Colaram estrelas de brincar no tecto do quarto para combater as insónias que condicionavam o humor do dia seguinte. Passaram noites e noites com os olhos pendurados no ar. Abriam a janela, mesmo no Inverno, e fingiam estar no Alentejo. Riam. Contavam histórias. Faziam planos. E amor. À noite era sempre verão. Sempre a doce aragem das férias. Adormeciam abraçados. Acordavam como a primavera: de mansinho. Depois, o fuso horário mudou. As estrelas perderam os espectadores. E agora quando os pesadelos lhe torturam o sono já não há ninguém para a salvar. É Outono outra vez.
segunda-feira, maio 28, 2007
domingo, maio 27, 2007
Perry Blake
Sinto no Theatro Circo, em Braga, o que até há bem pouco tempo sentia na Casa das Artes, em Famalicão: cada visita tem sempre a garantia de um grande concerto. Foi ontem assim, outra vez, com Perry Blake. Pouco me importa se Paulo Brandão, o director artístico, tem um orçamento que começa a fazer roer de inveja quem gravita no meio. Desde que me saiba dar música, está tudo bem. So long no encore.
A feeling that will never die
Kept a vigil by your side
Helpless as the melting snow
There are things yhat we will never know
A feeling that will never die
Kept a vigil by your side
Helpless as the melting snow
There are things yhat we will never know
sábado, maio 26, 2007
O que é que Reininho não tem?
sexta-feira, maio 25, 2007
European house
Não será o exercício mais simples: pegar em “Hamlet”, clássico maior de Shakespeare, usar o seu significado mas não o seu texto, antecipar a história antes da história que se conhece e não exactamente transportá-la para a actualidade, mas demonstrar que a máquina do tempo avariou na Idade Média. Que a sociedade de uma Europa supostamente de vanguarda, nos seus costumes, nas suas ambições, no seu modo de socialização e individualização continua tão enfranquecida, tão próxima da ruptura como antes. E, no entanto, o resultado de “European House”, trabalho iminentemente poético do catalão Alex Rigola, que abriu anteontem o trigésimo FITEI no Teatro Nacional S. João, no Porto, não poderia ser mais conseguido.
É um teatro sem palavras, lento e silente, real retrato da doméstica condição humana que se espia pela porta da fechadura. Cúmulo do voyeurismo. Nada se ouve, mas tudo se vê naquela casa, que já não é um imponente castelo medieval, mas um apartamento moderno da alta burguesia: três andares e nove assoalhadas literalmente quebradas ao meio para que as possamos vigiar. Numa plataforma que vai acendendo e apagando vê-se o nu menos gratuito da história do teatro e percebem-se as personagens todas de Hamlet manobradas como marionetas por fios que são dúvidas, tentações, pecadilhos invisíveis.
Todas, desde o príncipe, à mãe Gertude, ao tio Claudios, ao melhor amigo Horácio, à amada Ofélia encontram no reino da Dinamarca o seu alter-ego. E têm naquela casa o seu lugar, que não dominam – cada um vive, incomunicante, dentro da sua bolha de oxigénio –, mas ao qual sabem pertencer. Apesar disso, das semelhanças e sugestões, “European House” irá muito mais ao fundo do que Hamlet. Os residentes estão todos mortos, embora respirem. Estão mortos e não sabem ressuscitar.
Este turbulento labirinto interior é construído por Rigola numa peça cheia de subtilezas, num cenário soberbo, com irrepreensível direcção de actores, que representam de forma completamente sincronizada embora não se vejam uns aos outros – também não vêem o público, porque a casa está cortada por um vidro que é espelhado por dentro. E, mesmo sem recurso às palavras, aguentaria mais tempo. No entanto, poderia ter terminado quando os Radiohead começaram a cantar a fatalidade em “No surprises”. No fim, ficamos todos sozinhos. O que haveria a acrescentar à não-felicidade?
É um teatro sem palavras, lento e silente, real retrato da doméstica condição humana que se espia pela porta da fechadura. Cúmulo do voyeurismo. Nada se ouve, mas tudo se vê naquela casa, que já não é um imponente castelo medieval, mas um apartamento moderno da alta burguesia: três andares e nove assoalhadas literalmente quebradas ao meio para que as possamos vigiar. Numa plataforma que vai acendendo e apagando vê-se o nu menos gratuito da história do teatro e percebem-se as personagens todas de Hamlet manobradas como marionetas por fios que são dúvidas, tentações, pecadilhos invisíveis.
Todas, desde o príncipe, à mãe Gertude, ao tio Claudios, ao melhor amigo Horácio, à amada Ofélia encontram no reino da Dinamarca o seu alter-ego. E têm naquela casa o seu lugar, que não dominam – cada um vive, incomunicante, dentro da sua bolha de oxigénio –, mas ao qual sabem pertencer. Apesar disso, das semelhanças e sugestões, “European House” irá muito mais ao fundo do que Hamlet. Os residentes estão todos mortos, embora respirem. Estão mortos e não sabem ressuscitar.
Este turbulento labirinto interior é construído por Rigola numa peça cheia de subtilezas, num cenário soberbo, com irrepreensível direcção de actores, que representam de forma completamente sincronizada embora não se vejam uns aos outros – também não vêem o público, porque a casa está cortada por um vidro que é espelhado por dentro. E, mesmo sem recurso às palavras, aguentaria mais tempo. No entanto, poderia ter terminado quando os Radiohead começaram a cantar a fatalidade em “No surprises”. No fim, ficamos todos sozinhos. O que haveria a acrescentar à não-felicidade?
quinta-feira, maio 24, 2007
Para onde vão as crianças quando desaparecem?
Quantos dias faltam para que Madeleine McCann deixe de ser notícia? Dois? Menos? Quando o caso mais mediático de um desaparecimento (Rapto? Crime?) deixar de cravar os olhos da populaça à televisão e aos jornais ficarão as cruas questões de sempre por responder. Mas até quando? Até quando será possível aceitar que crianças se evaporem sem, aparentemente, haver a quem recorrer com imaculada eficácia?
Maddie é bela, é rica, é inglesa. O último factor - ancorado em toda a tabloidização do país de origem - terá sido maior alavanca para o mediatismo do caso do que os dois primeiros, embora também esses delírios tenham sido usados para explicar o circo global. Maddie não é especial; Maddie é todas as crianças que desapareceram. E só nestes 21 dias, afirma hoje o DN, já desapareceram 800 menores no Reino Unido. É um grito anónimo a dizer "Basta!" Basta de investigações que esbarram invariavelmente num obstáculo que é sempre invisível. Quem são os pedófilos? De onde lhes vem a capa que lhes possibilita seguir incólumes e, muito provavelmente, a perpetuar sórdidos malabarismos? Onde estão? Serão os colarinhos brancos que mandam no país? Na Polícia Judiciária? Quem os protege? O nacionalíssimo caso Casa Pia, na sua ínfima escala, oferece algumas respostas...
É indiferente se a pedofilia é uma doença ou uma perturbação de qualquer ordem. Facto é que o pedófilo pé-descalço ataca a sobrinha, a filha ou a filha da vizinha. Não raras vezes é apanhado e mais vezes ainda apanhado em flagrante. O outro pedófilo, o que entenderá que é retorcido mas se encara a si próprio como um indivíduo normal de preferências legítimas, integra redes onde ninguém, estranhamente, parece conseguir entrar. Como funciona uma rede de pedofilia? Não será mais importante responder a isto do que entrar nessa onda contestatária, e estéril, em que muitas pessoas parecem estar a entrar, questionando por que não houve a mesma mediatização para outros casos e incentivando outros pais a indignarem-se por não terem beneficiado dos mesmos recursos? A questão crucial é: se nem com esta parefernália de meios se chega a algum lugar, o que estará errado? Se esta investigação conduzir ao aparecimento de Maddie, aí sim, deverá questionar-se porque razão noutros casos não foi despendido o mesmo tempo.
O que pode esperar-se de um país (de um mundo?) que só chora uma criança enquanto a comunicação social a quiser chorar também? E quando ninguém a chorou, o que mudou? Nada! Ninguém pode substituir-se à Justiça, à Judiciária, à Lei, por muito falidos que todos esses sistemas estejam. Não estará mais do que na altura de questionar os procedimentos? De os questionar a sério? Com agulhas? Onde fica a responsabilidade individual de cada um de nós?
A reputação de Robert Murat! Grande celeuma! Se a Câmara de Lisboa caiu só porque Carmona Rodrigues é arguido num caso de gravidade infinitamente inferior, porque raio há-de ter-se cautela com o principal suspeito do desaparecimento de Maddie? Daqui a meio ano já ninguém se lembrará dele. Daqui a meio ano talvez a criança ainda não tenha aparecido. Talvez Murat, Malinka e outros pervertidos sejam os últimos a rir. E nunca, nunca ninguém mais há-de lembrar-se... até ao dia em que a criança for a nossa. Mas os pedófilos não conseguem roubar as crianças todas do mundo. Portanto, a maior parte das consciências estarão ilibadas.
domingo, maio 20, 2007
quinta-feira, maio 17, 2007
Sebastian Chamfort
quarta-feira, maio 16, 2007
Blonde redhead
Silently, I wish to sail into your port, I am your sailor
Quietly, I drop my weight into your sea, I drop my anchor
I sway in your waves, I sing in your sleep
I stay till I'm in your life
I realize now you're not to be blamed my love
You didn't choose your name my love
You never crossed the seven seas
I realize now you're not to be blamed my love
You didn't choose your name my love
You never crossed the seven seas
Oh, sweet creature
I know exactly how you feel
Your clock is ticking, tick tack tick tack
Your heart is beating tum tum tum tum tum
Silently, I wish to sail into your port, I am your sailor
Quietly, I drop my weight into your sea, I drop my anchor
I realize now you're not to be blamed at all
You didn't choose your name my love
You die a little in my arm
I realize now you're not to be blamed at all
You didn't choose your name my love
We never crossed the seven seas
I realize now you die a little in my arm
Before you even taste my love
We never crossed the seven seas
I realize now you re not to be blamed at all
You didn't choose your name my love
You die a little in my arm
I realize now
Quietly, I drop my weight into your sea, I drop my anchor
I sway in your waves, I sing in your sleep
I stay till I'm in your life
I realize now you're not to be blamed my love
You didn't choose your name my love
You never crossed the seven seas
I realize now you're not to be blamed my love
You didn't choose your name my love
You never crossed the seven seas
Oh, sweet creature
I know exactly how you feel
Your clock is ticking, tick tack tick tack
Your heart is beating tum tum tum tum tum
Silently, I wish to sail into your port, I am your sailor
Quietly, I drop my weight into your sea, I drop my anchor
I realize now you're not to be blamed at all
You didn't choose your name my love
You die a little in my arm
I realize now you're not to be blamed at all
You didn't choose your name my love
We never crossed the seven seas
I realize now you die a little in my arm
Before you even taste my love
We never crossed the seven seas
I realize now you re not to be blamed at all
You didn't choose your name my love
You die a little in my arm
I realize now
Avenida Paulista
[Foto: Ricardo Meireles]
Quando um cronista que acompanho religiosamente salta para a ribalta com uma compilação de textos publicados numa revista qualquer acontece-me ser invadida por uma raiva turbulenta, mas facilmente explicável. Não passo anos e anos a criar dossiers de autor com recortes de imprensa temática e cronologicamente tratados e enfiados dentro de pijamas transparentes para depois vir uma editora desvalorizar essa dedicação minuciosa, oferecendo a todos com facilidade aquilo que me custa horas de empenho. Empenho e, sim, eu sei, ilusão de raridade.
Com João Pereira Coutinho, de quem acaba de ser editado "Avenida paulista", selecção de 45 crónicas - entre sambas e chorinhos e com direito a encore - publicadas semanalmente na Folha de S. Paulo, oferecidas com a revista Sábado desta semana, e não acessíveis n'O Sítio de forma integral, foi diferente. Os textos que agora acabo de ler são tão mordazes e, por isso, tão bons como todos os outros: os do Expresso e os do Independente (reunidos em ‘Vida Independente: 1998-2003’, publicado em 2004). Mas, também, tão bons como os do Jornal de Matosinhos. E esses nunca foram publicados em livro. Duvido que alguma vez sejam.
Nessa altura, 1995 ou 1996, o João, sendo ainda praticamente um menino - devia ter uns 19, 20 anos -, embora já ostentasse aquela pose severa, era o João sem medo. Escrevia como nunca ninguém escreveu num jornal paroquial. Dava comigo, em Braga, a implorar que me comprassem o Jornal de Matosinhos. Até que um dia desafiou Narciso Miranda e foi parar ao Tribunal. Já não me lembro se ganhou. Mas desde essa altura que sei que se o João fosse um cavalo e as crónicas uma corrida de hipismo valeria a pena apostar nele.
Com João Pereira Coutinho, de quem acaba de ser editado "Avenida paulista", selecção de 45 crónicas - entre sambas e chorinhos e com direito a encore - publicadas semanalmente na Folha de S. Paulo, oferecidas com a revista Sábado desta semana, e não acessíveis n'O Sítio de forma integral, foi diferente. Os textos que agora acabo de ler são tão mordazes e, por isso, tão bons como todos os outros: os do Expresso e os do Independente (reunidos em ‘Vida Independente: 1998-2003’, publicado em 2004). Mas, também, tão bons como os do Jornal de Matosinhos. E esses nunca foram publicados em livro. Duvido que alguma vez sejam.
Nessa altura, 1995 ou 1996, o João, sendo ainda praticamente um menino - devia ter uns 19, 20 anos -, embora já ostentasse aquela pose severa, era o João sem medo. Escrevia como nunca ninguém escreveu num jornal paroquial. Dava comigo, em Braga, a implorar que me comprassem o Jornal de Matosinhos. Até que um dia desafiou Narciso Miranda e foi parar ao Tribunal. Já não me lembro se ganhou. Mas desde essa altura que sei que se o João fosse um cavalo e as crónicas uma corrida de hipismo valeria a pena apostar nele.
terça-feira, maio 15, 2007
Robert Murat: divulgar ou esconder?
Deviam ou não os jornais e as televisões divulgar a imagem de Robert Murat, intérprete voluntário das investigações no caso do desaparecimento de Madeleine subitamente transformado em suspeito e, desde ontem, em arguido? Deviam!
Do ponto de vista da ética profissional, não sei. Reconheço a absoluta dificuldade para raciocinar em termos de deontologia jornalística quando o assunto é pedofilia, seja qual for a sua forma de materialização: efectivamente praticada ou, apenas, visionada em sites do ramo. Aliás, em qualquer um dos casos, defendo uma solução simples e eficaz: morte lenta, dolorosa, com recurso estratégico a todas as ferramentas humanamente incorrectas, incluindo a legalizada castração química: pedras, paus, choques eléctricos e talvez, também, a recuperação de algumas técnicas usadas pelos nazis. Há casas específicas para portadores de perturbações graves e insanáveis, mas no caso da pedofilia a melhor casa é mesmo um caixote subterrâneo, vários palmos abaixo da terra.
Entre a possibilidade de estar a cometer-se uma enorme injustiça ao sinalizar o homem por algo que porventura não terá feito e a aterradora hipótese da impunidade de alguém que há 12 dias não tem qualquer pudor em brincar com a inclassificável dor de alguém, prefiro claramente a primeira. Porque a primeira é resolúvel; a outra, como demonstram as centenas de crianças desaparecidas pelo mundo fora, não.
Do ponto de vista da ética profissional, não sei. Reconheço a absoluta dificuldade para raciocinar em termos de deontologia jornalística quando o assunto é pedofilia, seja qual for a sua forma de materialização: efectivamente praticada ou, apenas, visionada em sites do ramo. Aliás, em qualquer um dos casos, defendo uma solução simples e eficaz: morte lenta, dolorosa, com recurso estratégico a todas as ferramentas humanamente incorrectas, incluindo a legalizada castração química: pedras, paus, choques eléctricos e talvez, também, a recuperação de algumas técnicas usadas pelos nazis. Há casas específicas para portadores de perturbações graves e insanáveis, mas no caso da pedofilia a melhor casa é mesmo um caixote subterrâneo, vários palmos abaixo da terra.
Entre a possibilidade de estar a cometer-se uma enorme injustiça ao sinalizar o homem por algo que porventura não terá feito e a aterradora hipótese da impunidade de alguém que há 12 dias não tem qualquer pudor em brincar com a inclassificável dor de alguém, prefiro claramente a primeira. Porque a primeira é resolúvel; a outra, como demonstram as centenas de crianças desaparecidas pelo mundo fora, não.
segunda-feira, maio 14, 2007
Little Maddie
A dor é um fluído sanguíneo que só tem um de dois caminhos possíveis: corre nas nossas veias ou nas veias dos outros. E quando corre nas veias dos outros é fácil dissertar sobre a sua trajectória. Sobre o que não foi perfeito e deveria ter sido.
Depois do facilitismo fatal do casal inglês, quem será capaz de deixar três filhos a dormir para degustar um jantar a menos de 50 metros? Antes do casal inglês, quantos de nós não o terão já feito?
A Comunicação Social insiste, diariamente, nas possíveis penalizações da negligência. Não bastará, como condenação, o resto da vida no escuro?
Depois do facilitismo fatal do casal inglês, quem será capaz de deixar três filhos a dormir para degustar um jantar a menos de 50 metros? Antes do casal inglês, quantos de nós não o terão já feito?
A Comunicação Social insiste, diariamente, nas possíveis penalizações da negligência. Não bastará, como condenação, o resto da vida no escuro?
domingo, maio 13, 2007
My best friend's wedding
Casar o melhor amigo é mais ou menos como casar um filho único. Sabemos que temos que o deixar ir, mas não conseguimos evitar o travo de um certo abandono. Sabemos que o amor que nos une é necessariamente diferente - nem melhor nem pior, nem maior nem menor - do amor que o liga à pessoa que entretanto o resgatou, mas não conseguimos não reclamar a antiguidade do posto. Ficamos felizes se ela o fizer feliz, claro, mas nunca conseguiremos aceitá-la plenamente. Se ela o magoar, é uma mulher morta. Ela conhece o risco.
Casei ontem o meu melhor amigo com a inevitável pirâmide de contradições egoístas no peito. Mas com a certeza de um privilégio maior que, sei agora, nem todos alguma vez experimentaram. Já não somos os melhores amigos; não, agora somos irmãos de coração - impermeáveis a tudo. Também ao casamento.
Há uns anos largos, amigos à prova da bala, da distância, do apuramento de personalidade, do sufoco profissional, das crises existenciais e dos encantamentos efémeros, decidimos imitar a Julia Roberts e o Dermot Mulroney, prometendo casar um com o outro se aos 30 anos ainda estivéssemos solteiros. Ele casou na véspera do aniversário; a promessa perdeu a validade. Mas depois de termos atravessado a infância, a adolescência e o início da vida adulta a jurar quase diariamente aos pais, aos amigos, aos amigos dos amigos que não, não éramos namorados, nem amantes, nem apaixonados platónicos; e que não, não vacilávamos um com o outro, nem adiávamos qualquer espécie de inevitabilidade, não estava preparada para a sucessão de perguntas monocórdicas a que tive de responder. A mãe da noiva: "Ah, então tu é que és a pessoa X?"; A mãe do noivo: "Ah, sempre decidiste vir?"; A irmã do noivo: "Já tinha perguntado por ti. Estás bem?"; Os amigos do noivo: "E agora?"
E agora, só quem nunca soube o que é amizade a sério, tão-mas-tão-a-sério, duvida da possibilidade da amizade entre dois sexos sem qualquer interferência de outra natureza. "Deixa-os lá. Entre nós, não muda nada". Eu sei.
"I say a little prayer for you
Forever, and ever, you'll stay in my heart
And I will love you
Forever, and ever, we never will part
Oh, how I love you
Together, together, that's how it must be".
Casei ontem o meu melhor amigo com a inevitável pirâmide de contradições egoístas no peito. Mas com a certeza de um privilégio maior que, sei agora, nem todos alguma vez experimentaram. Já não somos os melhores amigos; não, agora somos irmãos de coração - impermeáveis a tudo. Também ao casamento.
Há uns anos largos, amigos à prova da bala, da distância, do apuramento de personalidade, do sufoco profissional, das crises existenciais e dos encantamentos efémeros, decidimos imitar a Julia Roberts e o Dermot Mulroney, prometendo casar um com o outro se aos 30 anos ainda estivéssemos solteiros. Ele casou na véspera do aniversário; a promessa perdeu a validade. Mas depois de termos atravessado a infância, a adolescência e o início da vida adulta a jurar quase diariamente aos pais, aos amigos, aos amigos dos amigos que não, não éramos namorados, nem amantes, nem apaixonados platónicos; e que não, não vacilávamos um com o outro, nem adiávamos qualquer espécie de inevitabilidade, não estava preparada para a sucessão de perguntas monocórdicas a que tive de responder. A mãe da noiva: "Ah, então tu é que és a pessoa X?"; A mãe do noivo: "Ah, sempre decidiste vir?"; A irmã do noivo: "Já tinha perguntado por ti. Estás bem?"; Os amigos do noivo: "E agora?"
E agora, só quem nunca soube o que é amizade a sério, tão-mas-tão-a-sério, duvida da possibilidade da amizade entre dois sexos sem qualquer interferência de outra natureza. "Deixa-os lá. Entre nós, não muda nada". Eu sei.
"I say a little prayer for you
Forever, and ever, you'll stay in my heart
And I will love you
Forever, and ever, we never will part
Oh, how I love you
Together, together, that's how it must be".
sexta-feira, maio 11, 2007
quinta-feira, maio 10, 2007
La Féria na cruz
O tema do musical que Filipe La Féria há-de estrear um destes dias no Teatro Rivoli, no Porto - Jesus Cristo Superstar - não poderia ser mais irónico. Numa cidade que cultiva uma necessidade obssessiva de ter inimigos abater, a cegueira parece começar a confundir o alvo. Crucifixa-se La Féria e iliba-se Rui Rio. Ou seja, mata-se a doença, mas deixa-se viver o que a provocou.
quarta-feira, maio 09, 2007
Aos sonhos
Trata-a ainda por miúda, mesmo se ela está quase a beneficiar dos descontos culturais que o país atribui aos reformados. "É a minha miúda!", diz naquela voz rouca e quente que o caracteriza. "É a minha miúda desde os 14 anos", insiste, orgulhoso. "Vi-a e soube logo que nunca mais a largaria". Ela, tímida a enrolar os dedos finos das mãos, arrisca a provocação: "Bem tentei, mas nunca mais consegui fugir". Riem como meninos, sopram beijos por cima da mesa do Majestic, estendem os braços um ao outro.
Celebram no Porto, "cidade onde o coração arde", quarenta e sete anos de vida comum. "Não fui um marido fiel", confessa, os olhos a encherem-se de água. Ela abana a cabeça, condescendente. Sempre soube; sempre perdoou. "Não fui um marido fiel", repete. Pega-lhe na mão, afaga-lhe o anel de ouro impecavelmente pulido. "Sempre gostei de ti, sempre te amei. Mas queria amar tudo. Não te ter perdido é a maior benção que recebi na vida". "Eu sei, eu sei", responde ela, baixinho. "Não foi fácil, mas é muito bonito chegar aqui".
Quase 20 anos mais velho - mais crescido, como prefere dizer -, fisicamente demasiado idêntico a Fidel Castro, mas com um coração sem qualquer semelhança, ele é um homem do mundo. "Foge comigo", pediu-lhe quando a conheceu. Ela consentiu, mas só depois de terminar o sétimo ano. Ele esperou. No primeiro ano da universidade já eram marido e mulher. Desde então, ele serve-lhe, diariamente, o pequeno-almoço na cama com as notícias dos jornais internacionais já devidamente seleccionadas. Ela completa-lhe as frases dos episódios que a memória começa a apagar. Amor para sempre. Correram o mundo juntos: ele como embaixador; ela como professora. Regressaram há pouco mais de três anos de Israel, a última paragem. Vivem em Lisboa, "cidade onde nem os calos ardem".
"O coração arde quando vamos para lugares onde vivem pessoas de quem gostamos muito. Arde no Porto. Arde na Guarda. Arde nos sítios onde as pessoas têm o coração nos olhos, onde sabem receber o que temos para dar". Ardeu muito em África durante cinco anos. "Deus deu-me o dom de amar os outros; de os amar de verdade", diz ele que não se perdoa por ter vindo embora. "Todos os dias acordo com esse remorso. O remorso de os ter abandonado. Sei que a vida deles piorou". A vida de todos quantos passaram a fazer parte da sua casa. Da sua vida.
Um brinde para travar o galope das lágrimas. "À vida!", diz alguém. "À vida é muito pouco", interrompe ele. "Aos sonhos! Ao que é maior do que a vida!" Ele é.
Celebram no Porto, "cidade onde o coração arde", quarenta e sete anos de vida comum. "Não fui um marido fiel", confessa, os olhos a encherem-se de água. Ela abana a cabeça, condescendente. Sempre soube; sempre perdoou. "Não fui um marido fiel", repete. Pega-lhe na mão, afaga-lhe o anel de ouro impecavelmente pulido. "Sempre gostei de ti, sempre te amei. Mas queria amar tudo. Não te ter perdido é a maior benção que recebi na vida". "Eu sei, eu sei", responde ela, baixinho. "Não foi fácil, mas é muito bonito chegar aqui".
Quase 20 anos mais velho - mais crescido, como prefere dizer -, fisicamente demasiado idêntico a Fidel Castro, mas com um coração sem qualquer semelhança, ele é um homem do mundo. "Foge comigo", pediu-lhe quando a conheceu. Ela consentiu, mas só depois de terminar o sétimo ano. Ele esperou. No primeiro ano da universidade já eram marido e mulher. Desde então, ele serve-lhe, diariamente, o pequeno-almoço na cama com as notícias dos jornais internacionais já devidamente seleccionadas. Ela completa-lhe as frases dos episódios que a memória começa a apagar. Amor para sempre. Correram o mundo juntos: ele como embaixador; ela como professora. Regressaram há pouco mais de três anos de Israel, a última paragem. Vivem em Lisboa, "cidade onde nem os calos ardem".
"O coração arde quando vamos para lugares onde vivem pessoas de quem gostamos muito. Arde no Porto. Arde na Guarda. Arde nos sítios onde as pessoas têm o coração nos olhos, onde sabem receber o que temos para dar". Ardeu muito em África durante cinco anos. "Deus deu-me o dom de amar os outros; de os amar de verdade", diz ele que não se perdoa por ter vindo embora. "Todos os dias acordo com esse remorso. O remorso de os ter abandonado. Sei que a vida deles piorou". A vida de todos quantos passaram a fazer parte da sua casa. Da sua vida.
Um brinde para travar o galope das lágrimas. "À vida!", diz alguém. "À vida é muito pouco", interrompe ele. "Aos sonhos! Ao que é maior do que a vida!" Ele é.
I didn't understand
Thought you'd be looking for the next in line to love then ignore
put out and put away
and so you'd soon be leaving me along like i'm supposed to be tonight,
tomorrow and everyday
there's nothing here that you'll miss
I can guarantee you this
is a cloud of smoke
trying to occupy space
what a fucking joke
what a fucking joke
I waited for a bus to separate the both of us and take me off faraway from you
Because my feelings never change a bit
I always feel like shit
I don't know why
I guess that i "just do"
you once talked to me about love
and you painted pictures of a never-neverland
and i could've gone to that place
but i didn't understand
I didn't understand
I didn't understand
sexta-feira, maio 04, 2007
Quem quer comentar a política da praça?
Há vários tipos de comentadores a analisar a política da praça na televisão: Marcelo Rebelo de Sousa que é, só por si, um género; directores de jornais que já não o são, famintos como Inês Serra Lopes ou Mário Betencourt Resendes; directores de jornais que ainda o são, mas já não deviam ser há muito tempo, tendenciosos como José Manuel Fernandes; directores de jornais de protagonismo renovado, como João Marcelino; figurinhas que por obra e graça de algum espírito profano já sentaram, também, os neurónios numa cadeira do poder jornalístico, ambiciosos desbragados como Luís Delgado; e os personagens da própria política, que na cabeça são políticos, na aparência são profissionais de uma coisa qualquer e à noite são analistas, como Pacheco Pereira, Jorge Coelho ou Lobo Xavier. Mas nenhum, com todas as suas vicissitudes, conseguiu alguma vez ter uma prestação tão má como a de Inês Serra Lopes, ontem, na RTP 2. Até Carmona Rodrigues deve ter ficado envergonhado. Enfim, mais envergonhado, se é que isso ainda é possível.
quinta-feira, maio 03, 2007
Queima das Fitas
Percebemos o tempo a tombar, cumprindo o seu circuito impiedoso, quando a queima das fitas passa a ser, apenas, um ritual distante de memórias distorcidas, contraditórias, agradáveis, mas irrepetíveis. Há dez anos, o mês de Maio representava uma maratona acelerada num carrosel de concertos, bebedeiras curadas em cima de bebedeiras, noites sem dormir, mesmo que estivesse muito frio, e às vezes estava, sempre a correr, cortejos de declarações inteiras, t-shirts de curso com tinta desbotada para a posteridade, vai-e-vém de autocarros e boleias, o dobro dentro da lotação de cada carro, todos juntos, todos frenéticos para sorver da vida cada milésimo de segundo. Nada se perdia. Braga no coração - santoinho de todas as perdições -, o Porto ali ao lado - "Love is in the air", braços no ar e a ambulância a levar um dos nossos - Coimbra na recta final da semana, Vila Real ainda a seguir. Nada nos escapava. Era a semana de todos os cansaços; semana de cansaço nenhum. A vida era maior do que isso.
Atentamente observados de fora, ninguém daria nada por nós. Nós que, de manhã cedo, já tinhamos emborcado várias garrafas de Whisky, armado confusão em todas as paragens, montado a tenda no meio da estrada. Não era assim para nos orgulharmos; era assim porque era assim. Sem legendas. Imensamente felizes, profundamente unidos, desastradamente loucos. Ninguém se perdeu. Pelo contrário. Fomos os únicos a nunca duvidar.
Tentámos, nos anos seguintes, fazer de conta que éramos, ainda, parte daquilo. Daquele sempre inesquecível Maio maior. Mas passámos a ter relógio. O tempo muda tudo. E - é verdade - nunca devemos voltar ao local onde fomos felizes. Hoje, quando chega o período da Queima, dou comigo, apenas, a querer que não me marquem essa reportagem. Marcam sempre, não sei porquê. Mas sei que devia ser proibido. Os rituais dos outros assassinam os nossos.
Atentamente observados de fora, ninguém daria nada por nós. Nós que, de manhã cedo, já tinhamos emborcado várias garrafas de Whisky, armado confusão em todas as paragens, montado a tenda no meio da estrada. Não era assim para nos orgulharmos; era assim porque era assim. Sem legendas. Imensamente felizes, profundamente unidos, desastradamente loucos. Ninguém se perdeu. Pelo contrário. Fomos os únicos a nunca duvidar.
Tentámos, nos anos seguintes, fazer de conta que éramos, ainda, parte daquilo. Daquele sempre inesquecível Maio maior. Mas passámos a ter relógio. O tempo muda tudo. E - é verdade - nunca devemos voltar ao local onde fomos felizes. Hoje, quando chega o período da Queima, dou comigo, apenas, a querer que não me marquem essa reportagem. Marcam sempre, não sei porquê. Mas sei que devia ser proibido. Os rituais dos outros assassinam os nossos.
SMS
É, no mínimo, curioso como as pessoas, sem se verem ou tocarem, conseguem provocar reacções físicas fortes nas outras. Diálogos de sms em catadupa usados como um jogo de tetris, cujo objectivo é fazer encaixar as palavras (as provocações?) - e não os legos. O que nos aproxima dos estranhos afasta-nos dos amigos-amigos. E, no entanto, a ferramenta é a mesma. O que faz a diferença?
quarta-feira, maio 02, 2007
Eu não
Sem grande parafernália, o Teatro Plástico tem em cena (até depois de amanhã), no Espaço Passos Manuel, no Porto, "Eu não", micro peça de Samuel Beckett (1906-1987), tal e qual como o dramaturgo a concebeu, em 1972. Um palco que não se vê; uma voz vagamente iluminada que se basta. É tudo.
Francisco Alves volta a privilegiar o texto, a escolher um monólogo, a assinar uma encenação que não é um ponto de chegada, mas antes a indicação de um caminho. Parecendo demasiado simples, é, talvez, a escolha mais complexa do director. E a mais arrojada. O texto, em loop (interpretado por Romi Soares), é um jogo de intermitências: agarra-nos e solta-nos; leva-nos à Irlanda e devolve-nos ao lugar. Sucessivamente, até ao fim.
É história de uma mulher de 70 anos em rewind: desenterra o passado, vagueia pelas lágrimas que chorou desde que nasceu, senta-se sobre a solidão, deixa-se perturbar pelo zunido do tempo, antecipa a morte. Porquê o desabafo? Porque, para Beckett, o personagem só existe quando olham para ele. Se olham, ele tem que revelar-se. "Eu não", é mais sobre o silêncio do que sobre o que se diz.
Francisco Alves volta a privilegiar o texto, a escolher um monólogo, a assinar uma encenação que não é um ponto de chegada, mas antes a indicação de um caminho. Parecendo demasiado simples, é, talvez, a escolha mais complexa do director. E a mais arrojada. O texto, em loop (interpretado por Romi Soares), é um jogo de intermitências: agarra-nos e solta-nos; leva-nos à Irlanda e devolve-nos ao lugar. Sucessivamente, até ao fim.
É história de uma mulher de 70 anos em rewind: desenterra o passado, vagueia pelas lágrimas que chorou desde que nasceu, senta-se sobre a solidão, deixa-se perturbar pelo zunido do tempo, antecipa a morte. Porquê o desabafo? Porque, para Beckett, o personagem só existe quando olham para ele. Se olham, ele tem que revelar-se. "Eu não", é mais sobre o silêncio do que sobre o que se diz.
The snow abides
Curtas by Saguenail
É no Passos Manuel que se desvendam os segredos do Porto.
É lá que, amanhã, às 22 horas, é projectada a trilogia (rodada entre 2001 e 2006) de Saguenail, cineasta a viver na cidade desde 1975. As três curtas metragens - "Antes de amanhã"; "A imitação"; "Mau dia" - centram-se naquele que é, ainda, o local de vivência portuense por excelência: o café. O espaço "é tratado cinematograficamente como lugar de intimidade onde vidas - reais, fantasmáticas ou míticas - se constroem e desconstroem".
Antes disso, serão lançados quatro novos livros, editados pela Hélastre (fundada por Saguenail e Regina Guimarães, "razão social e signo da sua obra comum"), na colecção "Français langue étrange". Os livros: "Foule"; "Tentation"; "Il n'y a pas de saisons en enfer"; "Les rendez-vous manqués".
No sábado, também às 22 horas, Regina Guimarães exibe o seu vídeo-retábulo, "Meu deus".
É lá que, amanhã, às 22 horas, é projectada a trilogia (rodada entre 2001 e 2006) de Saguenail, cineasta a viver na cidade desde 1975. As três curtas metragens - "Antes de amanhã"; "A imitação"; "Mau dia" - centram-se naquele que é, ainda, o local de vivência portuense por excelência: o café. O espaço "é tratado cinematograficamente como lugar de intimidade onde vidas - reais, fantasmáticas ou míticas - se constroem e desconstroem".
Antes disso, serão lançados quatro novos livros, editados pela Hélastre (fundada por Saguenail e Regina Guimarães, "razão social e signo da sua obra comum"), na colecção "Français langue étrange". Os livros: "Foule"; "Tentation"; "Il n'y a pas de saisons en enfer"; "Les rendez-vous manqués".
No sábado, também às 22 horas, Regina Guimarães exibe o seu vídeo-retábulo, "Meu deus".
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