sexta-feira, agosto 31, 2012

Pecado



Yo no sé si es prohibido
Si no tiene perdón
Si me lleva al abismo
solo sé que es amor

Yo no sé si este amor es pecado que tiene castigo
Si es faltar a las leyes honradas
Del hombre y de Dios
Solo sé que aturde la vida
Como un torbellino
Que me arrastra, me arrastra
A tus brazos en ciega passión

Es más fuerte que yo
Que mi vida, micredo y mi sino
Es más fuerte que todo el respeto
Y el temor de Dios

Aunque sea pecado
Te quiero, te quiero lo mismo
Y aunque todo me niegue el derecho
Me aferro a este amor

quinta-feira, agosto 30, 2012

A bout de souffle by Jean-Luc Godard *****



"Não sei se estou infeliz porque não sou livre, se não estou livre porque não sou feliz."

terça-feira, agosto 28, 2012

Fernando Sobral: Borges, o tambor-mor


Houve um dia em que António Borges sonhou que poderia ser o Príncipe que governaria Portugal. Mas nem ele se enquadrava nos princípios sonhados por Nicolau Maquiavel nem as bases do PSD o levaram a sério. Não desistiu. E, neste Governo, vislumbrou a hipótese de ser o poder sem o parecer. Enrolado nos cortinados das salas do poder, Borges insinua, escreve, elegeu-se guru. No seu ócio como homem da sombra, pensa mandar. Como Passos Coelho o acolheu, julga que é o Hyde de Jekyll. O seu problema é que, muitas vezes, atraído pelo mel dos microfones, aproxima-se destes e fala. Com a impunidade de, sendo consultor, como Mota Soares convenientemente referiu, julgar que é a voz do executivo.

António Borges supõe ser o tambor-mor do Governo. Mas se o julga é porque Passos Coelho e Miguel Relvas o permitem. O grave é que, se fala pelo Governo e este não o manda calar, é porque este tem prazer masoquista em ter Borges como relações públicas. O serviço público de televisão como garante do debate democrático não é algo que se trate com nitroglicerina numa mão e dinamite na outra, como Borges julga que se trata tudo. Não há drama em Borges gostar de se escutar a si próprio. Há quando ele é colocado a falar por outro. É que, ao colocar Borges no altar, Miguel Relvas revela a sua própria fragilidade política. Ao dar corda a quem só causa enfado, Relvas não se resguarda. Abdica de ser ministro. E demonstra que o coração político deste Governo está com arritmia compulsiva.

Quando o ministro político de um Governo tem medo da própria sombra e chama o tambor-mor para falar por si, é altura do primeiro-ministro mudar alguma coisa.

[Hoje, no Jornal de Negócios]

segunda-feira, agosto 27, 2012

Up all night



Nem seria de crítico a partir de um disco novo menos bom retirar a etiqueta indy aos Best Coast. Que se lixe. Esta canção é viciante.

sábado, agosto 25, 2012

Notebook by Nick Cassavetes ****



My Dearest Allie,
I couldn't sleep last night because I know that it's over between us. I'm not bitter anymore, because I know that what we had was real. And if in some distant place in the future we see each other in our new lives, I'll smile at you with joy and remember how we spent the summer beneath the trees, learning from each other and growing in love. The best love is the kind that awakens the soul and makes us reach for more, that plants a fire in our hearts and brings peace to our minds, and that's what you've given me. That's what I hope to give to you forever. I love you. I'll be seeing you.
Noah

sexta-feira, agosto 24, 2012

Juan José Millás: O cano de uma pistola pelo cu

[Alex Stoddard]

Se percebemos bem - e não é fácil, porque somos um bocado tontos -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.

Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.

Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas - e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.

Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.

A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país - este, por acaso -, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.

Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública - onde estas ainda existem - os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres.

E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.

Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.

A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.

A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.

Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.

Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.

Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.

[Hoje, no Dinheiro Vivo, a tradução do texto publicado originalmente no El Pais a 14 de Agosto]

quinta-feira, agosto 23, 2012

Fernando Sobral: Álvaro, a Gioconda nacional


Quando chegou ao Governo, Álvaro Santos Pereira pensou que era a reencarnação do célebre Urtigão. Em vez da caçadeira usaria a voz e o sorriso e com isso afastaria as incómodas perguntas a um executivo que só pensa em finanças e não em economia.

Quando chegou ao Governo, Álvaro Santos Pereira pensou que era a reencarnação do célebre Urtigão. Em vez da caçadeira usaria a voz e o sorriso e com isso afastaria as incómodas perguntas a um executivo que só pensa em finanças e não em economia. Rapidamente as munições acabaram e a Álvaro Santos Pereira sobra o sorriso. Se a gasolina continua a subir, afectando todos os sectores da economia real, Álvaro sorri. Se o desemprego continua a bater recordes sucessivos, Álvaro sorri. Se a questão das taxas Multibanco ameaça transformar a economia portuguesa numa de regresso às notas e moedas, Álvaro sorri. Até porque não entende, como é visível num país que tem tido as mesmas oscilações económicas que Portugal ao longo dos últimos dois séculos, a Argentina, que em breve teremos nas montras um preço para quem paga com cartão e outro para quem paga em dinheiro real. Duas economias.

Álvaro julga que a sua atitude é a da mão invisível. E que ele é o representante dessa ideologia no Estado. Que as coisas acontecem porque têm de acontecer enquanto ele sorri e acena como um estadista que circula pelas ruas num carro à prova de bala e de contaminação com o país real. Álvaro julga que governar é sorrir e acenar. O problema é que, num país vergastado pela austeridade e sujeito ao saque fiscal, ele deveria ser o oxigénio da sociedade portuguesa. Não o sendo, é penoso para os portugueses que seja ministro. O sorriso de Álvaro Santos Pereira não ficará na história como o de Gioconda. Será eventualmente recordado como o de quem vivia num mundo que não era o dos portugueses. E ninguém percebia porque continuava a sorrir.

[Hoje, no Jornal de Negócios]

Baptista-Bastos. Os nossos velhos


Querem ausentá-los mas eles não se ausentam. A sociedade coloca-os nos jardins, por inúteis, mas não o são; e recordam-se e fazem correr os rosários das memórias, e martirizam-se com as dores no corpo e as dores na alma, estas as piores de todas elas; são deixados, mesmo que, aparentemente, os não deixem; por vezes desorientam-se e perdem-se nas ruas. Os nossos velhos foram tipógrafos, estradeiros, carpinteiros, construíram prédios e barragens, navios e pontes; as suas mãos tornearam a madeira e furaram as montanhas e montaram os carris e fizeram as vindimas e afagaram-nos e tiveram-nos ao colo, protegem-nos, vigiam-nos, nossos pais, nossos avós. Os nossos velhos.

O polimento secular da bestialidade fizera das relações humanas um traço de civilização. Os celtas atiravam os velhos dos penhascos, porque incómodos, e já não eram precisos. Os laços sociais que se foram estabelecendo não impediram as guerras e as atrocidades inomináveis. A educação e a harmonia de costumes não são dados adquiridos, e o poder de uns sobre outros é um elemento da luta de classes. Os homens são bons, quando novos, apenas porque produzem. Velhos, deitam-nos para o lixo.

A regressão dos sentimentos e das atitudes, impulsionada pelos novos modelos sociais que nos impõem, desemboca em múltiplas incertezas. O desprezo pelos velhos é uma das variantes dessa regressão, que não nos propõe outros valores. E indica que temos de enfrentar um desafio moral delicado, com que seremos, inevitavelmente, confrontados. O conceito de família, tal como o conhecemos, tem sido aniquilado pelas novas leis de valor. Mas estas leis não significam que sejam as melhores. Pelo contrário.

As doutrinas do "mercado" estão a pulverizar o modelo europeu de sociedade, até agora o mais harmonioso porque o mais humanizado. Será preciso redefinir as bases do contrato social?

Deitar os velhos fora, abandoná-los em caricaturas de "lares" ou nos gelados corredores dos hospitais parece característica do tipo de sociedade em formação. Aprender a conhecer é aprender a fazer e a viver em conjunto. Remover os velhos do nosso carinho e dos nossos afectos, é removermo-nos a nós próprios da condição humana. Querem ausentá-los, mas eles não se ausentam. Estão ali, muito mais atentos do que se possa presumir. Eles são a memória de todos, a nossa pessoal memória, e a nossa certeza do que fomos para entendermos o que seremos.

Extorquem tudo aos velhos, agora, até, por aumento das tarifas nos transportes, a possibilidade de viajar em Lisboa. Não se queixam, mas não afrouxam. Ei-los. Estão aqui e ali. Vou a O'Neill e reproduzo-o: "Velhos, ó meus queridos velhos, / saltem-me para os joelhos: / vamos brincar?"

[Ontem, no DN]

quarta-feira, agosto 22, 2012

Definitivo


[William Eggleston]

Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.


Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projecções
irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado
do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter
tido junto e não tivemos,por todos os shows e livros e silêncios que
gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas
as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um
amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente connosco, mas por todos os
momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas
angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo
confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma
pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez
companhia por um tempo razoável,um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um
verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos, nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do
sofrimento, perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, agosto 18, 2012

20º Paredes de Coura



Em vinte anos, fomos treze vezes a Coura, ano-após-ano, ansiosos, apaixonados, a declarar amor para sempre. Pela primeira vez, desde 1999, não fomos. Pela primeira vez, Coura fez-nos tristes. Muito.

quinta-feira, agosto 16, 2012

quarta-feira, agosto 15, 2012

Brave, a Indomável *



Parecia uma coisa boa: a Disney redimia as ruivas, que são sempre feias ou putas (Rita Hayworth e afins dos tempos a preto e branco não contam), e nós agradecíamos. Não podemos. A Pixar gastou seis anos a pensar como fazer dançar umas cascata de caracóis ruivos e de água, mas a Disney esqueceu-se de escrever a história, que nem para miúdos é boa.

terça-feira, agosto 14, 2012

sexta-feira, agosto 10, 2012

Dezdeagosto


"Cada pessoa que passa na nossa vida, passa sozinha, porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra. Cada pessoa que passa na nossa vida, passa sozinha, e não nos deixa sós, porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova que as pessoas não se encontram por acaso."
Charles Chaplin

segunda-feira, agosto 06, 2012

O Corvo

[Alex Stoddard]

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais
«Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais.
É só isso e nada mais.»

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
«É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isso e nada mais».

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
«Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi...» E abri largos, franquendo-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais —
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isto só e nada mais.

Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
«Por certo», disse eu, «aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.»
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
«É o vento, e nada mais.»

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
«Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.»
Disse-me o corvo, «Nunca mais».

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome «Nunca mais».

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, «Amigo, sonhos — mortais
Todos — todos lá se foram. Amanhã também te vais».
Disse o corvo, «Nunca mais».

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
«Por certo», disse eu, «são estas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este «Nunca mais».

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele «Nunca mais».

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-me então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
«Maldito!», a mim disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

«Profeta», disse eu, «profeta — ou demónio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais,
E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!

Edgar Allan Poe traduzido por Fernando Pessoa

domingo, agosto 05, 2012

sexta-feira, agosto 03, 2012

quarta-feira, agosto 01, 2012

Pedro Santos Guerreiro: Alvíssaras, estamos despedidos!


Hoje realiza-se o sonho de milhares de gestores e empresários. Hoje é um dia de libertação, dia em que eles podem entrar pelas empresas, fábricas e escritórios e bradar uma nova mensagem aos trabalhadores: "Senhoras e senhores, de hoje em diante seremos finalmente mais competitivos: estão todos despedidos!"

O brado é exagero, mas sintetiza a ironia demissionária de quem não conseguia demitir. As empresas não são competitivas? A culpa era da lei. Falta produtividade? Com despedimentos não seria assim. Mas hoje mata-se o bode expiatório: entra em vigor a nova legislação laboral.

O despedimento individual era um tabu. Era quase impossível de conseguir sem ser por mútuo acordo. Sem pagar compensações suficientemente elevadas. Isso pode acabar hoje. Pode... Depende do entendimento que os tribunais dêem aos conceitos agora alargados de justa causa. Os juristas têm desvalorizado este impacto, mas são suspeitos na matéria. O efeito psicológico está conseguido. E muitos despedimentos não chegam a tribunal. O primeiro impacto da lei está garantido: milhares de despedimentos. O resultado final será depois avaliado: milhares de contratações? Eis uma reforma estrutural, assinado: Álvaro Santos Pereira. Mas também Pedro Mota Soares. E João Proença.

Os despedimentos são um ponto focal na legislação que entra hoje em vigor: concentra atenções. Mas o maior impacto está assegurado através de outras medidas. Medidas que garantem que vamos todos trabalhar mais tempo e, indirectamente, ganhar menos dinheiro.

Vamos trabalhar mais sete dias por ano a partir de 2013: acabam três dias de férias e quatro feriados. As empresas vão pagar menos pelas horas extraordinárias, com quebras que, no caso das contratações colectivas mais extremas, ultrapassam os 50% face aos valores actuais.

Estas duas medidas não estavam no memorando com a "troika", mas parecem querer compensar o fim da descida da taxa social única. Segundo um estudo do Governo divulgado ontem pelo Negócios, o impacto destas quatro medidas (menos feriados, menos dias de férias, horas extras mais baratas e compensações mais baixas em caso de rescisão) resulta numa redução de 5,23% no custo por hora trabalhada.

Agora começamos a entender-nos. Não estamos a falar de aumentar a produtividade, mas sim a produção. E estamos a falar da queda dos custos de trabalho para ser mais competitivo, indicador em que, segundo a OCDE, Portugal já acumula a maior queda de sempre, em termos reais.

"Desvalorização interna" é isto. Quando se ouve economistas, como Paul Krugman, dizerem que os salários dos portugueses têm de cair 20 a 30% face aos dos alemães, é isto. Já está a acontecer. Os salários líquidos já estão a descer, quando se aceitam novos empregos por menor remuneração do que aqueles que se perderam. E os custos médios do trabalho para as empresas já estão e vão descer, por redução das horas extras e indemnizações, e por diluição em mais horas de trabalho.

A economia está a ajustar-se do lado dos trabalhadores. Não chega. É preciso reduzir o tamanho do Estado e pagar dívidas para reduzir impostos. E é preciso ser justo, seja com rendas monopolistas, para baixar os outros custos além dos laborais, seja com situações de favor e nomeações políticas. Por exemplo, hoje é também o dia em que centenas de chefias do IEFP deixam de o ser. Para serem substituídas, renovadas ou extintas? O IEFP, que é um viveiro de "boys" (como o é a Segurança Social, o Fisco e outras direcções) vai manter o número de chefias, para distribuição de salários, ou reduzi-los?

A nova lei laboral é feita a pensar nas empresas. Baixa-lhes os custos. Promete libertação. Agiliza o mercado e, segundo os mesmos dados do Governo, terá um impacto positivo no emprego de 2,54% a curto prazo e 10,55% a longo prazo. E revelará a qualidade dos gestores em Portugal. Porque muita gente detesta despedir, está embrenhada com os trabalhadores na prosperidade ou salvação das suas empresas. Mas mais gente ainda detesta outra coisa: perder dinheiro. Ou o seu próprio emprego. Mas com esta lei laboral, ninguém nos agarra!

Hoje, no Jornal de Negócios