quinta-feira, dezembro 06, 2007

O património são as pessoas... presentes



Facto: há um Porto que se importa. O Porto de sempre, que dá cara e corpo aos manifestos: seja o Coliseu, o Rivoli, os Aliados, o que há-de vir. Não é o Porto antipoder; é o Porto que deseja um poder dinâmico, construtivo. O Porto que até pode ver o Mundo, mas prefere ver o Mundo no Porto. O Porto que anteontem, apesar do frio, do jantar, do futebol, do dia de trabalho, marcou presença no 11.º aniversário do Património Mundial.
Facto: há um Porto que não se importa. Que se cala, que se abstém, que se acomoda. O Porto que porventura não saberá o que significa ser Porto, segunda cidade do país com Centro Histórico inscrito numa parca lista de riquezas mundiais. O Porto que ignora o dever de ter mais e melhor do que já tem. O Porto que anteontem falhou à chamada. Se o Património são, também, as pessoas, a cidade conta as que às 20 horas se ergueram diante do Palácio da Bolsa. Não importa o que vale a música; importa o que vale a cidade. E a forma, literal, como o Bando dos Gambozinos a abraçou. Conta com as que às 22 horas inundaram o Salão Árabe do mesmo Palácio - os porteiros travaram entradas por, pouco depois, já não caber lá dentro "um grão de areia" - para ouvir uma conferência e duas intervenções musicais. Conta com as que, já depois da meia-noite, andavam à deriva pela cidade à espera que a cidade tivesse alguma coisa para lhes dar. E para receber. Mas a cidade, como antecipou Pedro Burmester, não estava toda lá.
O pianista, a quem coube o momento simbólico da noite, executou 4'33 de John Cage, compositor que citou antes de sentar-se ao piano. "Não quero dizer nada e, no entanto, estou a dizê-lo". Para mim, acrescentou, "isto é poesia". Burmester declamou-a assim em silêncio. E para esse silêncio é preciso coragem. Ao lado da partitura, um cronómetro laranja. Talvez os quatro minutos e 33 segundos mais longos de uma actuação. Ajeita a pauta. Pausadamente. Não tira os olhos do piano, mãos no colo, postura hirta. Ouve-se o flash da câmara fotográfica. Pouco mais. Nem sequer a tosse costumeira. Silêncio há-de convidar ao silêncio. Aí, disse tudo. Alguém ouviu?

1 comentário:

  1. foi das musicas mais fortes que ouvi na vida, nesta terça-feira memorável, um 4 de dezembro que passou a ser uma marca no calendario.
    francisco rocha antunes

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