguém, podem renascer, reiventar-se, passar talvez a pertencer a alguém. Ou não. Se é um jogo, é terrivelmente desarmante. Comovente.
Na encenação de Cristina Carvalhal, a peça de Lluisa Cunillé parece um doce filme francês. Duas actrizes embrulhadas na fazenda dos casacos, a debelarem-se contra o frio de uma qualquer cidade (Paris?) que há-de imitar-lhes o frio que têm dentro. Carla Miranda, a menina-mulher curiosa, deslumbrada, pueril (Amélie Poulan?), a falar mais por silêncios, silêncios que são socos, do que por palavras; Maria do Céu Ribeiro, a menina-mulher-quase-maria-rapaz, que tem tanto medo como a outra, que precisa tanto de alguém como a outra, que é tão insegura e tão frágil como a outra, mas faz de conta que não. Não queres vir amanhã? Tanto faz. Tanto faz?
Às vezes é preciso tão pouco para fazer uma peça boa....
Tenho mesmo muita dificuldade em entender por que se transformam em mito todos os rocker-boys que se matam com menos de 30 anos. Seja o imbecil dos Doors, o Kurt Cobain ou o Ian Curtis. No caso do vocalista da Joy Division tenho ainda mais dificuldade em entender todas as teorias que tentam explicar o suicídio, em Maio de 1980. Peso de consciência por alimentar uma bigamia banal? Dificuldade em lidar com a epilepsia? Com a fama? Um final minuciosamente pensado para ganhar a imortalidade? Acabo de ver o "Control", perspectiva altamente inquinada de mulher despeitada [Deborah Curtis] - não tão inquinada, apesar de tudo, como o livro "Carícias Distantes": medíocre - e não consigo abstrair-me da idade do rapaz: 23 anos!! Um mito?! Mas por que raio?!
Não quer dizer que o filme não seja quase bonito. É. E há sempre a música...

Éramos sete pessoas à meia-noite. Uma desistiu logo no genérico. Sobraram três casais. Um, meia idade, fila da frente, cabeças encostadas em pirâmide; outro, idade mental das pipocas, escolheu sentar-se ao nosso lado quando havia pelo menos 300 lugares livres na sala; e nós: eu e um crítico. A companhia colocava-me imediatamente em clara desvantagem. Ao lado de um crítico até é possível rir sem motivo aparente, mas é estritamente proibido chorar. E eu passei três quartos da sessão a chorar. Copiosamente.
Como sempre, escapam-me as elaboradas considerações sobre interpretação, fotografia ou consistência do argumento. Não sei se "Evening" - do mesmo autor de "As Horas", o escritor norte-americano Michael Cunningham - é bom ou mau; mas sei que não consegui não deixar-me levar na torrente da memória de Ann Grant: no leito alvo da morte interpretada pela divinal Vanessa Redgrave; corpo cobiçado de Claire Danes na juventude.
Evening é uma viagem, quase de redenção, pelo que Ann desejou e não cumpriu: o reconhecimento como cantora, a relação com as duas filhas, a morte do amigo que não evitou e, claro, o amor que se quer para sempre. Mas que só é para sempre quando a imagem que dele se guarda não envelhece. E que só não envelhece se não se ficar com ele, com o amor. "O primeiro erro é como o primeiro beijo: nunca se esquece". Onde é que ela errou? Errou?


Nunca ninguém tem coragem de matar alguém até matar alguém pela primeira vez. Nunca ninguém julga ter a motivação suficiente para ceifar uma vida até aparecer o primeiro “bacano” disposto a sugar tudo o que, bem ou mal, se construiu. “Já viste como o medo nos dá para querermos magoar? E a tentação de foder um cogumelo destes”. Geraldo está preso por homicídio e fala assim. Directamente para o leitor. ”Tu gostas de mensagens, ó leitor, aposto”. Mas ele, que atirou pela janela o amante da mãe que não parava de a espancar, não tem mensagens para dar. Só a vaga sensação de liberdade que pode sentir quem, estando preso, será mais livre do que todos os outros, porque tem já muito pouco a perder.
