sexta-feira, novembro 23, 2007

Libração, Cunillé

De que se fala quando não há nada para falar? Tanto faz. Encolhe os ombros no escuro e no cachecol. Tanto faz se a mulher que conheceu no parque onde passeia os cães dos outros volta na noite seguinte. Tanto faz se a estranha que de vez em quando a visita ali no meio dos carrosséis de ferro velho quer realmente ler o livro que lhe oferecera ou se realmente roubara o anel para lhe retribuir o livro. Tanto faz se está frio ou vai chover. Tanto faz se essa mulher deseja mesmo a partilha do seu segredo. O que é? Tanto faz. Tanto faz?

"Libração" é uma texto para duas mulheres (Carla Miranda e Maria do Céu Ribeiro). Sobre duas mulheres. Que precisam falar. Que precisam que as ouçam. Dois corpos quase inertes, com as vidas suspensas não se sabe porquê, à procura de qualquer coisa que também não se sabe bem o que é. A felicidade? É irremediavelmente sobre a solidão. Ou sobre a solidão irremediável. Ou será só a mesma mulher ao espelho? É a mesma coisa. "Libração" é a vida toda em três dias que só existem à noite dentro de uma caixa onde quase não se respira. É a necessidade de alguém entregar-se a alguém, temendo (sabendo?) que antes de dar sequer metade de tudo o que tem para dar, já a outra pessoa está cheia. E estando cheia, como poderá voltar?

É quase um jogo de meninas. Não há outra coisa senão a expectativa de voltarem ali, outra vez, noites-após-noite, àquele parque, que parece de repente ser o único local onde tudo é ainda possível. Onde elas, as duas meninas-mulheres-de-ninguém, podem renascer, reiventar-se, passar talvez a pertencer a alguém. Ou não. Se é um jogo, é terrivelmente desarmante. Comovente.

Na encenação de Cristina Carvalhal, a peça de Lluisa Cunillé parece um doce filme francês. Duas actrizes embrulhadas na fazenda dos casacos, a debelarem-se contra o frio de uma qualquer cidade (Paris?) que há-de imitar-lhes o frio que têm dentro. Carla Miranda, a menina-mulher curiosa, deslumbrada, pueril (Amélie Poulan?), a falar mais por silêncios, silêncios que são socos, do que por palavras; Maria do Céu Ribeiro, a menina-mulher-quase-maria-rapaz, que tem tanto medo como a outra, que precisa tanto de alguém como a outra, que é tão insegura e tão frágil como a outra, mas faz de conta que não. Não queres vir amanhã? Tanto faz. Tanto faz?

Às vezes é preciso tão pouco para fazer uma peça boa....


Libração
Teatro da Trindade, Lisboa
De hoje até 2 de Dezembro
TEXTO: Lluïsa Cunillé; ENCENAÇÃO: Cristina Carvalhal

ELENCO: Carla Miranda e Maria do Céu Ribeiro; PRODUÇÃO: As Boas Raparigas

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