domingo, abril 29, 2012

"Não desistir de nada"



"E se nos perguntarmos o que é que nos junta, o que vimos no Miguel, cada um terá uma resposta diferente, mas eu queria dar-vos a minha. A perplexidade de um homem que era capaz de nos dizer que a vida pública e a vida política desumaniza. Por isso mesmo, há alguma coisa de verdade mais profunda, que são os sentimentos, que é a vibração da vida, que é a ternura da vida, e é isso que eu quis trazer. Eu sei que não é bom dia para vos falar de romantismo, mas é por isso que eu quero falar-vos de amor. O amor não tem boa fama, o romantismo muito menos. Eu sei que o amor é egoísta, quer tudo para si. Eu sei que o amor é arrogante, quer sempre mais, mas sei também que toca, que encanta, que entranha. E que com ele aprendemos o que nunca sabemos e sabemos o que nunca percebemos. Dizia o Miguel, quando explicou num texto por que é que achava que o amor era inextricável, inexplicável, perguntou a uma amiga, "estou nesta aflição, tenho que fazer uma conferência sobre os sentidos do amor". E ela disse-lhe: "mas tu não tens idade para saber que o amor não tem sentido nenhum?" Por isso ele hoje podia escrever na festa de Iemanjá que um beijo é para toda a eternidade. O amor é isso, o romantismo era Miguel Portas. O romantismo de quem vive a vida toda, a vida intensa, quem quer vivê-la, quem quer vibrar com ela, quem quer aprender com ela, quem quer crescer dela - Miguel Portas. E é deste romantismo de procurar os outros, de aprender com os outros, que eu queria falar. (...)

Conhecer é perguntar e ele queria conhecer e perguntava. Pelas lendas, pela gastronomia, pela cultura, pela arte, pela pinturas, pelas pessoas, por aquilo que elas contam, pelas suas histórias, pelo que elas são, pelo que elas querem, o que elas prometem. Romantismo todos os dias. E  romantismo consigo sempre também. Consigo mesmo. "Amar as coisas simples", dizia uma amiga nossa. Um cigarro numa esplanada, escrever com tempo, mas viver depressa. Esse romantismo que é escolher e acreditar, que é decidir e fazer, arriscar e perder, arriscar e lutar. Esse romantismo é o sentimento do amor, e era o mais genuíno e o mais forte que o Miguel tinha para nos dar. Todos reconhecemos nele essa centelha quando o conhecemos. E, por isso, quando ele lutava contra a troika, quando ele fazia das suas causas a sua vida, quando lutava na era dos credores pela capacidade de o povo poder decidir, poder fazer escolhas, poder criar alternativas, poder fazer caminhos, poder decidir, quando trazia a solidariedade em cada um desses momentos, ele dizia-nos, nós sabemos: não desistir de nada. Da solidariedade, não desistir de nada. Da justiça, não desistir de nada. Do socialismo, não desistir de nada."

Francisco Louçã

"Uma oportunidade para sermos pessoas melhores"

Rob Riemen


Adoro o Rob Riemen, mas mesmo!, desde que li "Nobreza de espírito. Um ideal esquecido". Por tudo e porque obriga a uma releitura de Mann, Espinosa, Whitman, Goethe ou Camus. Hoje, Teresa de Sousa publica no Público uma entrevista absolutamente imperdível.

"Pessoas como Mário Soares, Willy Brandt, François Miterrand eram, no mínimo, gente extremamente erudita, que tinha ideias, com as quais podemos discordar, que cometia erros, alguns até bem grandes, mas era fácil reconhecer neles a dimensão de estadistas. Quem, entre a actual classe dirigente, você consegue definir como um estadista? Li recentemente um comentário muito interessante de alguém que dizia que quando daqui a cem anos as pessoas olharem para o nosso tempo vão perguntar-se: por que era esta gente no final do século XX estúpida ao ponto de pensar que tudo se resumia à economia, à economia, à economia?"

"Hoje os políticos dizem que estão ali pela liberdade, para defenderem os interesses de quem os elege, mas não estão lá para isso. A única saída é dar de novo significado às palavras. Uma das principais obrigações dos intelectuais é devolv...er algumas palavras às pessoas e devolvendo-lhes o seu real significado. Explicar-lhes que não é em torno do dinheiro e do poder que a vida se joga. Que, se quiserem viver com dignidade, então precisam de cultivar a nobreza de espírito."

"A nossa classe dirigente nunca conseguirá resolver os nossos problemas porque ela é o principal problema. É de tal maneira estreita de espírito que apenas consegue concentrar-se nas questões que não são verdadeiramente importantes. Em vez de salvar os bancos, devia preocupar-se em dar às pessoas uma boa educação, os instrumentos que lhes permitam conduzir as suas vidas, facultar-lhes o acesso à arte, à cultura, aos livros... para que possam tornar-se seres humanos críticos."

sábado, abril 28, 2012

Daniel Oliveira: Miguel

[Paulete Matos]

Nada tenho a escrever sobre política. O Miguel não me perdoaria isto. Deixar passar uma semana sem me entregar ao que sei fazer. As duas coisas a que me dediquei na vida – a política e o jornalismo – fiz ao lado dele, com ele. E para ele, por pior que tudo corresse, a escrita e a política não esperavam pelos nossos estados de alma. Nessa matéria, era implacável. Mas tinha, apesar disso, uma fome de vida como nunca vi em ninguém. E desconfiava de quem só vivia para grandes causas. Como podemos nós compreender o que devemos fazer pelos outros se nada sabemos deles? Como podemos nós lutar pelo outro se ele não for mais do que uma abstração? O Miguel gostava de pessoas antes de gostar de uma ideia.

Não, não me preparo para um panegírico. Panegíricos fazem-se a heróis. E o Miguel não era um herói. Não era uma estátua. Sim, foi detido com 15 anos pela PIDE. Sim, foi militante comunista quando era difícil. Sim, viveu sempre dividido entre a lealdade à sua “tribo” e o imperativo de não defender aquilo em que não podia acreditar. Mas, da sua coragem, o que mais importava era o desplante. Ter organizado os primeiros concertos em Lisboa quando isto era um deserto. Ter lançado um jornal e uma revista de esquerda quando isso era impensável. Ter-se mudado para o Alentejo e para a serra algarvia para trabalhar em desenvolvimento local quando o seu “estatuto” não o obrigaria. Ter voltado ao jornalismo, várias vezes, para nos oferecer maravilhosos documentários e livros. Ser, e isso era uma das nossas muitas cumplicidades, um incurável viajante. Os seus olhos terem continuado, até ao último dia, a brilhar com cada coisa nova que descobria, com cada coisa velha que defendia. Dos seus míticos ataques de fúria passarem com a mesma inesperada rapidez com que chegavam. Com as mulheres, com os lugares, com a política, com o trabalho, com tudo, o Miguel era intenso.

O Miguel era irremediavelmente humano em todos os seus defeitos e qualidade. Não faço um panegírico porque o Miguel não era apenas meu camarada. Não era sobretudo meu camarada. Era meu amigo. Com fraquezas, erros, injustiças. Como com todos os amigos, que não o são apenas por hábito, claro que me zanguei tantas vezes com o Miguel como ele se terá zangado comigo. Fizemos sempre as pazes sem uma palavra, apenas voltando porque tem de ser. O tempo permite que a amizade viva com o que não precisa de ser dito. E ao fim de 22 anos de um imenso carinho, mais de metade da minha vida, onde em cada momento me aparece o seu rosto, a sua voz, o seu riso estranho e o seu desvairado otimismo, os seus defeitos passaram a ser tão indispensáveis como as suas qualidades. Parte de mim.

O Miguel morreu (custa escrever) indecentemente cedo. Cedo demais para toda a energia que tinha e que, até ao último minuto, nunca o abandonou. Cedo demais para todos, e éramos muitos, que dele dependiam, como se depende de uma casa que, mesmo com infiltrações, sempre foi a nossa. Mas uma coisa é certa: o Miguel teve uma vida cheia. E encheu as dos outros. E como ele não me perdoaria que não falasse de política, deixou a nossa muitíssimo mais pobre. Há pouca gente com a sua ousadia. Na política, mundo repleto de bonecos insufláveis, não há quase ninguém. Sim, talvez o País aguente todas as perdas. Talvez a esquerda supere esta. Para mim, para todos os seus amigos, é que é mais difícil tapar este buraco.

[Hoje, no Expresso, com a seguinte nota no blogue Arrastão:

Fica aqui o texto que publiquei, hoje, no "Expresso", sobre o Miguel. Pela intensa amizade e cumplicidade pessoal, política e profissional que com ele mantive, nos últimos 22 anos, falta-me o distanciamento que consegui ler noutros, em textos muito mais claros e relevantes sobre o que foi a vida e o percurso do Miguel. Tentei, mas não consegui. Uma espécie de anestesia não me deixa. Mas era obrigatório passar para o papel (era no papel que o Miguel se entendia) o imenso carinho que tinha, que tenho, que sempre hei de ter por este ruivo que mudou, em muitas coisas, talvez em muitas mais do que ele julgava, a minha vida. Sinto falta dele, e isso impede-me de escrever com clareza. Ficam as minhas desculpas por isso. Mas, mesmo assim, tenho de deixar escrito.]

sexta-feira, abril 27, 2012

Francisco Louçã: Nunca fica tudo dito


Quando me contou que ia começar mais uma série de quimioterapia agressiva, o Miguel escreveu-me que “o bicho voltou mas eu ainda não disse a última palavra”. Era uma conversa entre nós – e todos os seus amigos terão estes momentos e estas conversas para recordar, cada um à sua maneira –, por causa de uma citação de Ernst Bloch, “ninguém tem a última palavra”. Um de nós, qual foi nem importa, tinha-a usado uma vez numa convenção do Bloco, nunca ninguém tem a última palavra. É uma lição de humildade e de humanidade, nunca ninguém tem a última palavra. E repetimo-la muitas vezes, os dois, já nos ouviram a dizer isto, lembram-se?

Eu ainda não disse a última palavra, disse ele. Nem o cancro. Ninguém tem nunca a última palavra. Fica sempre alguma coisa por dizer, há sempre alguém que dirá mais. Nunca fica tudo dito.

Do Miguel também não. Dos seus defeitos, que “quem nunca se arrepende ou é santo ou é tonto”, escreveu ele. Irritável como romântico, como se pode ser as duas coisas? Sorridente e ansioso, como se pode viver das duas maneiras? Das suas qualidades, a curiosidade, a abertura, a busca incessante de caminhos, as contradições sofridas, sobretudo a ternura. Uma alegria contagiante quando era. Tristeza quando não era, são assim os românticos, e nunca me digam que o romantismo não é belíssimo. Ninguém tem nunca a última palavra.

Nem com o que dele disseram. O Presidente da República e o Primeiro-ministro, seus adversários em eleições em que se empenhou, que foram correctíssimos, como o presidente do Governo Regional dos Açores. A Presidente da Assembleia da República, em mensagens de sensibilidade tocante. Os partidos políticos, todos e de todos os quadrantes, os eurodeputados, a CGTP, associações tantas, pessoas imensas. Todos, sabendo que não diriam a última palavra. Partidos europeus, a Polisário, tantos dos seus amigos do Médio Oriente. Todos.

Os que desfilaram no 25 de Abril na Avenida da Liberdade, fiéis ao que somos. Todos.

Palavras a mais, sim, também houve. A do presidente do Parlamento Europeu, que se disse espantado por não imaginar que o Miguel tivesse criado tantas amizades naquele parlamento, que não é propriamente lugar de sensibilidades. Ninguém tem a última palavra, senhor Martin Schulz, talvez tenha aprendido alguma coisa.

Fica sempre alguma coisa por dizer. Da viagem que faltava. Do gosto de ter os filhos a seu lado para continuar sempre a aprender a ser pai. Do livro que ficou por fazer, sobre a Europa. Do arroz de pato. Da banda desenhada, do Corto Maltese ao Bilal, quem desenha o quê? Do amor das coisas simples, como dele dizia Assunção Esteves. Da esperança a contar os dias até às eleições francesas e gregas. Da sua última viagem a Atenas, para ajudar quem luta. Nunca ninguém tem a última palavra, Miguel.

terça-feira, abril 24, 2012

Rui Tavares: Isto irá


Há quinze dias a crónica não saiu. Não fui capaz de a escrever. Eu tinha sofrido uma grande perda e não quis receber uma avalanche de mensagens. Recebi apenas algumas. Uma delas era do Miguel Portas: “internado em Antuérpia”, dizia, desejava-me força naquele momento difícil. Nestas duas semanas, enviei-lhe duas mensagens, desejando-lhe força também, para os tratamentos. “Brigado”, respondeu ele, “isto irá”.
Hoje a crónica sai, não sei se em condições para ser lida, peço desculpa por isso. É 25 de abril, e o Miguel Portas morreu ontem. É duro. Daqui a uma semana será 1º de maio. O dia de anos do Miguel Portas, data que o enchia de vaidade. Isto é mais do que duro. É cruel.Foi cruel morrer assim o Miguel Portas, tão dolorosamente. Mas ele não se zangou com a vida. Logo o Miguel, que tantas vezes na vida se zangou sem razão, não se zangou com a vida, mesmo quando teve toda a razão para isso. Mas ele só podia gostar muito da vida. Tanto que nunca acreditou que ela lhe pudesse fazer esta desfeita. Há mesmo pessoas em que o gostar muito da vida está na raiz de tudo.
Isto irá, MiguelHoje é 25 de abril. É dia de descer a Avenida da Liberdade. Vão lá muitos amigos, de cravo na mão, camaradas teus, namoradas tuas, gente com quem te zangaste, gente com quem te reconciliaste, gente com quem fizeste política, e jornalismo, e amizade, e com quem desfizeste também. Para qual das coisas tinhas mais talento? Também isso discutiremos ao descer a Avenida da Liberdade, mesmo os que não puderem descer a Avenida; lembraremos os jornais, e a política, e as amizades.
Isto irá. Daqui a uma semana é 1º de maio. Ser-te-á prestada homenagem, quando já estivermos mais repostos. Os teus amigos farão outra coisa: festejarão o teu aniversário. Mesmo aqueles que andaram à bulha contigo. Todos sentem a tua falta. Até de andar à bulha contigo. Falarão das coisas que fizeste, lembrarão como entraste na vida deles, e não esquecerão nada, das coisas mais importantes àquelas que não têm importância nenhuma. Como lhes arranjaste um emprego. Como o jornal foi à falência. Como fizeste um partido novo.
E, sabes, Miguel? Isto irá. Aprenderemos finalmente, talvez não seja já para amanhã, mas aprenderemos. A fazer as coisas de outra maneira. A ser camaradas. A respeitar as diferenças. A juntar forças, mesmo. Tu, que nunca foste sectário, vais gostar de ver. Mas como eras taticista, vais ficar surpreendido. Isto irá, finalmente. Faremos deste um país melhor. Teremos de ser muito melhores para o conseguir fazer, é claro. Mas isto irá. As coisas estão difíceis agora. Mas um dia vamos reconstruir o que agora está sendo destruído. Nascerão as novas escolas, e teatros, e serão reconstruídos os prédios velhos.
E haverá mais. Haverá viagens, Miguel, em que se arrancará logo de madrugada. E piadas contadas em várias línguas, francês desenrascado, italiano macarrónico, inglês acabado de aprender, uma ou duas palavras em árabe. Isto irá. Hão de cair mais uns tantos muros, vais ver. E vai haver jogos de futebol contigo como guarda-redes. E vão aparecer uns jornais e umas revistas novas, com um pessoal novo, talentoso, que havemos de descobrir. Vamos ter umas boas ideias. E, tal como garantiste tanta vez, vamos dar a volta a isto. Vamos dar a volta a tudo. Nem sempre acreditei, é certo. Mas isto irá.
[Amanhã, no Público]

Miguel Portas 1958-2012



"Substituí [a crenca em] Deus pelo homem, pela humanidade. Gosto pouco da palavra acreditar no sentido da fé. Eu não posso dizer que o mundo vai acabar bem. Eu gostaria que o mundo acabasse bem. E tenho a obrigação de dar a minha quota parte para que ele possa acabar bem. O modo como o mundo vai evoluir depende da forma como os humanos vão relacionar-se com o planeta. O mundo tem condições extraordinárias para que as pessoas possam viver melhor do que vivem, mas também tem capacidades destrutivas incomensuravelmente maiores do que teve em qualquer outra época da História. Não é um problema de crença saber se isto acaba mal ou bem. O que é para mim um problema de crença ou de sistema de valores é o de cada um de nós, no lugar onde está, da forma como está, viverá melhor consigo próprio se procurar ser sério, útil."

segunda-feira, abril 23, 2012

The river




l watch the moon hang in the sky
l feel the traffic rushing by
Freight train engine in the night
I'm still here waiting for you
l watch the moon hang in the air
l feel the cold breeze through my hair
My eyes blind by headlights glare
I'm still here waiting for you
l take the night train to the sky
Rising up i close my eyes
The ground beneath me dead and dry
But i'm still here waiting for you
l won't cry another tear
For all the pain we saw last year
The river thirsts for those who fear
and i'm still here waiting for you
We once walked these streets
In search of the unthinkable
We tried to be invisible
It only made us miserable
l once lost it all
ln a game that can't be won
l took a chance and had to run
The river was the only one
Will you leave It all behind ?
Water brushing through your mind
The river's thirst is so unkind
But i'm still here waiting for you

domingo, abril 22, 2012

Amar o Porto (X): Serralves


Congelar o tempo...

sábado, abril 21, 2012

A estrada branca


Atravessei contigo a minuciosa tarde, deste-me a tua mão, a vida parecia difícil de estabelecer acima do muro alto, folhas tremiam ao invisível peso mais forte. Podia morrer por uma só dessas coisas que trazemos sem que possam ser ditas: astros cruzam-se numa velocidade que apavora, inamovíveis glaciares por fim se deslocam e na única forma que tem de acompanhar-te, o meu coração bate.

José Tolentino Mendonça

sexta-feira, abril 20, 2012

Ruben A.: O Outro que era eu


"Desintegro-me. Custou-me sempre participar do colectivo. Apoquenta-me a minha narrativa, sobretudo pela veracidade mordaz de que se revestem todos os meus actos. Tento disfarçar com imagens. Puxo as sarjetas da alma, guindastro pelas roldanas do meu vaivém um peso de sentimentos misturados com banalidades do dia a dia. Não vou à praça fazer compras. Recuso-me terminantemente a tomar uma laranjada, ou um eléctrico. Deixo que as pessoas olhem para mim, de caras, com a minha imagem espantada, bem visível à vista desarmada. Mesmo na loja que na Baixa me queria vender um binóculo por tuta-e-meia, eu recusei em absoluto essa alavanca trancada no rosto. Fui sempre pelo que é natural, tanto em animais, como na cama. A memória recorda factos, é parte de uma história que se ensinava no século XIX e ainda hoje alegra os meninos do Liceu. Lembro futuros melhores, de fava-rica, camisas arregaçadas, terminações com o mesmo dinheiro de muitas sortes grandes, banhos em pelote, mulheres de tremer os alicerces, terramotos que correm cheios de saudade, prenhes de desejos, satisfações imberbes que nunca se cumprem. Arrepio-me, agora, já, sem saber bem porquê, uma viagem que sobe e desce pela espinha dorsal. Olho para mim. Uma radiografia perfeita, bem chapada. Tudo foge ao meu controle. Fico destituído de mim, como desmobilizado de uma guerra em que não tomei parte."

quinta-feira, abril 19, 2012

Es.col.a


O Executivo de Rui Rio no seu melhor estilo. Eu até já me tinha esquecido de como era, mas de repente lembrei-me de tudo. Doze anos sem aprender nada.

sábado, abril 14, 2012

Need you now



I know we're going crazy, but i need you now.

sexta-feira, abril 13, 2012

Estágio para os festivais de Verão (IV)

Germano Oliveira
Jornal de Negócios

Não vão aos festivais, mas vão dar festival

Como se já não fosse suficientemente bom o que vai andar pelos festivais, ainda há isto: concertos em nome próprio de gente que pode salvar vidas ao vivo. O Verão vai ter Bon Iver, o Outono vai perder a cabeça com o "rock'n'roll" e, pelo meio, vem aí um poeta. São destaques possíveis do cartaz paralelo aos festivais - há mais além destes, mas tem de se começar por algum sítio.

É pegar em "Calgary" e pô-la a rodar. Se isto não for uma das canções mais bonitas que algum dia ouviu, é melhor passar directamente para o subtítulo seguinte, porque há coisas mais mexidas por lá. E "Calgary", muito provavelmente, até nem deve ser o melhor tema de Bon Iver - a questão é saber qual é. Justin Vernon, que é o nome do rapaz, é um tipo muito especial. Ele faz cantigas que arrepiam gente apaixonada e desencantada, de esquerda e de direita, rebeldes e mansinhos, fãs do Ronaldo e do Messi - já se percebeu a ideia. Isto é música que purifica, de tão triste que às vezes é; isto é música que arrebata, de tão contida que tantas vezes é; isto é música avassaladora, de tão tocante que sempre é. E dá-nos vontade de ser melhores pessoas - sim, é graciosa a este ponto. Bon Iver vai andar por cá fora dos festivais. A 24 de Julho, o Coliseu de Lisboa está pronto para abraçá-lo - e é palco singular para ouvir "Lisbon, OH", instrumental sobre uma prisão no Ohio, onde aparentemente esteve detido um amigo de Justin Vernon. No dia seguinte, Bon Iver segue para o Coliseu do Porto e quem puder que siga depois com ele para onde tiver de ser.

Novo exercício: é pôr a rodar "Lonely Boy", "Gold On The Ceiling" ou "Howlin' For You". Das duas uma (ou ambas, porque aqui tudo é permitido): já ouviu isto na rádio, na televisão, na "net" ou algures; quando põe a rodar, percebe que é a primeira vez que está a ouvir os The Black Keys, mas soa-lhe a conhecido. Ora, esta malta não tem medo de soar ao passado, mas é absolutamente actual. E quando se apanha um bom tema dos meninos, dá vontade de beber umas cervejas, andar de mota e até de dizer um palavrão ou outro - no fundo, o povo pode sentir-se rebelde a ouvir isto. Quando vierem a Portugal, os The Black Keys vão ter de provar que são capazes de domar uma sala grande - o Pavilhão Atlântico, em Lisboa, já está reservado. O "rock'n'roll" à antiga está marcado para 27 de Novembro e vem aí rapaziada que não receia sujar a guitarra com distorção e que até arrisca umas danças (há que espreitar com urgência o vídeo de "Lonely Boy", porque aprende-se coisas - o "rock" merecia uma dança assim).

Já se sabe que este homem não se dá mal com as palavras, mas que se fique a saber que ele é capaz de resgatar a autoconfiança dos que não são como o Brad Pitt. Um dia, o senhor Leonard Cohen - o respeitinho é muito bonito - falou ao coração dos homens normais quando recordou dizeres de um amor antigo: "You told me again you preferred handsome men, but for me you would make an exception". O que não se sabe ainda é se todas as mulheres que admitem abrir excepções andam a ouvir estas histórias do senhor Cohen, mas pelo menos as portuguesas podem conhecer os detalhes em breve. A 7 de Setembro, o Pavilhão Atlântico vai receber um dos nomes essenciais da música que se fez e se faz. E como se pode estar a correr o risco de isto soar a um manifesto dos homens normais, que se saiba que há algo maior que nos resgata a todos. O senhor Cohen disse tudo no mesmo "Chelsea Hotel": "Well never mind, we are ugly but we have the music". Ora nem mais.

Estágio para os festivais de Verão (III)


Germano Oliveira
Jornal de Negócios


Óbvios, mas imperdíveis

Além de "outsiders" que sabem o que fazem, os festivais de 2012 vão ter malta muito conhecida que é capaz de vender bilhetes. Radiohead, Björk e Eddie Vedder são casos evidentes, tal como os Cure, os retornados Ornatos ou os Franz Ferdinand. Não há palavras para estes todos, mas os óbvios também são mais fáceis de apanhar nos cartazes.


Escrever sobre os Radiohead é pior que explicar a um estrangeiro como se paga nas ex-Scut. É um desafio pavoroso. Para começar, há que redigir menos e ouvir mais quando o tópico é Radiohead. Tendo em conta que isto é um texto e não um disco, a coisa complica-se. Depois, e quando os álbuns começam a rodar - pode ser qualquer um, porque vai sempre fazer sentido -, o cenário não melhora para quem escreve: isto é imenso (e o dicionário diz que "imenso" significa "tão grande que não pode ser medido ou contado" e bate tão certo). A 15 de Julho, no Alive, os Radiohead pegam nos discos (há "Kid A", há "Amnesiac", há "OK Computer", há "The King of Limbs", há "The Bends", há mais e é tão bom) e vão mostrar ao povo como é. Isto é para sentir e partilhar, porque vai dar vontade de dar a mão se houver alguma para agarrar; isto é para tremer e encrespar, porque é música com carácter; isto é para entender que canções assim não cabem num texto. Quando eles cá vierem, é também tempo de resolver assuntos pendentes. "Os Radiohead são um caso mal resolvido em Portugal. Apesar de gostarem do país, foi talvez uma das poucas bandas do mundo que, por motivos logísticos, não chegava a Portugal sempre que organizava uma tournée", diz Álvaro Covões, da Everything is New, que organiza o Alive. A 15 de Julho, o caso pode ficar bem resolvido.

E por falar em Radiohead, há que viajar no tempo. Aqui há uns anos, a menina Björk fez-se actriz - "Dancer in the Dark" é de ver ou rever -, atirou-se à banda sonora do filme, pegou em Thom Yorke (ele mesmo, a voz dos Radiohead) e saiu um dueto em "I've Seen It All". Há uma outra versão do tema, em que o dueto é com o actor Peter Stormare (este menino acabou mais tarde em "Prision Break" - a vida é assim), mas é com o Thom que é especial. A 9 de Junho, quando Björk andar pelo Primavera Sound, não é de esperar o tipo dos Radiohead, mas ela é menina para aguentar bem sozinha. Björk é uma aventureira que gosta de investigar a voz - e que ciência vocal ela tem. Quando é para mexer com os sons e explorar ritmos, não há aqui medo de ter máquinas a fazer música. E há que dizê-lo: quando ela acerta nas canções ("Jóga", "Army of Me", "Hyperballad" ou "Bachelorette" são exemplos possíveis), dá vontade de lhe escrever cartas de amor.

Os Pearl Jam não se deram mal com o que fizeram. E quando andaram noutras vidas, também não. É ver Mother Love Bone, Mad Season ou Temple Of The Dog, que têm em comum o facto de merecerem ser ouvidos e de terem músicos dos Pearl Jam. E há ainda "Mirror Ball", álbum que ergueram com Neil Young e que é boa companhia para andar na estrada. Eddie Vedder (será que ele se chama mesmo Edward Louis Severson III?) pegou nesta boa aventurança e lançou-se a solo. Começou por escrever as cantigas de "Into the Wild", filme que criou um certo culto, e depois agarrou-se ao "ukulele" para lançar um disco bucólico. A 3 de Agosto, o homem que canta as palavras (e às vezes arrisca umas guitarradas) dos Pearl Jam vai abrir o coração no Sudoeste, na Zambujeira do Mar. Vai ser para deitar a casa abaixo? Dificilmente. Vai despertar abraços e beijinhos? Certamente.

Estágio para os festivais de Verão (II)

Germano Oliveira
Jornal de Negócios


Deixem-nos suar - O lado B dos festivais


Obrigado, James Brown. Pelo penteado - espectacular - e por uma verdade certeira: "A música tem de respirar e suar. Tem de ser tocada ao vivo". É certo que há mais para agradecer a James Brown, mas é mesmo isto: música a sério é suja e imperfeita, é inesperada e irrepetível - e isso não se compra nas lojas, nem se descarrega na Internet. E porque o povo merece tréguas da crise, deixem os portugueses ir ver como a música sua e soa. E deixem-nos dançar e chorar, deixem-nos gritar e esquecer, deixem-nos fazer figuras tristes nos concertos. É tudo possível, porque 2012 é um ano de música tão boa que até dói.

O texto que aí vem não é um guia definitivo, é um ponto de partida, é quase uma súplica para que não perca o que lhe vai passar à porta. E prepare-se: esta é uma viagem que vai espreitar alguns dos "outsiders" que vão andar pelos festivais portugueses. Deixem-nos suar - a eles e a nós.

Há palavras perfeitas quando se juntam. É assim com "Your Hand in Mine", que dá vontade de estar apaixonado só de se ler. Quando se ouve, dá-se entrada no planeta invulgar dos Explosions in the Sky, malta perigosa para corações frágeis. O Porto vai tê-los a 7 de Junho, no Primavera Sound. Vêm do Texas, escrevem sinfonias com longos rendilhados de guitarra e é com eles que vamos procurar mãos para agarrar as nossas. Os Explosions in the Sky são quatro e só contam narrativas instrumentais. As músicas não têm voz, são demoradas e têm humor oscilante: há desgosto e resignação, há resistência e revolta. Chris Hrasky, ainda antes de ser o baterista, chamou-lhe "sad, triumphant rock band" quando afixou um cartaz a dizer que precisava de músicos para um projecto. Não é música para se ouvir em qualquer dia, porque nem sempre se sai inteiro dali. E os Explosions têm de ter algum tipo de superpoder, porque tocar isto ao vivo noite após noite é coisa para deixar qualquer um de rastos. Música assim é comovente e arrebatadora e, por isso, há que sofrer e fantasiar com quem a faz.

Quem já fantasiou - e concretizou - foi um amigo de Baxter Dury, que também vai andar pelo Primavera Sound. Britânico, já quarentão, não tem medo de usar um bom chapéu, já deu concertos vestido "à cão danado" e tem uma história de devassidão (ou talvez não, mas o exagero é mais divertido) sobre uma tal de Isabel. A menina dá nome a um tema de Baxter Dury (sim, é o filho do Ian que vai pelo mesmo apelido) e o refrão não podia ser mais enternecedor. "Isabel sleeping, Isabel sleeping, I think my mate slept with you when you were in Portugal." Está lá tudo: fala-se de Portugal, há cenas eventualmente chocantes, há ressaca e o raio da cantiga não sai da cabeça. Baxter Dury é "indie" mundana, é "pop" excitada e tem o dom de ter uma das caras menos "rock'n'roll" que algum dia surgiu na capa de um disco - é espreitar "Happy Soup", lançado em 2011. Há gente que acerta tanto quando erra redondamente.

Já quando a coisa é "rock'n'roll" em condição rude, com botas de bico e muito couro no corpo, os The Kills sabem do que se trata. É verdade que eles andam por aí com um tema muito bonitinho ("The Last Goodbye", porta de entrada no site oficial), que leva piano e cordas sintetizadas, mas tranquilos: quando eles dão na guitarrada e batida seca, o que não falta é vontade de lhes dar beijos. Formados por Alison Mosshart e Jamie Hince, os The Kills chegam ao Alive, em Algés, a 15 de Julho. É bom é que haja menos pieguice e mais "Midnight Boom", disco óbvio para quem quiser pulsar com eles (também não faz mal espreitar o que anda por "No Wow"). Convém é que se saiba que os The Kills são dados à volúpia. Há um tema que já leva uns aninhos - "The Good Ones" - e que tem um "videoclip" que explica o porquê. Eles ferram os dentes enquanto cantam, ele de guitarra em riste e ela de unhas curtas pintadas há meia dúzia de dias, e nós à espera que eles se trinquem e desatem a fazer coisas com bolinha vermelha. E como se já não fosse suficientemente bom, a canção é viciante. Alguém que faça chegar o recado aos The Kills: esqueçam lá os pianos. O cidadão quer é "rock" carnal.

Aventuras femininas
E depois há Lana del Rey. Mesmo quando não canta, há tanto para contar - há algo desproporcionado (os lábios?) que não bate certo com tanta beleza e no entanto faz todo o sentido. É uma assimetria que se sente também na música que traz no corpo - tem algo de antigo, fora do sítio, e ainda bem. É vê-la em "Video Games", que é um dos recordistas do Youtube. O vídeo tem aquela prosa muito americana - há a bandeira, há Hollywood, há gente a fazer palermices (mas daquelas boas) -, e recorre ao mais eficaz dos truques: música cativante embrulhada numa mulher vistosa. Ela anda por lá de olhos resignados e ombros estreitos encaixados num vestido amarelo ("his favourite Sun dress", como ela canta) e não há muito por onde resistir. Há quem diga que o ramalhete "indie" de Lana del Rey é muito "plástico", mas e depois? Há que ouvir de cerveja na mão - em copo de plástico, certamente. A 6 de Julho, o Super Rock é de Elizabeth Grant, nome verdadeiro da menina. Mas chamem-lhe o que quiserem, desde que a tragam cá. E Lana: é muito provável que isto não dure a vida toda, mas já valeu a pena.

Um dia antes, e se o coração aguentar outra aventura feminina no mesmo palco, o Meco vai ter Bat For Lashes (na verdade, é Natascha Khan, mas artista gosta de brincar aos nomes). Filha de pai paquistanês e mãe inglesa, pegou nas culturas distantes que lhe correm no ADN, juntou-lhes algum risco (é multi-instrumentista) e pintou tudo com uma voz à medida. Resultado: os discos (sobretudo o conceptual "Two Suns") ouvem-se em "loop". Para quem pretende saber ao que vai com Bat for Lashes, é pesquisar por "Prescilla (Live Shepherds Bush Empire 2009)" no YouTube e vê-la a escorrer um tema num instrumento estranhíssimo, com a canção literalmente entre os dedos e nós ali espantados. Pode ser que seja assim no Super Rock.

Menos "outsider" que Bat For Lashes é uma das jovens que vai andar pelo Alive a 14 de Julho. Se Natascha Khan é uma espécie de Marítimo (só em abstracto, porque nos nossos corações é o Barcelona), Florence Welch é como o Braga - tem qualidade para lutar pelo título e já faltou mais para ser cabeça de cartaz. No Alive (por onde já andou há dois anos, quando tocou no mesmo dia de Alice in Chains, Devendra Banhart e The xx - a vida era assim antes da "troika"), sobe ao palco antes dos The Cure. Para começar, Florence Welch é uma mulher que tem uma voz que não cabe numa sala. Há ali muita força, por vezes até excessiva, e a rapaziada nem sempre aprecia tanta epopeia. Por outro lado, é impossível ficar indiferente: nem que seja para lhe chamar nomes, há algo maquinal naquela fusão que tem de ser visto - há "pop", há indie, há tiques barrocos e celtas, há "folk". Florence Welch vem com os seus The Machine, daí surgir no cartaz com o recurso à matemática - Florence + The Machine. Para antecipar a equação de 14 de Julho, talvez não seja despropositado espreitar "Shake it Out", "All This And Even Too" e "No Light, No Light", temas saídos do último disco. Quem sobreviver, sugere-se calçado afectuoso para o dia do concerto, porque isto dá para pôr os pezinhos a embalar.

Sujar a música
E agora há que pegar na agenda e marcar 8 de Junho, nem que seja para ficar desapontado. Chamam-se Beach House, vão andar pelo Primavera Sound e trazem um disco consensual (o quem nem sempre é lisonjeiro, mas isso é matéria para outra tertúlia): "Teen Dream", que continua digno de estima, apesar dos dois aninhos. Os Beach House são um duo formado pela francesa Victoria Legrand (quem gosta de vampiros "teen" pode espreitá-la na banda sonora da saga "Twilight", com os Grizzly Bear) e pelo norte-americano Alex Scally. A metade feminina é particularmente intrigante: há quem diga que há ali algo de Nico (sim, a pequena que juntou o nome aos Velvet Underground). Convém não aprofundar muito a autenticidade da comparação, porque Nico é matéria sensível e há malta que pode não apreciar a brincadeira. Mas quem estiver de coração aberto, pode começar por "Master of None", que paira no disco homónimo dos Beach House. Há quem lhe chame "dream pop", que é uma forma bem-parecida de dizer que há ali sintetizadores atmosféricos. Em disco, os Beach House talvez sejam excessivamente "clean" - a música, às vezes, tem de partir tudo e não faz mal se deixar nódoas. Ainda assim, é difícil largá-los, porque há muito magnetismo nos temas de Victoria Legrand e Alex Scally (ele anda por ali de guitarra na mão a dilatar muitas canções). E os Beach House precisam mesmo de respirar e suar ao vivo, para sujar o que conceberam em estúdio.

Quem não tem medo de se sujar é Borja Laudo, que também vai pelo nome de Bigott (aliás, vai mais por este que pelo outro). Natural de Saragoça, mostra que não há impossíveis: um espanhol pode mesmo fazer carreira a cantar inglês. É verdade que nem sempre se percebe tudo devidamente, mas não dói. Bigott, que vai andar pelo Primavera Sound a 7 de Junho, é um cantautor (vamos chamar-lhe assim, para facilitar) que sabe dar uma festa. Quando tem mesmo de ser, não repudia uns cantos mais tristes, mas não é homem para se intimidar com a vida airada. É espreitar "Sparkle Motion", "Kinky Merengue", "Honolulu", "She Is My Man" ou "I'm a Little Retarded" e ver como os ombros começam a mexer sem autorização e como nem tudo precisa de ser amargurado, mesmo quando é um cantautor a contar a história. Quando quer, Bigott é "folk" psicadélica e nós precisamos de malucos assim. Afinal, ele já disse tudo quando deu nome a um dos seus discos: "This is the Beginning of a Beautiful Friendship".

E por falar em novas amizades, não há que temer os PAUS. Antes de avançar, há que precisar que vem aí um exercício difícil, já comprovado pela frase anterior: é inevitável não tropeçar numa piada consentida ou numa ambiguidade inesperada quando há uma banda que se chama assim. É ainda necessário esclarecer que nome faz todo o sentido: os PAUS têm duas baterias e há muita paulada por lá (isto é irresistível). Depois, e é o que vale, a música que sai dali é uma experiência. Não é fácil, não é imediata, mas é especial. O Alive vai tê-los a 15 de Julho e há que saudar a ousadia de lançá-los no mesmo dia de Radiohead. Os PAUS são portugueses, fazem parte de uma corrente tuga que sabe o que faz (Linda Martini, We Trust e reticências por aí fora) e não têm medo de correr riscos. Há um lado bruto e experimental no que fazem, que debita "rock" e electrónica, que pode deixar de fora alguns ouvidos menos disponíveis - mas é precisamente esta audácia que os distingue. "Língua Franca" é daqueles temas que dá vontade de formar uma banda e o passeio marítimo de Algés pode ser pequeno demais para aquela bateria siamesa, mandona em disco e tremenda ao vivo.

Deixar crescer a barba
Apesar do Rock in Rio não ser dado a grandes riscos no cartaz, cuidado com uns meninos que vão andar por lá a 25 de Maio. Os Mastodon dão vontade de vestir de preto e de deixar crescer uma barba extravagante (hipótese felizmente mais inacessível para as senhoras). Há ali guitarra rija, muita esquizofrenia na percussão e muito mais que "heavy metal". Eles já andaram por cá - no Super Rock, por exemplo -, e são um óptimo pretexto para se fazer cara de mau enquanto se ouve música pesada. Imperdoável é vê-los no cartaz antes dos Evanescence, mas são maldades que acontecem.

Já que é para correr riscos, venha daí a singularidade de uma rapariga loira. Conta-se que Angela Gossow, cidadã alemã exemplar, trabalhava na área de publicidade aqui há uns anos e fazia uns biscates no jornalismo. Num acaso daqueles, entrevistou um dos rapazes dos Arch Enemy e deixou ficar uma gravação no final da conversa - o pequeno ficou encantado. Hoje, Angela Gossow é tipo a Shakira (desculpa, Angela) da música extrema. Se houver coragem para espreitá-la, ela vai andar por Vagos, em Aveiro. No início de Agosto, os Arch Enemy trazem metal de qualidade. E fica o apontamento: é mesmo uma mulher que está a cantar, mesmo que não pareça. Vale a pena, mas não é para todos.

Coisas verdadeiramente importantes
Os Other Lives são como aqueles tipos irritantemente perfeitos, que são bons em tudo o que fazem: uma parte de nós finge que não repara neles, mas a outra parte acaba por vencer - há gente à qual não dá mesmo para resistir. Então, aí vai: os Other Lives já andaram na estrada com o Bon Iver e entraram em 2012 a abrir concertos para os Radiohead. Dois pontos para os "perfeitinhos". Mas há mais: têm vídeos maravilhosos ("Tamer Animals", que é nome de disco, de "single" e de "videoclip" que é para ver) e fazem canções que têm de ser ouvidas. E ainda não acabou: eles têm barbas rebeldes, cabelos compridos com risca ao lado e às vezes arriscam umas calças curtas com as meias à mostra. É assim que se chega ao desfecho evidente: é forçoso reparar neles, mesmo que não se queira. O Primavera Sound vai ouvi-los a 8 de Junho e há que esperar até lá para desposar o "folk" polido dos Other Lives, que traz pianos, violinos e violoncelos. E, mais do que isso, traz músicas como "Tamer Animals" ou "For 12", que salvam o pior dos dias.

Quem também aprecia salvar o próximo são os Noah and the Whale, que chegam ao Alive a 14 de Julho. Isto é gente que não receia assobiar e bater palmas durante uma cantiga ("Five Years Time"). E quando o momento não é para grande algazarra, eles sabem pegar no desgosto e cantá-lo como se tivessem ouvido em "repeat" Will Oldham e Bill Callahan - é espreitar "First Days Of Spring" ou "Stranger".

Mas se for dia para ter um refrão orelhudo, vestir roupa urbana, arriscar um penteado extravagante e ir beber uns copos, aí há que pegar em "Tonight Is The Kind of Night" e ir dançar para a rua. É que eles têm este lado muito humano: às vezes estão tristes, às vezes dá-lhes para a rebeldia, depois têm dias em que apenas estão e há ainda aqueles momentos em que só eles é que nos sabem tirar de casa para ir para a farra. Não são perfeitos, não fazem tudo bem, mas tratam-nos com cuidado - é bonito. Os Noah and the Whale trazem ao Alive um disco que mutou da "folk ("Peaceful, the World Lays Me Down"), um álbum de coração partido ("The First Days of Spring") e um outro que dá para dançar e engatar umas miúdas ("Last Night On Earth"). Não há aqui grande vergonha de mostrar emoções e isso é de homem.

E por falar em homenzinhos, os The xx fazem música que não bate certo com a idade - eles saíram da adolescência anteontem, mas parece que andam nisto há anos. É também precisamente por isso que eles recuperam uma daquelas verdades antigas: a música é quem a ouve. Eles vão chegar ao Primavera Sound, onde tocam a 9 de Junho, com um dos discos mais adultos alguma vez feitos por malta tão nova (a génese da banda remonta a 2005, quando alguns deles tinham 15 anos). "XX" é disco para erguer uma ditadura em qualquer leitor de música: lançado em 2009, andou a rodar repetidamente nas aparelhagens, iPhones, iPods, iPads, androids e no que estivesse à mão dos rendidos. É muito fácil encaixá-los no rótulo "indie" (afinal, "indie" é quase tudo o que o homem quiser), mas eles têm uma prateleira só deles. É pegar em "Islands" e ali estão os The xx, minimais e "pop", de guitarra subtil, "samples" sem rodeios e uma batida electrónica que é uma espécie de Ringo Starr do século XXI: não é preciso mais, porque assim é que faz sentido.

O desafio do segundo disco é pior que encontrar um bom defesa-esquerdo para o Benfica ou um ponta-de-lança a sério para o FC Porto, mas teremos sempre o primeiro álbum, que é um tornado. E eis uma outra verdade que os The xx nos deixam: se é para sofrer com a crise ou com coisas verdadeiramente importantes como o futebol, que seja com estilo - a ouvir boa música.

Estágio para os festivais de Verão (I)


Quando o melhor trabalho sobre os concertos que aí vêm vem publicado num jornal de economia alguma coisa estará mal com o resto dos jornais. Mas isso é outra história. O Jornal de Negócios publicou hoje um trabalho para guardar lá em casa em lugar seguro durante dois meses. E uma página, esta, para levar dobrada no bolso das calças para os concertos e consultar sempre que necessário. Não vai ser fácil esquecer os textos que se seguem... Enorme Germano Oliveira.

quinta-feira, abril 12, 2012

Carine Brinkman: O mistério das cousas


"Há dez anos foi-me dado um livro. Era um livro de poemas traduzidos de Fernando Pessoa. Desde este primeiro ‘encontro’, a sua poesia tornou-se uma corrente na minha vida. Os seus poemas não são fáceis de ler e ainda há muitas linhas que não consigo compreender completamente. Mas eles tocam-me e ‘alcançam a minha alma’. Talvez seja como o poeta T.S. Eliot uma vez descreveu: “a sensação da compreensão adiada”.

O Mistério das Cousas: Desassossego
Casa Fernando Pessoa, Lisboa
De hoje até 29 de Junho

Seize the day

"You can spend

the entire second half

of your life recovering

from the mistakes

of the first half.

Choose love?


Somos mais felizes quando amamos alguém, mas muito mais livres quando não amamos ninguém. E essa é a grande escolha que a vida nos obriga a fazer: felicidade ou liberdade?

quarta-feira, abril 11, 2012

Nassim Nicholas Taleb: O cisne negro


"A lógica do Cisne Negro torna aquilo que não sabemos mais relevante do que aquilo que sabemos. Tenha em conta que muitos Cisnes Negros podem ser desencadeados e exacerbados pelo facto de não serem esperados. (...) O monstro neste livro não é apenas a curva em forma de sino e o estatístico que se auto-ilude, nem o académico submetido à Platonicidade que necessita de teorias para se enganar a si próprio. O monstro é o impulso para nos "centrarmos" naquilo que para nós faz sentido. Para viver no nosso planeta actualmente precisamos de muito mais imaginação que aquela que estamos preparados para ter. Falta-nos imaginação e reprimimos a imaginação dos outros.

(...) Acumulamos mais conhecimento e mais livros à medida que envelhecemos e o crescente número de livros não lidos nas prateleiras observar-nos-á de forma ameaçadora. Na verdade, quanto mais sabemos, mais extensas são as filas de livros por ler. Chamemos a esta fila de livros não lidos antibiblioteca. (...) O Cisne Negro resultou da nossa incapacidade de perceber a probabilidade da ocorrência de surpresas, porque levamos demasiado a sério aquilo que sabemos."

[Encontrámos no Jornal de Negócios uma referência a este livro, uma referência de tal forma gulosa, que saímos logo de onde estávamos para irmos a correr comprá-lo. Só corre quem está atrasado. Este livro é de 2007, foi traduzido no ano seguinte, chegámos a ele em 2012. Mais de metade das críticas dizem que é obrigatório. Não sabemos se é, mas é completamente viciante. É um absoluto não parar de ler, um absoluto não conseguir largá-lo.]

terça-feira, abril 10, 2012

Luto


"Aquilo a que chamamos luto talvez nem seja a dor provocada pela impossibilidade de trazer os nossos defuntos de volta à vida, mas antes a impossibilidade de acalentar tal desejo."
Thomas Mann

sábado, abril 07, 2012

Amar o Porto (IX): Aliados


Sábado de aleluia...

sexta-feira, abril 06, 2012

Sexta-feira santa


Não antecipes a tristeza
de morrer: não queiras muito
às lágrimas: consola-te
bebendo-as. E sê grato ao dia
em que, vivo, as tragaste.
António Osório

quinta-feira, abril 05, 2012

Promenade*

[*Chagall]
"Dá-me uma mão a mim
e a outra a tudo o que existe."
Alberto Pimenta

quarta-feira, abril 04, 2012

Storm


"Sometimes fate is like a small sandstorm that keeps changing direction. You change direction, but the sandstorm chases you. You turn again, but the storm adjusts. Over and over you play this out, like some ominous dance with death just before dawn. Why? Because this storm is not something that blew in from far away, something that has nothing to do with you. This storm is you. Something inside you. So all you can do is give in to it, step right into the storm, closing your eyes and plugging up your ears so the sand does not get in, and walk through it, step by step. There is no sun there, no moon, no direction, no sense of time. Just fine white sand swirling up into the sky like pulverised bones. That is the kind of sandstorm you need to imagine.”

Haruki Murakami, Kafka on the Shore