"Acontece também. Dói tanto sermos prescindíveis, não sermos únicos, sermos trocados, agora prefiro esta e não a ti, que uma defesa plausível é recusarmos acreditar nesse absoluto gelo do outro. Para não enfrentarmos que o seu amor por nós simplesmente secou, e tudo seca, não nos enganemos, torna-se mais fácil culparmo-nos. Fica a ideia de que teria havido uma hipótese. Fui eu, foi por minha causa, afastei-o. Acabei por me deitar na cama que fui fazendo. Essa estranha forma de desculparmos ainda quem nos rebenta. Essa forma absurda, tão naturalmente absurda, de amar ainda. Haverá por aí, alguém conhece, coisa menos inteligente do que o amor?"
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sábado, julho 10, 2010
sábado, outubro 27, 2007
Rodrigo Guedes de Carvalho: Canário

“Canário”, título do mais recente romance de Rodrigo Guedes de Carvalho (RGC), é uma armadilha. Não há pássaros, nem asas, nem quase nada que não seja a falta de ar experimentada na escotilha em que vivem todos os que, um dia, recebem um aviso a dizer: a vida não é um conto de fadas. Aquele que é, talvez, o melhor livro do autor, é também o mais mordaz. Sobre os demónios que nos habitam e visitam. E sobre o que eternamente se desconhece das pessoas, por muito próximas que nos sejam. “Há uma cave dentro de nós. Nunca, mas nunca mesmo, saberemos tudo acerca do outro”. É sobre a desilusão. E os estilhaços da dor.
Como em quase todas as obras de RGC é preciso algum tempo para perceber onde quer levar-nos. Aqui, a história é contada numa plataforma tripartida. Geraldo representa só um lado do triângulo. É o rapaz que um padre há-de querer salvar, porque “quer continuar a acreditar que a maldade não está em nós, que é um corvo do escuro que às vezes nos fala ao ouvido”. O padre está tão preso como o presidiário: recluso da necessidade de salvar alguém. Acompanha, na doença e na morte, a mãe de Geraldo, prostituta que ambicionava ser enfermeira, e apresenta-o ao pai, escritor célebre, de casamento sólido, que um dia caiu na cama dela, engravidando-a sem querer. Sem saber.
Alexandre, escritor “que não gosta que lhe falem da palavra competição na literatura”, mas vive – tão preso como o filho, tão preso como o padre – no pânico de esvaziar-se e ser ultrapassado pelas novas gerações de escritores, é o segundo vértice do triângulo. E talvez aquele em que RGC mais se denuncia. Por muito injusto que possa ser querer procurar as angústias de um escritor na vida de um personagem. “Numa altura em que se usava uma prosa de mera observância, Alexandre acenava-nos de dentro das personagens e dos lugares. Um vírus hospedeiro, lancinante de acutilância”. Casado com Maria Antónia, nunca viveu para ela, mas com ela ao lado. Aliás, nunca viveu – mesmo no encontro com o filho que desconhecia - senão aquilo que poderia ser reproduzido em livro. E ela, a mulher que abdicou de ser o que era – e que já nem se lembra o que é – por causa dele, ela – tão presa como o filho do marido, tão presa como o padre, tão presa como o homem que amou – percebe que nunca viveu realmente.
Nem ela, nem a filha de ambos, Camila, o último ângulo do polígono. Veterinária, “bomba-relógio que não rebenta, vai rebentando”, tão apaixonada como a mãe pelo marido, tão presa como todos os outros, vê o casamento desmoronar-se quando o homem que lhe deu um filho não aceita que o filho seja, também ele, um presidiário – recluso no seu autismo.
“Canário” é sobre coisas “que acontecem e não matam, e também não tornam ninguém mais forte”. É sobre o que sobra quando as máscaras caem.
quinta-feira, março 09, 2006
Rodrigo Guedes de Carvalho: A casa quieta

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