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sexta-feira, novembro 07, 2014

37


Quando a Ana, a minha melhor amiga, mudou de casa (cinquenta quilómetros aos onze anos é outro continente), decidi que não queria ter mais amigos. Passava só os dias angustiada à espera dos dias de estar com ela. Depois, lá acabei por fazer novos amigos. Dos maiores do mundo. Quando, no décimo ano, mudei de turma, não quis fazer novos amigos. Só me interessava os amigos maiores que já tinha. Acabei por fazer amigos para a vida. Quando entrei na faculdade, não queria conhecer ninguém. Morria só de saudades dos amigos de casa. Acabei por fazer amigos de sangue. Quando comecei a trabalhar, tinha a porta fechada para toda a gente que não fosse a minha gente. Fiz amigos que são a minha vida e sem os quais a minha vida não seria a minha vida. Quando me inscrevi no facebook, sabia que jamais faria amigos virtuais, amigos só os da vida real. Sem o facebook, talvez não tivesse conhecido o Esquilo, um dos amigos que mais absolutamente amo. E, por estes dias, não tivesse reencontrado, ao fim de vinte anos!, o André, o meu milagre de natal antecipado. E sem o passar dos anos, talvez não tivesse aprendido que na vida não tem de ser tudo ou nada.


Passei a vida a construir castelos no coração e grande parte da vida a ouvir dizer que um dia haveria de crescer e de me deixar disso. Talvez ainda não tenha crescido. Sou difícil, tenho um feitio impossível, desapareço muitas vezes, emudeço e, já sei, quase nunca atendo o telefone. Mas olhar para o coração e ver que estão cá os castelos todos, muitos mais do que os que pedi, infinitamente mais do que os que mereço, os amigos todos, os que são a minha casa, a minha vida e o meu sangue, nenhum desmoronamento, que ninguém ficou para trás nem me deixou para trás, que se juntaram pessoas que me tratam com uma ternura que não mereço, é o maior privilégio que poderei alguma vez ter.


Sou a pessoa mais mimada que eu própria conheço. A culpa é inteiramente vossa, o mérito de estarmos juntos também. A gratidão é, para sempre, toda minha. ♥

domingo, outubro 19, 2014

domingo, setembro 14, 2014

Anne Teresa De Keersmaeker: "Mozart Concert Arias – Un Moto di Gioia"



Nos últimos anos adicionámos Guimarães à nossa agenda. Foi muito antes de Guimarães ser capital da cultura, mas muito depois de Rui Rio ter amputado o Teatro Rivoli ao Porto (o que dá um intervalo de alguns anos de jejum). Foi quando a cidade berço encetou o Guidance. Saíamos do trabalho a correr, fazíamos cinquenta quilómetros em menos de trinta minutos, agradecíamos os espectáculos marcados para as 22 horas (suspeitando que o horário tinha em consideração os órfãos como nós) e mergulhávamos na filigrana do programa de dança contemporânea do Centro Cultural Vila Flor com indizível orgulho por haver auditório sempre cheio e, ao mesmo tempo, com embaraçosa inveja por aquilo não ser na nossa cidade. 

Das muitas coisas maravilhosas que vimos ali ao lado, surgem logo, sem pestanejar, três nomes inesquecíveis: Peeping Tom, Garry Stewart e Jefta van Dhinter. Não incluiria Anne Teresa De Keersmaeker no melhor do que o Guidance nos deu quando nos acolheu, mas ontem, a apresentação, pela Companhia Nacional de Bailado, de "Mozart Concert Arias – Un Moto di Gioia", num Rivoli lotado pelo segundo dia consecutivo, foi quase comovente. Não sei se pela peça, se pelo regresso a casa, se pela casa cheia, se pelo que me parece a libertação de um refém, se por tudo isso. Isto não se explica, mas é comovente voltar a entrar no Rivoli e é sobretudo uma enorme felicidade.

domingo, setembro 07, 2014

Feira do livro



Desde que Passos Coelho me ensinou a não viver acima das minhas possibilidades, fui aprendendo a controlar a fúria de estar sempre a comprar livros novos e passei a ler os que já tinha. Foi assim que me decidi a ler o tempo perdido de Proust, um daqueles livros que achamos que podemos adiar a vida inteira sem perceber o erro terrível que é adiá-lo. Maravilhoso, maravilhoso livro! Obrigada Passos Coelho.

Mas por estes dias abriu a feira do livro no Porto, ou como bem classificou Paulo Cunha e Silva, o festival literário do Porto, e lá voltei a perder a cabeça outra vez, coisa que era cada vez mais difícil perder naquelas feiras da APEL (que cobrava 75 mil euros por feira à autarquia), em que nem novidades nem raridades nem preços do outro mundo. Esta edição da feira do livro, a primeira organizada pela câmara, está cheia de preciosidades (o que só é possível porque as editoras já não têm de pagar dois mil euros para estarem presentes), tem um programa paralelo notável e, ainda por cima, é nos jardins do palácio de cristal. É tão bom viver numa cidade que num domingo à tarde inunda um jardim para vasculhar livros.

sexta-feira, julho 11, 2014

Greve

Ninguém quer ser jornalista para enriquecer. Ao contrário, ser jornalista é ter a certeza de que se será sempre pobre (esses que conseguem salários mirabolantes e cláusulas milionárias de rescisão não contam). E, ainda assim, escolhe-se ser jornalista, escolhe-se ser pobre, escolhe-se não ter horários, escolhe-se ser pequeno depois de adulto, porque escolhe-se continuar a acreditar que é possível mudar o mundo. Mesmo que seja só um bocadinho, mesmo que seja só de vez em quando. Mesmo quando o mundo não muda. O jornalismo é um vício e é uma profissão de fé. Insistir, acreditar, insistir, acreditar, insistir contra tudo e contra todos. E é amor destrambelhado, porque continua a fazer parte de nós, do que queremos continuar a ser, mesmo quando nos deixa ficar mal. E deixa tantas vezes. 

Quando corre bem, a felicidade que o jornalismo nos dá não é comparável a nenhuma outra. Quando corre mal, é uma merda. É difícil de superar. Em quase 14 anos de profissão, já tive dias em que me apeteceu insultar pessoas, dias em que me apeteceu bater em pessoas, dias em que me apeteceu partir tudo no jornal. E muitos dias em que me apeteceu desistir. E, no entanto, o pior dia da minha vida no jornal foi, de longe, aquela sexta-feira em que vi o Jorge ir embora. Pior do que esse dia só mesmo o dia seguinte, quando cheguei e o Jorge já não estava aqui, na secretária em frente à minha. E o Paulo já não estava em Lisboa, à distância de um telefonema repetido mil vezes por dia. Os dois para me editarem, para me fazerem rir, para me ensinarem tanto, para me colmatarem uma memória que não posso ter. Os dois, dessa gente rara que não precisa de gritar para ser obedecida, nem de atropelar para ser respeitada. Os dois, enormes, preparados para trabalharem em qualquer jornal deste país. Esses dois que, entre tantas outras coisas impagáveis, devolveram-me a alegria no trabalho. 

Devia estar hoje a fazer greve por eles? E pelo Madaíl e pelo Hélder e pela Joana e pelo Lobo e pela Lisa e pelo Carmo e pelo Mota e por esses tantos e tantos que foram despedidos? Talvez devesse. Mas não consigo. O desconforto que sinto por estar a trabalhar não supera a hipocrisia que sentiria se tivesse faltado. Não identifico na greve, arma anacrónica, qualquer resquício de eficácia. Ainda assim, votei em plenário uma moção em que foi dito que discutiríamos os termos, a data e a duração de uma possível greve. Votei a possibilidade, não a greve. Ter sido essa greve apresentada como acto consumado, sem a prometida discussão, é uma deslealdade do sindicato. 

Mais importante, há meses e meses que sabíamos que o grupo tinha a cabeça a prémio. O assunto foi noticiado inúmeras vezes no último ano. Não sou sindicalizada, posso estar a ser injusta, mas não me parece que o sindicato tenha tratado de antecipar os danos. Criar agora nas pessoas a expectativa de que é possível reverter o processo, parece-me novamente uma deslealdade. E se estiver enganada, ficarei muito feliz por isso. 

Finalmente, a greve não responde a nenhuma das inquietações que creio não serem só minhas, nem responde a nenhuma das perguntas para as quais gostava de ter respostas, nem invalida sequer a continuação da derrocada. Pessoalmente, gostava de saber quanto ganha a direcção do meu jornal e as direcções de todos os outros títulos do grupo. Gostava de saber quantos directores têm direito a carro e a cartão de crédito e porquê. E gostava de saber que percentagem representam no universo salarial do grupo. Não sou aumentada desde 2007, provavelmente estou só a ser mesquinha. Mas recentemente a administração de um jornal da praça ameaçou despedir não sei quantos jornalistas e os directores propuseram uma redução nos seus próprios salários para impedir esses despedimentos. Com sucesso, tanto quanto sei. Também gostava de saber se a direcção do DN ganhou no ano passado, ano em que as vendas do jornal tiveram uma quebra substancial, um prémio de produtividade ou se isso não passa de boato. Também gostava de saber se o director do DN tem uma cláusula de rescisão de contrato de um milhão de euros ou se isso é um mito urbano.

Também gostava de saber que critérios foram usados para despedir os jornalistas e abolir secções. Ou que critérios são usados para manter quem cá ficou. Ou que garantia dá essa poupança para a sustentabilidade do grupo. Ou que estratégia está a ser desenvolvida para crescermos. Ou que critérios editoriais pautarão o futuro. E que valores. E se haverá fusão de títulos. E ancorada em que argumentos. E que direcção, em cada título, cai ou continua. E porquê. E a que preço. E quem é afinal a administração que agora temos? De onde vem e o que pretende? 

Também gostava de saber por que razão qualquer político do burgo, por mais anão que seja, sabe sempre antes de qualquer um de nós o que nos espera. Ou por que razão - mais isto, concedo, já é outro assunto - as autarquias do Porto, Gaia e Matosinhos estiveram, e bem, ao lado do centro de produção da RTP Porto e não se pronunciaram sobre o JN, único diário no Norte? Ou por que razão a Câmara de Gaia anunciou que queria ser accionista da agência Lusa para evitar uma putativa privatização, alegando como interesse a democratização da informação, e nada disse sobre o JN?

Antes de ir embora, o Jorge disse que todos temos culpa do que está a acontecer-nos. E é verdade. E continuaremos a acumular culpa se continuarmos a querer desmascarar os pecados dos outros e a varrer os nossos para debaixo do tapete. Se continuarmos a querer sacar a verdade aos outros para emoldurar belas manchetes e pouparmos os nossos do cumprimento dos mínimos olímpicos da verdade. 

Infelizmente, a greve não repõe esse implacável desejo de verdade pelo qual pauto a minha vida e que me fez querer ser jornalista. Nem me dá a sensação de estar a salvar um colega que seja. Não é uma desculpa cobarde, é um apelo de consequência. Gostava que fôssemos mais longe, muito mais longe, do que uma greve de sindicato.

quinta-feira, março 20, 2014

"Ficamos com a ideia"

[Andy Warhol, The kiss, 1963]

"O amor é uma coisa bastante embaraçosa. Pelo menos da forma como eu o entendo: como algo de absoluto. As coisas que aprendemos na vida podiam levar-nos a relativizar o amor. Isso se eu tivesse algum bom senso na cabeça. Não é o caso. Há uma teimosia em entender o amor como coisa absoluta. Sendo absoluta, não é possível. Ficamos com a ideia. A morte é silenciosa. Não tenho nada a dizer sobre a morte."

João César Monteiro

segunda-feira, janeiro 06, 2014

Idade não é doença


Não gostava de chegar aos 89 anos. Espero não chegar. Mas espero que o pai, que conta quase 76, não só chegue aos 89 anos, como os ultrapasse com grande estilo e alcance os cem, tal como me prometeu. O pai é uma espécie de deus, mas tem pés de barro, como todos nós. A nossa vida, minha e dele, era mais fácil quando sugava tudo o que dizia sem nunca dele discordar. O pai tinha sempre razão, ou assim me parecia. E tinha tudo para ensinar, tinha sempre a frase certa, estava sempre do lado certo das coisas, como só os homens bons. Sem o pai, não seria quem sou: não ainda uma pessoa boa, mas uma pessoa que não desiste de tentar ser boa. E justa e séria. Que quer estar do lado certo da vida. O pai não deixou de ser bom quando começámos a discordar. O pai ganhou idade e perdeu filtros. Já não escolhe as palavras, já não pensa duas vezes antes de falar. Às vezes corre mal e isso chateia. Mas continua a ser uma espécie de deus, homem bom como é raro encontrar-se. E eu preferia que ele vivesse para sempre, mesmo sem filtros e irritando-me de vez em quando, do que tê-lo perdido quando ainda não discordava dele. O pai, mais velho que eu quarenta anos, ensinou-me só pela circunstância de ser mais velho, a respeitar as pessoas mais velhas. Respeitei sempre, desde pequenina. Pela simples razão de que não gostaria que alguém desrespeitasse o meu pai. Entranhou-se-me esse respeito. Perco em espírito crítico o que ganho em tolerância. E ainda bem. Não me custa a aceitar que critiquem Mário Soares, mas custa-me muito a aceitar que o insultem. Custa-me mesmo muito e não significa que esteja sempre de acordo com ele ou com as palavras que escolhe para dizer o que poderia dizer de outra forma, mais polida, menos passível de ferir susceptibilidades. Custa-me que digam que está senil. Eu seria capaz de matar quem proferisse o mesmo insulto sobre o meu pai. A idade não é uma doença, exige respeito. É muito triste ver que quem exige respeito a Mário Soares não é capaz de respeitá-lo. 

terça-feira, dezembro 31, 2013

Let's jump!


Para 2014, é só isto. Ou como explicava o Senhor Valéry (do Gonçalo M. Tavares), que era pequenino mas dava muitos saltos: "Sou igual às pessoas altas só que por menos tempo." Jump!


terça-feira, outubro 22, 2013

domingo, outubro 20, 2013

O Porto de Gisela João


Defeito insuportável: quase nunca atender o telefone. Na terça-feira em que esta reportagem estava a acontecer, o telefone tocou. Não atendi. Mesmo se do lado de lá estava um amigo que amo e que vejo tão pouco. Estava enterrada no sofá, neurótica e incrédula, a ouvir Rui Machete na comissão parlamentar a destilar cinismo e mentiras, comportamento típico de uma geração que neste país enriqueceu, em dinheiro e poder, diante do que julgaria a eterna impunidade. Aqui no bairro, espécie de bairro-milagre do Porto, Gisela João silenciava a Tasca da Piedade e o Ricardo congelava o momento que, por via de um defeito insuportável e prioridades enviesadas, não partilhei. Só percebi nessa noite o que perdera. Fui hoje compensada com a reportagem na Notícias Magazine. Que bonita, Ricardo! Vale tanto a pena ouvir a Gisela como ler os textos deste rapaz. Ainda dizem que os jornais não servem para nada... servem para tanto, caramba!

segunda-feira, outubro 07, 2013

Sem direito a absolvição

[Foto: André]

A justiça portuguesa em todo o seu esplendor: sete anos depois de me ter sido movido um processo por difamação, e depois de um longo julgamento, impróprio para cardíacos, e depois de a leitura da sentença ter sido adiada três vezes, eis o resultado: "um erro processual da acusação impede o juiz de avaliar a matéria de facto". Diz o juiz: "na prática, é como se tivesse sido absolvida". Não, não é! Na prática, andámos a brincar à justiça! Há uma diferença de gigante entre não ser obrigada a pagar as custas judiciais e a indemnização e ouvir o que seria justo: absolvida! Há uma diferença de gigante entre a verdade e a suposta ausência de capacidade para a provar. Quem tem a consciência tranquila, quem não prescinde nunca da verdade, não quer, como disse o André, e bem, ganhar na secretaria. É muito triste!



De qualquer forma, muito e muito obrigada a quem andou comigo nisto, testemunhando a meu favor, tendo tantas vezes os dias prejudicados por sessões adiadas ou interrompidas José Leite Pereira, Domingos Andrade, Carla Rocha, Nelson Rocha, José Miranda, Cândida Ribeiro, José Ricardo Martins e José Couto.


E, sempre, ao André Raposo Fontinha, extraordinário advogado e hoje querido amigo.

sábado, setembro 28, 2013

Dia de reflexão



Chorei em 2001, quando António Guterres abandonou o Governo por ter perdido as autárquicas. Achava que ele era mesmo boa pessoa e acreditava que o país precisava mais de boas pessoas do que de bons políticos. Trabalhava há menos de um ano, senti-me ridícula por chorar na redacção, jurei que nunca mais voltaria a chorar.

Voltei a chorar em 2005, quando Francisco Assis perdeu as autárquicas para Rui Rio. Quando escolhi o Porto para viver, escolhi uma cidade cuja ambição cultural era maior do que a rua de bares trendy que haveria de vir e a praça de acolhimento da pipoca ao pimba. Rui Rio despira a cidade de cultura e sem cultura na cidade sentia-me perdida. Mas já era crescida, não tinha desculpa para chorar, senti-me obviamente ridícula, jurei que fora a última vez, não voltaria a acontecer.

Voltou a acontecer em 2008, quando Obama ganhou as eleições nos EUA. Estava em Chicago, num parque a explodir de gente ansiosa, gente ressacada de George W. Bush. Acreditava que no mundo haveria um antes e um depois daquele dia, alguém gritou "We win Ohio!", não me contive, chorei e toda a gente à volta chorou numa corrente arrepiante que mil anos não conseguirão apagar. Mesmo se Obama, precocemente Nobel da Paz, parece tê-lo apagado da memória.Não voltei a chorar, mas também não voltei a jurar que não voltaria a chorar. Perder a vergonha de chorar significa que sucessivos desapontamentos não são suficientes para despenhar a esperança. Continuo a acreditar que o mundo precisa mais de pessoas boas do que de políticos profissionais, que a cultura é tão importante como o pão, e que não nascendo todos iguais cabe a quem manda tudo fazer para abolir a distância que nos separa.

É por isso que, também desta vez, não consigo brincar com as autárquicas, mesmo se a maioria dos candidatos, aqui como noutras paragens, por defeito ou por excesso, não merece ser levada a sério. Nos dias que correm, a ingenuidade será um absurdo próximo de Sísifo, mas manter intacta a esperança nas pessoas é uma benção. Não é o que nos resta num regime que respeita hierarquias, é provavelmente o que nos salva num sistema em que tomar decisões e votar pode fazer toda a diferença.

Gostava muito de não chorar amanhã.

quarta-feira, julho 03, 2013

segunda-feira, junho 17, 2013

Greve dos professores



Tive professores maravilhosos e professores que se não sabiam menos que nós, disfarçavam muito bem. Tive professores responsáveis e professores para quem tanto fazia se entraríamos na universidade ou não. Na dúvida, no início do 12º ano, decidi que prepararia eu, sozinha, os meus exames, chamavam-se provas específicas. Em nenhum dos cursos que queria, e só queria um de dois, conseguiria entrar com menos 70% de média. Precisava que duas provas me corressem extraordinariamente bem, inscrevi-me em quatro. Preparei-as ao milímetro no calendário, entre a primeira e a segunda fase, com os minutos de descanso e de trabalho minuciosamente divididos pelos dias. Obcecada. Tinha só uma certeza: entraria na universidade pública ou não entraria em sítio nenhum.

Uma greve ter-me-ia arruinado completamente o esquema de trabalho e a meta.

Correu bem, entrei no curso que queria, tenho a profissão que escolhi, ganho menos do que seria justo, não sou aumentada há seis ou sete anos, trabalho mais de 40 horas por semana, tenho hora de entrar, nunca tenho hora para sair. E quando for dispensada, como vi colegas serem de forma tão cruel e injusta, não haverá mobilidade que me valha, como a eles nada lhes valeu. E alguns fazem tanta falta.

Respeito o direito à greve, não consigo respeitar professores que fazem greve em dia de exames nacionais. Um professor que não respeita um aluno é uma incompreensível contradição. Como escrevia Miguel Sousa Tavares, anteontem, no Expresso: "Não contesto que as greves, por natureza, causem incómodos a outrém - ou não fariam sentido. Mas há limites para tudo. Limites de brio profissional: um cirurgião não resolve entrar em greve quando recebe um doente já anestesiado pronto para a operação."

sexta-feira, junho 07, 2013

Subtracção


A vida nunca mais fica igual. Nós achamos que sim, ou não achamos mas queremos acreditar que sim, ou não achamos nem acreditamos mas fazemos para que seja assim, ou não fazemos, fazemos só de conta que sim. Mas a vida nunca mais fica igual. Não é mais a mesma quando uma corda se quebra, quando um laço se desata, quando a vida nos diz: nunca mais. Nunca mais a vida fica igual e é justo que assim seja. E é justa a dor dessa justiça terrível. São tantas as mentiras que assimilamos quando crescemos só para nos aguentarmos. Que o tempo cura tudo é uma das maiores. Que não há pessoas insubstituíveis é outra. São tantas. São mentiras que mascaramos de verdade e a verdade mascarada é uma grande merda. A vida, sozinha, corta-nos sempre metade da vida quando nos rouba pessoas. É tão triste que nunca conseguirei entender por que razão também as pessoas se roubam metade da vida em vida roubando-se da vida umas das outras. A vida nunca mais fica igual quando nos tira uma pessoa. Nunca, nunca mais. E não há nada mais triste do que a soma dessas subtracções. Puta de colecção, a das perdas.

Tenho tanta pena, Zé. Tanta. Porque a vida também não fica igual quando alguém nos oferece um sorriso todos os dias. O teu sorriso era o meu pacote de açúcar. "Feia!" Nunca mais ouvirei "feia" de ti, e tu eras tão chato quando repetias isso mil vezes por dia. Mil vezes por dia a dar-me atenção, que é a forma mais terna de cuidar. Obrigada, Zézinho, por tanto. 

sexta-feira, abril 05, 2013

Daddy's girl II



Quando eu tinha dez anos, tu tinhas já cinquenta (dá para acreditar?). E eras a melhor pessoa que eu conhecia. Mas eu era pequenina, ainda menina de colo, conhecia meia dúzia de pessoas, tinha acabado de acabar a escola primária, nunca tinha saído de casa, não sabia nada da vida. Quando eu tinha vinte anos, tu estavas quase na idade da reforma, caso quisesses ter-te reformado, mas ninguém acreditava que tu tinhas já sessenta anos, tantas eram ainda as tuas lutas, a tua força, os teus sonhos, e ao mesmo tempo a tua candura. Eu vivia a cem quilómetros de distância de ti, numa universidade em que conhecera mais de cem pessoas de todos os feitios e armações, todas pessoas boas que me fizeram tão feliz, mas tu eras ainda a melhor pessoa que eu conhecia. Quando eu fiz trinta anos, tantos caminhos já trilhados, tantas pessoas, tantas paixões, ilusões, a vida parecia ter-me magoado já mais a mim do que a ti, porque eu chorava onde tu eras capaz de sorrir, eu caía e desanimava onde tu te erguias sempre e sempre, como se tu fosses o teu exército inteiro, um exército imbatível, e no entanto as tuas armas eram só bondade, essa palavra tão rara, e essa espécie de alheamento que usas como filtro para te impedir de guardar o que faz doer. E eu zangava-me porque na cegueira de querer ser como tu, sentia que não me tinhas dado ferramentas para defender-me de quem não era como tu. Perdia tempo para ti, porque queria aprender o que tu não podias ensinar-me, queria lições de defesa, queria entender os outros. Tinhas setenta anos, vivíamos longe, porque é sempre longe quando não é perto todos os dias, e eu lá tive de aprender sozinha que não valia a pena continuar a procurar alguém como tu para mim ou querer eu ser como tu, porque não há duas pessoas como tu. Tu não sabes tudo, não estás sempre certo, estás muitas vezes errado, mas completas setenta e cinco anos parecendo que o tempo não passou por ti - por fora mas sobretudo por dentro. Não tens cáries no coração, nunca tiveste. Nem armaduras nas mãos, também nunca tiveste, só calos do trabalho. Parece que na tua vida nunca houve tempestades, traições, pessoas aquém, e nós sabemos os dois, houve tantas, não houve, pai? Mas tu não tens espaço para isso dentro de ti, como se estivesses sempre no ínício da viagem, e nada soubesses dos perigos. És a pessoa menos poluída que conheci, a mais inspiradora de todas as pessoas que existem. E quando dizes, e dizes tantas vezes, "tu não és mais do que os outros", eu sei exactamente o que tu queres dizer. Tens 75 anos, e ainda és a melhor pessoa que eu conheço, provavelmente serás sempre. E és meu pai, dá para a acreditar? Quando tu fizeres 80 anos, eu terei 40, metade da tua idade, nem metade da tua sabedoria. Mas nessa altura havemos de celebrar em conjunto os anos que ainda teremos pela frente, pelo menos mais vinte, para fazermos coisas juntas. Agora, já ninguém nos separa.

terça-feira, abril 02, 2013

Lello


Sempre tivemos uma relação de amor-ódio com a Livraria Lello, que ficou resolvida por estes dias. Amor, porque é impossível não amar aquele espaço, não por acaso considerado já várias vezes um dos mais belos guardiões de livros do mundo. Ódio, porque nunca ali encontrámos um livro que procurássemos, nunca ali comprámos nada que não fizesse apenas parte das novidades ou dos clássicos. E a Lello tinha obrigação de investir noutro tipo de literatura. Tão mau como isso é o facto de já termos sido expulsos do espaço ou impedidos de entrar. Basta que sejam sete horas da tarde. Se estamos dentro, somos imediatamente convidados a sair; se estamos fora, mesmo que ainda falte um ou dois minutos para fechar, já não podemos entrar. Aconteceu já mais do que uma vez. E agora, cereja no topo do bolo, os dois euros para aceder à livraria. Hoje, os proprietários vieram dizer que é mentira, que a cobrança é só para escolas e para turistas. Pior a emenda que o soneto. Amar os livros não é cobrar por eles, é partilhá-los com os outros, contaminar os outros com esse amor, exactamente o contrário do que sempre vi na Lello, onde infelizmente só a arquitectura parece contar. 

segunda-feira, fevereiro 18, 2013

Justiça possível


Cinco anos após sucessivos adiamentos, estreei-me hoje como arguida num tribunal perto de mim. Bastou para perceber por que razão a justiça, a existir neste país, é tão perra. Gostei muito do exercício retórico. Tirando isso, fiquei apenas com a certeza de que é mais fácil um pulha ficar impune do que um inocente provar a inocência.