quarta-feira, julho 30, 2008

Conexões no Contagiarte

"Numa outra perspectiva de captação fotográfica, o Atelier Multicultural mostra como essa arte pode alcançar novos públicos e assumir outras características que não seja a documentação. Instrumento para arte-educação, meio de expressão e inserção social são apenas algumas das percepções que surgem diante da Mostra Conexões / Fotografia Experimental. Todas as imagens da mostra foram feitas com as chamadas máquinas precárias, sejam elas pin hole (produzidas com latas), pin lux (em caixas de fósforos), lambe-lambe, plec-plec, e as populares Holga.
CONEXÕES
Mostra de Fotografia Experimental
De 29 de Julho a 2 de Agosto

Contagiarte, Porto

terça-feira, julho 29, 2008

Something Changed

I wrote this song two hours before we met
I didn't know your name or what you like yet
Oh, I could have stayed at home and gone to bed
I could have gone to see a film instead
You might have changed your mind and seen your fiend
Life could have been very different but then

Something changed
Do you believe that there's someone up above?
And does he have a timetable directing acts of love?
Why did I write this song on that one day?
Why did you touch my hand and softly say
"Stop asking questions that don't matter anyway
Just give us a kiss to celebrate here today

Something changed
"When we woke up that morning we had no way of knowing
That in a matter of hours we changed the way we were going
Where would I be now,
where would I be nowIf we have never met?
Would I be singing this song to someone else instead?
I dunno but like you just said
Something changed

[Os saudosos PULP...]

Ah, os brandos costumes!...

"Há massagens e massagens", alega Reis Ágoas, da Autoridade Marítima do Sul. "Ninguém sabe como elas acabam". Por isso mesmo a técnica de relaxamento vai ser proibida nas praias algarvias.

The Trip Obama Didn't Take


When Barack Obama traveled to the Middle East and Europe last week, with a huge entourage of reporters in tow, he had to keep reminding people that he was a citizen and a senator—but not yet the President of the United States. Could have fooled me. He was treated like the incumbent in almost every respect, save one: there was no expectation that he would accomplish anything concrete. To be sure, he navigated a series of complex issues with poise and confidence, established an easy rapport with foreign leaders and American troops, and handled the thrust and parry of a couple of press conferences and a series of interviews nearly flawlessly. He also became the screen onto which people in the countries he visited—from the Green Zone in Baghdad, to the streets of Berlin—could project their desire for a better relationship with a less ideological America.


On balance, Obama’s trip was a success. But in many ways, the bar was set too low. If he is elected president (a prospect more likely this week than last), Obama will be burdened with a much heavier set of expectations when he travels abroad. Adoring crowds and dramatic photo ops—useful components of successful statecraft, to be sure—aren’t enough. He’ll also have to deliver the goods: a specific timetable for the withdrawl of American troops in Iraq; concrete steps to reinvigorate the Middle East peace process; more money and more soldiers from our European allies to help fight the Taliban in Afghanistan. It’s easy to talk in broad strokes about common values and common interests; it’s much harder to decide who is going to give up what to further those lofty goals.


As a candidate, Obama has remained intentionally gauzy; his appeal has been based more on the promise of a new kind of politics than on the particulars of his policies. As president, he’ll have to make tough choices that will bring his vision for the country into sharper focus. And that will no doubt disappoint some of the people for whom he embodies “change we can believe in.” It’s a burden all presidents face, to differing degrees, after they are elected, but one to which Obama seems particularly vulnerable. When the media treats the Illinois senator’s getting-to-know-you meetings with friendly foreign leaders as if they were of paradigm-shifting importance, it may help in the short term, but it does him a disservice in the longer term. His next trip abroad will be substantially more important, but in too many respects he’ll be hard-pressed to match the intense interest and superb execution of the past week.


Managing expectations is an important part of running a successful campaign, and Obama and his team have proven more than up to the task. But as summer becomes fall, they would be well advised to look beyond Election Day. Managing expectations about what he will—and will not—be able to accomplish as president, particularly in the first year, will be critical to his ability to govern. And in the end, isn’t that what this whole crazy process is all about?


Dee Dee Myers in Vanity Fair

Madonna à beira dos 50

[Vanity Fair]

“If your joy is derived from what society thinks of you,
you’re always going to be disappointed.”

sexta-feira, julho 25, 2008

Sem crime, disse o Público

O Público publicou ontem uma notícia (notícia?), assinada pela jornalista Ana Gerschenfeld, sobre o livro de Gonçalo Amaral, "A verdade da mentira", que é, no mínimo, um péssimo exemplo de jornalismo. A começar pelo título de gosto altamente duvidoso - "Crime, disse a cadela" -, passando pela fotografia, completamente desactualizada, e culminando de forma grave no texto.
Ao longo de uma página inteira, a jornalista dedica-se a desmontar, ela própria, a tese do ex-inspector. E fá-lo de forma irónica, rasteira, deselegante, derramando alegremente as suas próprias opiniões. Não confronta o autor do livro com as suas dúvidas, naturalmente legítimas, nem se dá ao trabalho de ouvir especialistas que corroborem a tese que parece ser a dela. Faz tudo sozinha e o texto é apresentado como notícia e não como crónica ou comentário.

É isto o jornalismo de referência?

domingo, julho 20, 2008

Finalmente, os National!!!


À terceira é de vez: perdi estupidamente os National na Aula Magna, em Lisboa. Estava lá, mas não fui. Perdi-os preguiçosamente no Alive. Não estava lá e não fui. Ontem, assisti finalmente ao concerto em Guimarães, nos fabulosos jardins do Centro Cultural Vila Flor. Havia lua quase cheia e calor e tudo. E havia o charme de Matt Berninger a beber vinho durante o tempo todo. Entrada com pé direito nos festivais que hão-de vir!

terça-feira, julho 15, 2008

O Maestro sem medo



À VISTA DESARMADA, ELE É SÓ O MAESTRO EXCÊNTRICO QUE ARRISCOU COMPÔR PARA OS DA WEASEL. NADA MAIS INVEROSÍMIL. O TRABALHO DE FUNDO DE RUI MASSENA, MÚSICO DO PORTO A VIVER NA MADEIRA, SERÁ MENOS MEDIÁTICO, MAS É RECONHECIDO NO MUNDO. ONTEM, A CASA DA MÚSICA ESGOTOU PARA ASSISTIR À SUA DIRECÇÃO MUSICAL.

Lá em casa pulsava a música dos sixties. Importavam-se os êxitos dos rapazes de Liverpool, Beatles a conduzir a sala. A rebeldia temperava-se com Charles Aznavour, voz de tenor, que inundava o mundo com “She”, a canção que haveria de ser recuperada e exaltada, três décadas depois, na voz de Elvis Costello para a película Notting Hill. Estávamos nos anos 70. Em Vila Nova de Gaia, a família, temente à redenção da música, organizava festas, reunia amigos, todos dançavam. E de todas as vezes, ele, ainda miúdo, sabia que incontornavelmente haveria de ser chamado a intervir. “Agora, o Rui vai tocar”, anunciava o pai aos convidados. Envergonhado, a resmungar, caminhava em direcção ao piano, e sob o olhar atento de todos, tão depressa derramava sobre as teclas brancas e pretas a “Lachatemi cantare” de Toto Cotugno, compositor italiano que viria a vencer o Festival da Canção em 1990, como o “Adágio”, de Albinoni, o mesmo que um dia, e num frémito cardíaco diferente, haveria de tocar na Serra do Pilar, na despedida do avô. “Detestava aquilo”, admite agora. “Aquela coisa de mostrar as habilidades do filho, detestava”. O filho, que foi único até aos cinco anos, é Rui Massena, homem feliz, maestro consagrado.

Com três semanas de antecedência, esgotou a lotação da Sala Suggia da Casa da Música, onde ontem dirigiu a Orquestra Nacional do Porto. “Se o escolhi, é porque lhe reconheço talento”, afiançou Pedro Burmester, director artístico do equipamento. “É claramente um dos músicos mais importantes da sua geração”, reforça António Vitorino d’Almeida, entusiasmado por poder confirmar o talento daquele rapaz que um dia tanto o impressionou a dirigir uma Orquestra Júnior no Coliseu do Porto. “Acompanhei-o desde pequeno, sem o conhecer, à distância e em silêncio, atento à sua evolução, acreditando sempre que um dia ele seria o que é hoje: Um tipo já feito aos 35 anos, com enormíssima maturidade, que alia talento a um raro sentido de responsabilidade, profissionalismo e inteligência”.

Para o maestro, “Massena é daqueles que não engana”. E Massena lembra-se bem desse dia. Tinha 18 anos. Começava a sentir “verdadeira vontade de dirigir”. O professor Hugo Berto Coelho, director da Academia de Música Vilar do Paraíso – figura crucial na sua vida, pela aprendizagem, mas sobretudo pela bondade -, acabara de lhe oferecer a sua primeira batuta de madeira para dirigir uma obra que o próprio escreveu e compôs. “Estava tão feliz que nem conseguia dirigir com a batuta. Pousei-a e comecei a dirigir com as mãos. Como sabia. Ou como não sabia, com inconsciência”. Desfaz-se numa gargalhada. Não há escala no percurso que não lhe arranque sorrisos.

“Pianista sem rótulo”
Último sopro da tarde. Cessou o sol e uma intensa sessão fotográfica. Instalado na esplanada do derradeiro piso da Casa da Música, estarrecido com a vista que o edifício de Rem Koolhas lhe proporciona sobre a cidade que será sempre a sua, mesmo que a não habite há tanto tempo, Rui Massena aceita fazer a retrospectiva do seu trajecto. Nos olhos verdes, que transbordam de água quando se empolga, traz o cansaço de quem acordou às cinco horas da madrugada para apanhar um voo que o haveria de transportar da Madeira, onde há oito anos dirige a Orquestra Clássica, para Gaia, cidade berço que nesse dia, 27 de Junho, o distinguiu com a medalha de mérito.

Pede um descafeinado e um café. Assim, os dois ao mesmo tempo. Mas não verte um lamento sobre as horas de sono que lhe faltam, nem qualquer pedido sobre o tempo que estará disposto a conceder – e concede quase quatro horas de conversa. Com o cabelo despenteado de sempre, ténis coloridos calçados, calças largas, fralda da camisa branca afora, o maestro passaria tranquilamente por um “hip hop man”. Mas a imagem, se alguma coisa diz de alguém, dele evidencia apenas que é um homem livre. Rui Massena, pai de dois filhos – o mais velho está inscrito nos Andorinhas, clube madeirense onde Cristiano Ronaldo iniciou a carreira que a criança jura querer seguir -, “adepto tolerante” do Futebol Clube do Porto, é um sonhador, lutador imbuído de carisma e boa disposição. É um louco, se a loucura significar coragem. Suficientemente provocador para embarcar numa aventura com os Da Weasel, o sextexto hip hop mais conhecido em Portugal; definitivamente arrojado para não recear o que sabia de antemão: que a partir daí, seria injustamente mais conhecido “pelos cinco por cento que representam essas experiências exteriores à música erudita, do que pelos 95%” que caracterizam o seu “trabalho de fundo”.

Será Massena esse imenso resto que quase ninguém sabe? “Completamente”, responde. Mário Laginha, compositor com quem também já ensaiou outras viagens, di-lo de outra forma: “É um dos raros maestros que não tem medo de arriscar. Leva a música tão a sério, executa-a com tal exigência, que se permite brincar com ele próprio, o que só revela o seu mérito”. Na verdade, Massena é “pianista sem rótulo”. Como intérprete “serve o texto”; como autor, tem “toda a liberdade do mundo”; como programador – porque também o é –, não espera que a comunidade descubra a música, leva-a ele até ela. Contextualizando-a sempre, mas sem que isso o impeça de a colocar nos mais diversos cenários.
“Nunca tive dúvidas de que seria músico”, diz ele, quase com embaraço, como se a certeza comportasse pecado e a felicidade que isso lhe traz fosse proibida. “Só me faltava descobrir que lugar queria dentro da música”.

A responsabilidade de tão prematura convicção foi da educadora do infantário que aconselhou os pais daquele menino tímido a levarem-no a quem o pudesse fazer crescer na área. “Ela dizia que eu tinha muita sensibilidade musical”. Pelo menos, sorri, “foi isto que me contaram”. Os progenitores, seguros do potencial da sua cria, levaram-no a casa do compositor César de Morais (1918-1992) para que pudesse ter aulas particulares de piano. “Era um homem que dormia nas aulas”, recorda Massena. “Lembro-me vagamente da austeridade daquela sala. Eu tocava e ele não olhava, dormitava. Mas quando eu tocava uma nota ao lado, acordava logo”. A memória do episódio volta a ser motivo de risada. “Eu era miúdo, ficava muito impressionado com aquilo. No fim, perguntava sempre ao meu pai: “Como é possível que ele acorde com as notas erradas?” O pai não sabia responder, mas com a infinita generosidade que só os pais conseguem ter, comprou um piano lá para casa, e começou, também ele, a estudar música para poder ajudar o prodígio. “Os meus pais adoram música. Não tocam nem nada. Mas adoram. E injectaram-nos – em mim e na minha irmã [Cristina Massena, quase a lançar um disco] – essa paixão. No fundo, acho que eles desejavam mais isto do que nós”.

Dois anos depois, é o professor Morais quem assegura que Rui pode ir mais longe. Para adquirir formação adequada, inscrevem-no na Academia Vilar do Paraíso, embrião de músicos como António Oliveira ou Liliana Moreira, e aí permanece até aos 21 anos. Na altura, como agora, não era a música – ou não era só a música – que o mais o prendia; eram as relações humanas. “Aquela escola não forma músicos; forma pessoas. Isso fascinou-me. Fomos ensinados naquela lógica de que tudo o que fazemos, fazemo-lo para o outro. Foi um período muito forte da minha vida”.

Entretanto, lá fora, no exterior daquela redoma de pautas e partituras em que crescia, o mundo avançava. E ele ia perdendo alguns detalhes. “Tinha 14 anos, ouvia falar nos Smiths e noutras bandas da moda e não sabia o que eram”. Também não aderiu aos trajes lúgubres que marcaram os anos 80, nem alguma vez experimentou um charro.

No entanto, não escapou à sua própria banda de garagem. Na Depressão Total, ele era o teclista. Mas a façanha acabaria depressa, em dia de concerto na Escola António Sérgio. Eles tocavam versões dos intrépidos Ramones; os Falecido Alves dos Reis – banda do Porto nascida em 1988; Alves dos Reis propriamente dito foi talvez o maior burlão da história portuguesa - engordavam a massa de público e fumavam haxixe. “Havia fumo no palco, malta a dançar aos pontapés, pessoas com lenços na cabeça e correntes no corpo. O meu pai entrou e só disse: “Despede-te dos teus amigos. Não voltas a tocar neste grupo”. Não era educação severa; era protecção.

Abortada a incursão pelo rock, Rui Massena continua a cantar em coros, a tocar em orquestras, a fazer recitais a solo, a criar grupos de jazz. Sempre no plural, trilhando simultaneamente duas pistas. Quando completa o 12º ano e, ao mesmo tempo, o curso complementar de piano, candidata-se ao Ensino Superior. Na Universidade Moderna, entra em Direito. É eleito Mister Caloiro, adora a praxe. No Conservatório, no mesmo ano, matricula-se no curso de Direcção Musical. “Compunha, tocava, cantava, era hiper feliz. Feliz mesmo, com aquela inconsciência da felicidade total”. Depois, começa a sentir “necessidade de ir mais fundo”. Tem ninho, não tem asas. E nada ali o pode resgatar. Desiste de tudo, procura outro lugar.

Cesário Costa (n.1970), amigo de infância, actual director artístico da Orquestra do Algarve, sugere-lhe o curso de Direcção de Orquestra, na Academia Nacional Superior de Orquestra, em Lisboa. E Massena não hesita. Aos 22 anos faz as malas e instala-se na capital do país. Era uma inevitabilidade. A partir dali, tudo seria a sério, bilhete de ida sem regresso ao anonimato.

“Lufada de ar fresco na música clássica”
O reconhecimento, unânime e internacional, de que agora beneficia – esgotou o lendário Carnegie Hall, em Nova Iorque, onde dirigiu o New England Symphonic Ensemble; foi descrito como “temperamental e instigante” na prestigiada Dvorak Hall, em Praga; considerado “a grande atracção” quando dirigiu a Orquestra Sinfónica do México; repetidamente ovacionado na Tonhale, em Zurique – e a ratificação mediática que daí resultou, não foram meteóricos. Muito menos consequência do que diz serem os seus exercícios de “bicar fora do prato”, e dos quais a colaboração com os Da Weasel – primeiro, a orquestrar versões sinfónicas para concertos esgotadíssimos (10 mil pessoas, na Madeira, em 2005; 40 mil no ano seguinte, em Lisboa); depois, a assinar dois temas do álbum “Amor, Escárnio e Maldizer” da banda - será popular exemplo. Mesmo que essas fusões tenham sido “marcantes, enriquecedoras, fundamentais”. Também porque “tinha passado a vida toda a sentir-se mais velho do que a própria idade”. E naquela vertigem rejuvenesceu, reencontrou-se. De resto, é Pacman quem o certifica e engrandece: “O Massena foi das melhores coisas que aconteceu no nosso caminho. É um espírito livre num meio tendencialmente hermético e cheio de puristas. No cenário da música clássica, ele é uma lufada de ar fresco”.

A sagração do maestro é a sequela natural deste embrulho inteiro: das vezes em que se expôs em cosmos alheios, mas sobretudo fruto de treze de trabalho rigoroso, disciplina intensa no aperfeiçoamento da interpretação: os últimos oito, na Madeira (com sucessivas jornadas em Itália, para estudar com Gianluigi Gelmetti, e em França, com Cristhian Manem); os cinco que os completam, em Lisboa.

E Lisboa não foi etapa fácil. “O espectro mudara radicalmente”, reconhece. Deixara de ter à mão o amparo de algodão doce dos pais, a cumplicidade dos amigos de sempre e principalmente o espírito – diz a cantar - do Fame! I’m gonna live forever a que o habituaram na Academia Vilar do Paraíso. Na escola dirigida por Miguel Graça Moura - numerus clausus cerradíssimos; uma classe, cinco alunos - alimentava-se o culto da seriedade. Para ser aceite, teria que superar duas ferozes eliminatórias.

De um universo inicial de candidatos, são seleccionados três – Rui Massena é um deles. Desses três, ao fim de dois meses de experiência, seria escolhido o que poderia continuar. E Massena é definitivamente eleito. Graça Moura confidencia-lhe: “Não és o músico com mais experiência; mas és o que tem mais talento”. Sabê-lo soube bem, mas não lhe atenuou a inquietação. Aluno do maestro francês Jean-Marc Burfin, inicia um processo de grande debate interior. “Tenho por ele um respeito total, é um homem que me marcou muitíssimo. Mas teve o dom me pôr completamente em causa”. Autoavaliação sucinta: “Eu tinha ares daquilo que a música erudita não suporta: era bastante superficial, vivia mais para as pessoas do que para a música”. O que é que isso quer dizer? “Que nunca fui doente, obsessivo, sempre tive um olhar saudável sobre a música”. Tão sadio que, na altura, não entendeu por que razão não poderia dirigir a 3ª Sinfonia de Schubert com uma gravata pintada pela irmã, exibindo “o rosto e os óculinhos” do compositor austríaco. Jean-Marc disse-lhe que o adereço era “excêntrico” e convidou-o a tirá-lo. Massena ficou triste, mas não enfurecido. Aliás, muitas vezes, e sem o saber, foi o professor quem o impeliu a continuar. “Pensava: ele está a fazer isto porque acredita em mim”. E quando vacilava, era esta a frase que repetia para dentro, vezes e vezes sem conta. “Às vezes, acreditando mais no Jean do que em mim”, confessa.

Durante esse período, o maestro teve várias moradas. Sabe a primeira de cor: Rua da Rosa, 44, 4º Esquerdo, em pleno Bairro Alto. Habitava um quarto pequeno, com janela onde as pombas pousavam, o Tejo e o Cristo Rei como cenário, ao fundo. “Adorava aquele espaço”, diz. Abandonou-o porque as quatro bailarinas da Escola Superior de Dança com quem partilhava o lar eram demasiado solicitadas. O toque ininterrupto da campainha impedia-lhe a concentração. Mudou-se para a Travessa das Almas.. Raquel Freire, amiga de infância, cineasta em início de carreira, era a nova inquilina. “Foi maravilhoso viver com o Rui, porque é uma pessoa de bem com a vida, encara o mundo de peito aberto. Além do talento, tem genuíno prazer em viver”, afirma a autora de “Rasganço”, filme cujo argumento estava a escrever precisamente nessa altura. “Vivíamos a mil, quase não dormíamos. Nenhum de nós tinha tempo para nada, nem tempo nem dinheiro, mas estávamos tão felizes que nem notávamos.”

Muito antes disso, no oitavo ano do liceu, ainda em Gaia, a realizadora foi várias vezes para a rua por causa dele. “Éramos colegas de carteira. Ele tem uma imaginação delirante, contava anedotas e eu não conseguia parar de rir”, revive. Como nunca tentaram emendar-se, os professores decidiram separá-los. Ela foi para a última fila, ele ficou na primeira. Afastamento geográfico não detona a memória. E Raquel, no filme “O veneno cura”, que irá estrear este ano, escreveu uma personagem inspirada nele.

Quando Rui Massena, então com 27 anos, terminou o curso, não teve tempo para pensar no que viria a seguir. O director do Conservatório da Madeira procurava um maestro para dirigir a Orquestra Clássica. Assistiu a vários concertos. Escolheu o rapaz despenteado. Para trás ficou o desejo de rumar a Chicago, para estudar na Nortwestern University. Um desapontamento? “Não. Podia passar dez anos a correr as escolas todas do mundo, mas a direcção de orquestra é a prática. Preciso testar as verdades para as saber verdades; preciso que as coisas saiam de mim”. Rui Massena é um self made man.

quarta-feira, julho 09, 2008

Platónov


Demasiado longa, demasiado violenta, demasiado imperfeita. Platónov conviveu sempre de perto com o excesso e o falhanço. Peça inaugural de Anton Tchékhov, escrita com a urgência de tudo dizer e tudo questionar, sucessivamente trabalhada e sucessivamente rejeitada, acabaria por ser resgatada da sombra ao longo do séc. XX. Isto porque talvez se possa dizer de Platónov, a obra, aquilo que alguém diz nela de Platónov, a personagem: “É o exemplo acabado da moderna indefinição”. Retrato em fuga de um grupo de trintões e quarentões desiludidos com uma sociedade que frustrou os sonhos da sua juventude? Celebração vital dos prazeres da culpa e da contradição? Ouçamos o nosso herói, num acesso de ironia e lucidez: “Ser jovem e ao mesmo tempo não ser idealista. Que depravação!”. Nuno Cardoso propõe-nos uma leitura possível de um conflito irresolúvel (foi também esse um dos propósitos que o conduziram a Woyzeck, outro clássico mutilado), acrescentando à sua já extensa galeria de beautiful losers o corpo vacilante de um professor de província, um Hamlet com testosterona a mais, que assiste embriagado ao desconcerto do mundo…
Estreia: 17 Julho
Até: 3 Agosto
TEATRO NACIONAL SÃO JOÃO