terça-feira, outubro 23, 2007

À noite

Os táxis passam, devagar, luz verde no néon do tejadilho, mas não param. Uma mulher assim, sozinha àquela hora da noite, sozinha em frente ao portão de uma garagem, noite escura, escura e fria, uma mulher assim ali pousada até pode ser santa, mas não é. Nunca é. Mesmo que seja, não pode ser. Mesmo que não seja santa e seja só talvez uma pessoa normal, alguém à espera de alguém ou mesmo só de um táxi. Mas não, sozinha ali, o fumo do cigarro a confundir-se com o da respiração, a sombra do corpo no chão a agigantar o perfil, não pode ser santa, não pode ser nada. Não pode ser boa coisa. Os táxis passam, abrandam, quase param acossados pela curiosidade, pela pulsão do sórdido, não param. Param os carros, os outros, os que não têm taxímetro. Silenciosos, estacionam, vários homens lá dentro. Homens ou rapazes, tanto faz. É tudo a mesma coisa. Casados, mal casados, solteiros, viúvos, divorciados. Sozinhos. Sozinhos em grupo. A maioria nem sequer sabe. Estacionam, descem o vidro da janela do carro que parecem conduzir em 15ª mão e ficam ali com aquele olhar a dizer: fico aqui o tempo que eu quiser, o tempo que me apetecer, se quiser fico aqui até amanhã de manhã e tu, pensam, tu ó minha puta, não tens nada a ver com isso. Ficam ali parados por fora, esgueirados por dentro, como quem suspende a respiração debaixo de água, a ver quanto tempo conseguem aguentar ficar ali sem ordinarizar. O verbo não existe, mas se existisse seria este o verbo a aplicar. A aplicar quando uma mulher está assim à noite sozinha esquecida na rua.

1 comentário: