sexta-feira, outubro 16, 2015

As meninas, Paula Rego e Agustina Bessa-Luís


É seguramente um dos livros mais bonitos do mundo. Agustina escreve, de forma inédita e "atrevida", sobre a gigantesca Paula Rego, sobre ela própria, e sobre as duas - duas almas gémeas separadas à nascença, as duas solitárias, as duas geniais. Duas mulheres-crianças que sabem que "não há maior evasão do que a infância”. E Paula pinta. As meninas que pinta desde sempre. “As meninas nunca partem. São necessárias, são o elo com a infância, o que lhe dá poder sobre a provisão de maldade que o mundo lhe reserva”. Tão verdade. Não é um livro, é uma obra de arte. No limite, sobre mulheres. "São poucos os homens que pressentem o batimento do coração das trevas; mas todas as mulheres lhe conhecem a presença e sabem que é terrível”.

Agustina Bessa Luís fez ontem 93 anos. Paula Rego faz 81 em janeiro. O livro foi editado em 2001, quando ainda ninguém confundia a vida com a morte de Agustina. Edição limitada, numerada, assinada, reeditada em 2008. Eternamente grata a quem me permitiu ter um exemplar.


sexta-feira, outubro 02, 2015

Matilde Campilho, Jóquei


Li e não gostei. Muitos dos amigos homens leram e quase todos mais ou menos deliraram. É uma cena de gajas, diz o Marquinhos Cruz. É uma cena de gajos, tenho eu dito muitas vezes. Matilde Campilho, 33 anos, é muito bonita e os homens nunca resistem a uma mulher muito bonita. Matilde Campilho é muito bonita e as gajas odeiam mulheres bonitas, dizem os amigos homens. Pela minha parte, sou só demasiado cinzenta para a poesia multicolor, cruzada e com sotaque que ela escreve. Não encontro ali nada que me comova, nada que me inspire, nada que me salve - nem a vida nem o minuto. Por isso, nunca levei muito a sério as opiniões dos amigos homens. Até ontem ter chegado a opinião do Marquinhos Cruz. Que não faz mudar a minha, mas que é tão boa que deve ser lida. E sim, Marquinhos Cruz, devias ser lido todos os dias.

Diz ele:
Matilde Campilho "tem uma poesia solta, tendencialmente libertária (pelo menos em termos formais) mas mantendo sempre um intimismo muito dela, como se a estrutura não lhe fosse necessária enquanto rede, o que é um estupendo sinal de idiossincrasia, se acompanhado, claro, da qualidade e do sentimento poético (ou artístico) que ela demonstra. Nota-se que é uma miúda, tem frescura e singeleza - sem necessariamente ser ingénua ou, menos ainda, inocente – na proporção inversa do academismo. É uma poesia empírica, a dela, uma poesia alimentada também pelas leituras, que imagino muitas, mas sobretudo vivida, e não no sentido de captada, como se fosse uma fotógrafa à espera de apanhar o melhor do real. É um continuum, percebe-se que o desejo dela é fundir-se o mais possível com a essência poética. É bonito vê-la acreditar na hipótese de as vibrações do seu bater de asas poderem vir a ser poemas." Marcos Cruz

"The roses are lovely. Fazes falta, meu chapa. No vaso and a todo crescendo de uma forma muito desenfreada, não sei como dizer-te que os caules trepam as folhas, que a terra cai sobre as flores e que a frutaria toda ameaça inundar a sala. Anda tudo muito bonito. Chastle não apareceu para o café, não esta manhã, mas é sabido que mais dia menos dia o tipo chega. Eu por enquanto fico aqui lendo o jornal. Já sabes, é tremendo este vício de cair de cara na coisa e também de deixar sempre o taco de golfe encostado na mesa. Para o que der, para o que vier."

Matilde Campilho, Jóquei
Tinta da China

(Breaking News: Matilde Campilho terá um programa na Antena3, domingo à meia noite.)

quinta-feira, outubro 01, 2015

Rimbaud, Yves Bonnefoy


"Não existe poeta que não julgue regressar pela palavra àquilo que amou. Talvez a poesia seja apenas um impasse. Que só encontre a sua verdade no reconhecimento do fracasso.

Aliás, haverá obra de poesia que tenha alguma vez sido realizada para "comunicar" um sentimento, um conhecimento, um pensamento? Um poeta preocupa-se em inventar, em verificar, e isso é viver, não é dizer - só dirá consequentemente. Assim sendo a sua clareza vai a par dos seus enigmas. Explícito quando deve conhecer-se a si próprio, irá calar aquilo que já sabe. Mas ele é grande justamente por causa dessa solidão que procura. A sua verdade irradia pelas suas vias obscuras. E se o poema acabado é válido para todas as mulheres e todos os homens, é porque o seu autor só quis ser ele mesmo, numa experiência privada."

"O mundo é vicioso;
Causa-te estranheza?
Vive, deixa ao fogo
A obscura tristeza."

[Serão mais as pessoas que hoje sabem que a poesia não salva a vida mas salva o minuto do que as que sabem quão amarga pode ser a beleza que se senta sobre os joelhos. Eu, que tenho mau feitio, e serei talvez uma alma velha, não consigo encantar-me com o fenómeno Campilho, nem desencantar-me, nunca, um milímetro, com Rimbaud.

Nunca tinha lido uma biografia tão poética. De um poeta sobre outro. As biografias deviam ser todas assim, escritas por gente grande. E Yves Bonnefoy, 92 anos, prémio Balzan em 1995, é enorme. Conta-nos tudo, a ausência de auto-estima de Rimbaud, a luta contra o seu dark side, a condenação à carência ditada pela mãe, a relação conturbada com Verlaine, o que o distingue de Baudelaire, sim, as fugas também. E "todas as formas de amor, sofrimento e loucura". Tudo. E tudo sobre os poemas. E tudo com poesia. Que maravilha!]