terça-feira, maio 11, 2010

O início de fim da Esquerda na Europa....


Walter Oppnheimer, hoje, no El País

Gordon Brown tiene todas las cualidades de un gran político: intelecto, pasión, ideales, determinación, una capacidad de trabajo fuera de lo común... Pero nunca le ha acompañado el carácter. No por sus aireados malos humores, sino por una falta de confianza en sí mismo que le hace dudar de todo y de todos, y que le ha llevado a convertir en una obsesión personal sus aspiraciones de ser primer ministro. Lo consiguió a última hora, pero no como él hubiera querido: llegó a Downing Street cuando los laboristas sufrían ya el desgaste del poder y pasará a la historia por ser uno de los pocos primeros ministros británicos que nunca ganó unas elecciones.

Con Tony Blair formó una pareja imparable que creó el Nuevo Laborismo y convirtió al partido en una máquina de ganar elecciones. Pero nunca se conformó con el papel de comparsa y el matrimonio duró poco, aunque el divorcio formal tardaría en llegar. Durante 10 años, Brown se dedicó a poner palos en las ruedas de su rival, y este le respondió socavando su imagen y dando a conocer, siempre por debajo de la mesa, las debilidades de su carácter.

Esas debilidades, que le llevan a ser incapaz de tomar decisiones sobre la marcha y acentúan sus manías de controlador, acabarían por cavar su tumba a los pocos meses de conseguir su anhelado deseo de ser primer ministro. Llegó al número 10 de Downing Street en junio de 2007 y empezó a vivir una inaudita luna de miel con la opinión pública y, aún más sorprendente, con los medios. Su gestión durante los intentos de atentado en Londres y en Glasgow, las inundaciones del suroeste de Inglaterra y una epidemia de fiebre aftosa disparó sus niveles de popularidad y las expectativas de voto de los laboristas.

La posibilidad de anticipar las elecciones y asegurar su propio mandato de cinco años le nubló la vista política. Y sus eternas dudas ante las grandes decisiones, las mismas que durante 10 años le habían impedido darle a Blair el golpe de gracia, le empujaron a última hora a dar marcha atrás en cuanto los tories presentaron una oferta fiscal que hizo cambiar la tendencia de los sondeos.

Los laboristas empezaron entonces un constante declive en los sondeos y Brown se hundió aún más que el partido. Ya nunca se recuperaría. Vivió una frágil oleada de optimismo por su actuación decidida —sí, decidida por una vez— durante la crisis financiera. Pero ya había traspasado el punto de no retorno.

Gordon Brown no será recordado por su gestión al frente del Gobierno, pero quizás sí por su gestión al frente del Tesoro. Pero incluso ese legado es puesto ahora en cuestión, a medida que se le hace a él responsable de algunas decisiones que a la larga han agravado el impacto en Reino Unido de la crisis financiera.

En 1997, nada más llegar los laboristas al poder, Brown tomó dos decisiones clave: impidió la entrada de la libra en el euro y consagró la independencia del Banco de Inglaterra. Muchos críticos creen que Brown se opuso a entrar en el euro para fastidiar a Blair, que sí era partidario de la integración. Pero estos días, a la vista de la crisis de la divisa europea, hasta los europeístas británicos empiezan a creer que fue un acierto mantener la independencia monetaria.

Más discutida ha sido su decisión de transferir los poderes de control del Banco de Inglaterra a la FSA, la autoridad reguladora de la City. Los conservadores creen que está en el origen de los problemas que han sufrido los bancos durante la crisis. La propia crisis genera debate sobre la responsabilidad que ha podido tener Brown. Muchos le echan en cara la laxitud del marco regulador, pero él se defiende con el argumento de que ha abogado por endurecer esa regulación desde 1997, pero que eso sólo se podía hacer a nivel global y que nadie le hizo caso en su momento.

Sea cual sea su parte de responsabilidad, sólo los más cicateros le han negado un papel clave en la gestión del cataclismo financiero global. Primero, nacionalizando el primer banco británico afectado, Northern Rock. Y, segundo, inyectando capital público en la banca, una solución luego imitada por muchos otros países.

Brown presumió durante años del alto crecimiento sin inflación de la economía británica, pero ahora ha de correr con la responsabilidad de dejar al país al borde de la bancarrota con una deuda gigantesca. Gran parte de esa deuda se debe a la inyección de capital en servicios públicos, pero se le reprocha haber torpedeado las reformas que quería implementar Blair para mejorar su eficacia. Siempre, la sombra de Blair.

Repeat and repeat and repeat....

segunda-feira, maio 10, 2010

Shut down or save my life tonight



Take me in your hands and please me

To find out we have nothing to say

Don’t know the meaning, the shade of blue of a sad song

How to go back to be running again

Like angels in a crossfire

Waiting for a new play

Like candy in a love fight

Melting on a sweet day

Shut down or save my life tonight

On the line in love with the Lion’s den

Sugar heat of a pearly white snow girl

I need ice, no more honey to drain

Oh, take me as you blow

Oh, ice into the snow

[Finalmente, SNOW GIRL by BLIND ZERO]

domingo, maio 09, 2010

O que pode correr mal se um dia ficares feliz?



Qual é a probabilidade de em quase cem músicas da última década tropeçarmos numa que um dia nos arrancou do peito o coração à dentada? Que nos obrigava a concentrarmo-nos no chão para não chorar? Qual é a probabilidade de ela voltar, impiedosa, numa audição inesperada, a importar da memória aquela dor, aquela aparente ausência de Deus?

A agulha na aparelhagem onde já choraram tantos vinis, horas seguidas, a escarafunchar todos os amores perdidos. Bob Dylan, com "sangue nos olhos", a perguntar: "Entendes a minha dor? Estás disposta a arriscar o amor em vão?". Elvis Costello a protestar: "Deixaste-me sozinho no escuro, apesar de eu achar que nunca iríamos separar-nos". Jeff Buckley a despedir-se: "Este é o nosso último adeus. Odeio sentir que o nosso amor morreu. Mas morreu". E Marvin Gaye e os Chash e os Cure e os Smiths...

Hoje, ao tropeçar numa dessas canções, lembrei-me de "A vida cheia de som & fúria", adaptação de Alta Fidelidade, de Nick Hornby, encenada por Filipe Hirsh, da Subtil Companhia de Teatro de Curitiba, apresentada no Teatro Nacional S. João, no Porto, em Maio de 2004. "Som & Fúria" era um patchwork sonoro a dizer que a angústia não acaba quando se entra na idade adulta. Porque não há manuais para aprender a perder alguém. Porque não há poesia sem angústia.

"No momento em que olhei para o relógio percebi que, a partir daquele momento, a minha vida dividir-se-ia entre o antes e o depois do momento em que ela me deixou", confessava, na peça, o DJ Rob Fleming (numa mais do que perfeita interpretação de Guilherme Weber), abandonado pelo menos seis vezes. Alison, Penny, Jacky, Charlie e Sarah. As mulheres que lhe haviam destruído a vida. E Laura, que insistia em ir... e voltar. "Estou demasiado cansada para te deixar", explicou numa das vezes em que voltou. E o regresso sabia a desistência. Dela? Do amor? Não se percebia. Entrava então Costello a perguntar: O que pode correr mal se um dia ficares feliz?

Do melhor teatro contemporâneo do Brasil, dos tempos em que o Porto fazia parte desse roteiro, Filipe Hirsh transformou uma peça sobre "a geração das 501 e das DcMarteens" num concerto de bar clandestino. Com droga, sexo e suicídios. "As pessoas preocupam-se com a influência que os filmes violentos e as séries de televisão têm nas crianças, mas ninguém se preocupa com a juventude que passa o tempo todo a ouvir músicas tristes." Diz quem sabe. Rob Fleming.

sábado, maio 08, 2010

We don't bleed when we don't fight

A melhor banda do mundo*



"Os fãs dos National são parecidos com os National: gente da classe média, média alta, angustiada com as suas banalidades, fechada sobre a sua cabeça, gente tímida capaz de irrupções psicóticas ou de manifestações de exibicionismo ou decadência a milhas do seu comportamento normal. Frígidos emocionais capazes de um grande coração. Não há como não gostar deles.

(...) Todos os discos dos National são uma variação ad infinitum sobre aquilo a que poderíamos chamar os indiferenciados: gente que se destaca pela sua absoluta falta de destaque, gente que não hesita em hesitar, que caminha passo firme para o tropeção, gente desconfortável com a sua temperatura, que não suporta o pouco peso que tem na vida dos outros.

(...) O discurso dos National é o da dúvida incessante, da culpa e do horror à culpa, do questionamento constante da ideia de identidade, do desdobramento constante das encruzilhadas que se apresentam ao ser humano. Eles não fazem as meninas tirar as cuecas e os meninos tomar drogas. Eles fazem as mulheres divorciar-se e os homens irem à farmácia buscar medicamentos. Pela simples razão de nunca ninguém no rock ter pensado tanto e de forma tão apelativa como Matt Berninger.

Os National são assunto de gente grande. É a diferença entre um tipo sentir-se um super-homem porque toma a droga X, ou aguentar as angústias e calar porque tem crianças para tratar. E isso sim, é perigoso, e agora sim, há perigo numa guitarra eléctrica."

[Título e excerto das seis páginas escritas por João Bonifácio, genial como sempre, ontem, no Ípsilon.]

sexta-feira, maio 07, 2010

Primeiro aniversário do I

[Primeira capa do I]
O dia em que o I nasceu soube-me assim. Desdenhei. Não parecia dispensar-me da compra de outros jornais. O dia em que o I celebrou 100 dias soube-me assim. A história de amor. A fidelidade. O dia em que o I celebra um ano sabe-me a fim de festa. Já fomos muito felizes juntos. Muito mesmo. Mas sem Martim Avillez e sem dinheiro, com uma administração que não sabe se quer o jornal ou se o irá vender, com as óbvias repercussões que isso tem na equipa e no produto final, dificilmente voltará a haver prémios. Suponho que o I viva bem sem prémios, nós é que viveremos pior se o jornal desaparecer.

Filipa Melo: Este é o meu corpo


Poderá um médico legista apaixonar-se pelo dono de um corpo que lentamente vai desmontando para lhe amputar os segredos? Pela pele que descola como se fosse um coelho, pelos órgãos que corta às rodelas como laranjas, pelos negros e longos fios de cabelo que vai minuciosamente colocando no interior de um saco?

Está longe de ser um romance mórbido aquele que marcou, em 2001, a incursão de Filipa Melo pelo romance; mas é um livro que sangra a meio caminho entre a vida e a morte. E sangra porque a história é segura. Desfia os sentimentos provocados pelas várias formas de morrer, sendo que o corpo acaba invariavelmente numa sala de autópsias para a confissão final do defunto, a inescapável e muda confissão, enquanto alguém aprende a viver sem o dono desse corpo. Porque a escrita é absolutamente virtuosa. Aqui e ali emergem descrições tão detalhadas que sugerem imagens rigorosas do interior do corpo humano - sendo científicas, não perdem a intensidade que lhes confere humanidade: o coração do tamanho de um pulso, o cérebro da mulher mais pesado que o do homem... E porque a discreta estrutura que o suporta continua, apesar de tudo, a ser singular.

A história podia ler-se alternadamente - primeiro os capítulos ímpar, depois os par -, porque a escritora introduziu compassos temporais perfeitos: a vida de um lado; a morte do outro. A vida. O neto de António Cernelha dos Santos que acaba de nascer ("O ar a entrar nos pulmões e a vida já a explodir de lá de dentro envolta em golgadas de sangue e muco"); a trivialidade do quotidiano de cada um ("Há muito que aprendo que é em pequenos gestos repartidos por cada dia que permanecemos inteiros, que evitamos desfazer-nos em pedaços."). A morte. A aprendizagem da ausência das pessoas que amámos e que não voltaremos a ver senão em conversas e deambulações interiores. "Todas as mortes são violentas. Sobretudo para os que cá ficam". O rapto dos recados dos mortos num instituto de medicina legal. "Seguro-te nas minhas mãos. Tudo o que foste está aqui. Todos os risos, todas as dores, todos os gestos."

Há cheiros neste livro. É possível senti-los. Tal como a estranheza peganhenta do pacto de lealdade entre um médico e uma defunta. Um confessa-se com palavras; o outro com o corpo. "Serei eu, um homem que não escolheste, quem melhor te conhece por dentro. Sinto-me como um amante desejoso de fazer promessas. Quero dizer-te que respeitarei o que não quiseres contar-me..." É uma espécie de pingue-pongue entre os infortúnios da vida e os desígnios da morte. Sendo que ambos se abraçam. No fim. "Uma autópsia é como um nascimento: nunca se repete."

Filipa Melo nunca mais publicou nada. E eu queria tanto, mas tanto que ela voltasse aqui.

quinta-feira, maio 06, 2010

Local Geographic by Rui Horta

[As lágrimas de Saladino]

É uma metáfora sobre a perda. E, ao mesmo tempo, uma grande homenagem ao Alentejo. Àquela paisagem e àquelas pessoas. É Rui Horta quem o diz. Sobre Local Geographic, a coreografia que completa a trilogia que criou para o Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Estreia marcada para a próxima terça-feira, dia 11.

A peça, explica, "é uma reflexão sobre a identidade, o estudo de uma geografia pessoal que usa o corpo como ferramenta de descoberta do mundo. É uma obra sobre a importância de nos perdermos. De fazermos da perda um método, sobretudo quando a experiência de vida tende a tornar-se um peso que nos leva a não arriscar. Aqui, a perda é usada como método. Porque a melhor maneira de nos encontrarmos é perdendo-nos. É um discurso sobre a busca da identidade na fronteira da ironia."

Local Geographic completa um ciclo iniciado em Outubro de 2009 com "Talk Show", descrito como um road movie do corpo, o que sobra quando o tempo passa e ele desaparece e, já este ano, com "As Lágrimas de Saladino", sobre a ética e a compaixão do uso do poder. No trabalho de Rui Horta as coreografias são sempre sobre a inquietação.
Local Geographic
Na sala de ensaio do CCB, Lisboa, de 11 a 16 de Maio
Coreografia, direcção, conceito visual e luzes: Rui Horta; Interpretação: Anton Skrypiciel; Compositor: Tiago Cerqueira; actor e encenador: Tiago Rodrigues; designer de multimédia: Guilherme Martins

terça-feira, maio 04, 2010

Inês de Medeiros apeada

O problema não é Inês de Medeiros ter aceitado o convite para ser deputada em Portugal, residindo em Paris. Primeiro, sem saber se teria direito às deslocações; depois, dizendo que aceitaria qualquer que fosse a resposta do Parlamento à sua solicitação de esclarecimento; recentemente, aceitando o subsídio, que parecia ser claramente um regime de excepção; e finalmente, abdicando afinal do direito ao subsídio, custeando a própria as despesas de viagem.

O problema não é se a referida despesa representa uma migalha ou uma montanha no orçamento do Parlamento. Seriam cerca de cinco mil euros mensais. Representa pouco no bolo, como se sabe, e há viagens outras (e fossem só as viagens...), de todos os deputados de todos os partidos que, se conhecidas fossem, suscitariam choque muito maior no povo - e um rombo mais significativo no bolso do Parlamento.

O problema, no limite, nem é a actriz, agora deputada e vice-presidente da bancada socialista, ter aceite exercer o seu direito de cidadania neste país, tendo escolhido outro para viver, o que não deixa de ser vagamente esquizofrénico, mas tudo bem. O problema não é sequer não se perceber ao certo qual é a mais-valia que ela traz consigo. Não pode ser a bagagem cultural, que o PS tem passado alegremente ao lado da cultura. Nem o seu glorioso passado político, que a estreia ao lado de Vital Moreira nas europeias não é de boa memória. Mas o que a traz ou o que acrescenta é indiferente num país cuja radiografia ao cérebro dos deputados deixar-nos-ia a todos deprimidos e a ela, por comparação, provavelmente muito bem cotada.

O problema não é Inês de Medeiros. Não é Inês de Medeiros que, ainda por cima, ao abdicar do dinheiro sai razoavelmente bem da história. Ou tão bem quanto é possível sair no varrer dos cacos. Daqui a um ano já ninguém se lembra e quem se lembrar não a poderá acusar de ter sido beneficiada.

O problema, claro, é o Partido Socialista! O que o PS fez foi o equivalente a comprar casa sem saber que a partir de determinado montante, teria de pagar IMI a vida toda. Sem isenção nos primeiros anos, sem isenção depois da eventual hipoteca paga. Sem regime de excepção que lhe valha. Comprar casa sem saber se poderia suportar o IMI. O que o PS fez foi dar o pior dos exemplos num país onde o cliché da mulher de César - não basta ser sério; é preciso parecer sério - tem aplicação científica. E a defesa da dama, em textos publicados no Público - Francisco Assis há dois ou três dias e Vital Moreira hoje -, só veio piorar o cenário. Porque não há desculpa possível para um episódio destes, mesmo que ele se preste a aproveitamento barato por parte da oposição. Como se explica a um eleitorado pobre e desempregado que cinco mil euros é uma ninharia?

Pior do que tudo, ainda ninguém disse se é o PS que vai custear as despesas de Inês de Medeiros. Provavelmente é. E o que o partido faz ao dinheiro é lá com ele. Mas não seria mais decente se o dissesse já?!

domingo, maio 02, 2010

Mar é roleta russa


O mar é uma roleta russa, um jogo de azar, espécie de suicídio encomendado. É colocar uma só bala no tambor de uma arma de seis tiros, fechar o tambor, girá-lo até perder a localização da bala, apontar a arma à cabeça e depois disparar. É uma hipótese em seis de morrer. Parece pouco; é muito. Em Portugal, desde Janeiro, já morreram 13 pescadores – é uma morte a cada duas semanas.

A vida dos homens do mar é essa incerteza ditada pela roleta: às vezes morrem; às vezes sobrevivem. Cada faina é uma rodada nesse jogo que a lenda enaltece como exemplo de bravura e coragem. Pescar todos os dias durante uma vida inteira, torneando o mar e o medo, é justamente isso: bravo e corajoso. Mas sobreviver, contra tantas evidências em sentido contrário, será um mistério muito maior.

Assistir a esse exemplo de perto, dentro de uma embarcação, não é experiência que deixe a salivar pela repetição. Mas foi essa viagem que testemunhámos uma semana antes do acidente que na última quinta-feira voltou a roubar a vida a dois pescadores das Caxinas. O barco, menos de dez metros, que habitualmente leva dois homens, alojou cinco: dois pescadores, dois repórteres e o mestre José Festas, presidente da Associação para a Segurança dos Homens do Mar. “Anjo da guarda nos guie”, o nome do barco de madeira. A motor.

Perto da meia-noite, a noite era de trovoada. Supunha a ignorância o cancelamento da pesca. Cinco horas depois, ainda noite cerrada, na zona piscatória da Apúlia, em Esposende, Júlio Ferreira, o mestre, e António Marques, o tripulante, riam da hipótese aventada. “Não deixamos de ir para o mar só porque o mar está mau”, dizia um, os dois num vaivém constante: preparar baldes, cestos, sacos, oleados, ferramentas, cordas, colocar tudo no “anjo” é tarefa que leva tempo. Para eles, o dia começa às três, quatro horas da madrugada.

Às cinco, a tempestade já passou. Mas a saída ainda parece perigosa. Para inexperientes. Atravessar às escuras a zona da praia, onde rebentam as ondas, pode impressionar. Todos, menos os pescadores, habituados a equilibrarem-se em mar alto como em terra firme. “Quando o mar está bravo é preciso esperar pelo dia para ver melhor. Mas hoje o mar está bom, não vai custar nada. A chegada, vão ver, é mais brusca do que a partida”, avisa António, 40 anos de idade, 30 de mar. “Quem nasce no mar está sempre à vontade, é como se estivesse em terra”.

Palavra de pescador é palavra de escuteiro. A pouco mais de uma milha da costa, Júlio, homem de poucas palavras, um gigante de quase dois metros, idade de Cristo e 22 de mar, desliga o motor da embarcação. Silêncio absoluto. Confirma-se: mar manso, sem nervos, a exalar o cheiro imaginado a algas, a sal, a peixe. Mar de um azul escuro de onde só sobressaem, ao longe, as luzes de outros barcos. Passa pouco das seis horas. Frio ameno, suportável.

Para estreantes, ergue-se outro desafio: não enjoar naquela dança lenta das águas. E esperar que o truque de fixar um ponto no vazio funcione como bálsamo. Truque que os pescadores não podem usar, porque não têm tempo para se entregar à contemplação. Mal o barco estaciona naquele infinito sem chão, o barco já com dois dedos de água dentro, os homens inauguram um frenético exercício de braços sem nunca parar para descansar: colocar ferros na embarcação, lançar cordas, puxar cordas, prender cordas, abrir cestas (chamam-lhe mijonas ou cobres), lançá-las, recolhê-las, fechá-las, as mãos no ar como um arco sempre a balançar entre a esquerda e a direita. Exercício ininterrupto. Pode chegar a demorar quatro horas. E demorou.

António, que já andou pelo mar de Espanha, de Marrocos, da Irlanda, de Inglaterra, ainda tenta usar colete insuflável, o mesmo que o governo português quer agora tornar obrigatório. Mas desiste logo a seguir. “É impossível trabalhar assim, não me deixa fazer os movimentos que preciso”, explica enquanto só com uma mão agarra um polvo, que golpeia com outra. O colete “pega, engata, atrapalha” mais do que ajuda, que o homem não pára de mexer, de se debruçar sobre o barco, de executar mil tarefas por minuto, coreografia ensaiada ao milímetro. É o ensaio da experiência.

E é a falta dela, dessa experiência, que Júlio Ferreira, a usar fato insuflável, lamenta na resolução governativa: “Nunca ninguém falou connosco, ninguém veio ver como é que se faz. Se tivessem vindo, perceberiam que com o fato trabalha-se à vontade, porque não prende. E se a gente, por qualquer razão cair ao mar, fica a boiar."

O dia nasce em câmara lenta, entre as sete e as oito horas, e com ele chegam as gaivotas. A pesca ganha banda sonora. O céu muda de cor, colado ao mar é uma aguarela azul e verde a desbotar. É absolutamente poético, mas só para quem não depende da generosidade do mar, do que ele dá – e do que ele tira. Nas Caxinas, mais de 70% da população vive disso. O Norte todo alberga cerca sete mil pescadores. A lei diz que só podem lançar 200 cestas e 50 redes por cada pesca; eles lançam mais. “Temos de fugir à lei se não não ganhamos para os gastos do dia-a-dia”, confessa mestre Júlio. Quer pesque muito ou pouco ou nada, de cada vez que vai ao mar gasta sempre 100 euros distribuídos por gasolina, iscas e salário diário do tripulante.

Nesta viagem, alou, claro, mais de 200 mijonas. Conseguiu cabaz e meio de polvo e meia dúzia de navalheiras. “Não é bom, não é mau, é o que é”, diz sem desgosto nem entusiasmo.

São quase dez horas quando se regressa à Apúlia, o sol ainda mal aquece e o dia deles, de Júlio e António, já poderia estar ganho. Mas não está. Largam o peixe na praça onde as mulheres já montaram a banca, mulheres que já não vestem de negros, que os tempos são outros, e o peixe não preenche os espaços da bancada. Eles voltam para o mar, repetem tudo outra vez.

Roleta russa. Risco desajustado, muito perigo, demasiado esforço para tão pouco lucro às vezes. Ainda por cima, “o peixe está mais barato do que há dez anos”.A chegada, avisava António, é mais brusca do que a partida. É pior. O barco empina-se todo para dar uma chapada na areia.

sexta-feira, abril 30, 2010

TS Eliot

[Foto: Guillaume Pazat]

"We die with the dying
See, they depart, and we go with them.
We are born with the dead:
See, they return, and bring us with them."

Dying Young



Once a year I remember this movie... Every year... 12 years ago...

quarta-feira, abril 28, 2010

domingo, abril 25, 2010

Porto: a prima freak do país

O Porto é Contemporâneo. É Arquitectura. É o Siza Vieira e o Souto Moura, o Soutinho e o Távora. A famosíssima faculdade de vanguarda, também nas Belas Artes. O Porto é Arte. É Serralves, a singular Bombarda, a Árvore. Era os Ateliers da Lada. O Porto era um Instituto Português de Fotografia com uma Teresa Siza lá dentro. O Porto é Moda. O Buchinho e o Baltazar, a Gambina e a Xiomara. É o Citex, a escola de referência. O Porto é Música. A Casa inventada por Pedro Burmester e magnificamente desenhada por Rem Kolhaas, a Orquestra Nacional e o Remix Ensemble.

O Porto é Teatro - e era teatro. Era a cidade com mais companhias por metro quadrado, tantas e tantas saudades: do Plástico, do Só, do Ferro, das Boas Raparigas, do Pé de Vento, da Visões Úteis, do Bruto. O Porto era um Teatro Municipal Rivoli, antes de o Rivoli ser o Teatro Privado La Féria. Era um Rivoli com dança contemporânea, com novo circo, com teatro independente, com tudo o que era experimental. O Porto era Isabel Alves Costa, que o dirigiu e inventou o festival de marionetas. O Porto é um Teatro Nacional São João (que já teve um Ricardo Pais, o que faz toda a diferença) e um Teatro Carlos Alberto (que já teve um Nuno Cardoso, o que também faz diferença). É um resistente Teatro do Bolhão.

O Porto é pouco Cinema e continua sem cinemateca, vá lá perceber-se porquê. É Manoel de Oliveira sem casa, que a casa do cineasta foi abandonada antes de ter sido sequer inaugurada. É agora um esforçado Nun'Álvares. É o Fantas e, ao lado, as Curtas de Vila de Conde. O Porto é a Universidade, a maior do país - em número de alunos, de faculdades, de cursos. O Porto é Ciência. É um notabilíssimo IPATIMUP, um insubstituível Sobrinho Simões.

O Porto é uma inesgotável vida nocturna, cujo parto demorou seguramente mais de nove meses, mas que agora parece existir desde sempre. É o Passos Manuel, o melhor bar do mundo e os outros 500 que abriram entretanto. O Porto, não me lixem, também é o grande FCP!

O Porto era A Cidade!

Há dez anos, o Porto era definitivamente A Cidade. Mais do que apetecível. E confortável. A cidade que sabia e antecipava a cultura do mundo. E crescia. A cidade onde tudo era possível. Onde era bom trabalhar, melhor viver. A cidade de mil intercâmbios. A cidade criativa, tem razão Cavaco Silva. Hoje, o Porto é a prima freak do país. A prima a quem todos acham graça, com quem é bom partilhar uns dias, mas a quem ninguém inveja a vida. A prima criativa, louca, resistente, sim Cavaco, mas a prima pobre. Sem perspectivas, sabe-se lá com que futuro. Hoje, o Porto é a cidade de onde a maioria - não só os cérebros, cuja fuga Mariano Gago diz estar a travar - é obrigada a sair. Para os subúrbios. Para Lisboa. Ou para o mundo. Para não morrer. Em 2009, a fuga foi a um ritmo de 16 por dia! São mais de 20 mil desde 2001! Em 2008, o Porto era a cidade mais pobre da Península Ibérica e uma das mais pobres da União Europeia. O distrito concentrava, sozinho, 45% dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção. E o cenário não há-de ter melhorado.

O primeiro e rude golpe foi dado logo justamente no fim de 2001, quando Rui Rio chegou ao poder e decidiu cortar, se bem me lembro, 60% no orçamento para a Cultura. "Quando ouço falar de cultura, puxo logo da máquina de calcular", disse. Foi o princípio do fim, embora obviamente nem tudo o que depois se seguiu seja culpa dele. Mas o verbo Ser no pretérito imperfeito deve-lhe muito. Já a cidade que agora começa a renascer - e é bom que se diga isto - deve muito pouco, muito pouco mesmo, se não mesmo nada, a este presidente de Câmara. E tudo o que a cidade tem de bom não compensa o que tem de mau - a falta de emprego ou de empregos melhores. Ficar é quase uma acto suicida!

Por tudo isto, o discurso de Cavaco Silva, hoje, não poderia ter sido mais intrigante. O Porto metido ali a despropósito no discurso do 25 de Abril. Não sei se percebi. Foi um alerta sobre o hiperbólico centralismo que existe neste país?! A denúncia de que tudo o que não é Lisboa é periférico?! Foi a tentação de citar o exemplo de uma cidade que, tal como o país, "acumula dúvidas sobre o futuro", muitas, mas mantém-se como "pólo internacional de criatividade e conhecimento"?

Disse o Presidente da República que no Porto existe "muito do melhor que Portugal fez nas últimas décadas". Que o Porto é "uma cidade que dispõe de todas as condições para ser um pólo aglutinador de novas indústrias criativas", nomeadamente ligadas à moda, design, cinema, teatro, informática e à comunicação. Que uma "aposta forte dos poderes públicos, conjugada com a capacidade já demonstrada pela sociedade civil relativamente a projectos culturais de referência, poderão fazer do Porto e do Norte uma grande região criativa, sinónimo de talento, de excelência e de inovação". Terminou dizendo que "só falta mobilizar esforços para transformar o Porto e o Norte numa grande região europeia vocacionada para a economia criativa e fazer desse objectivo uma prioridade da agenda política".

O problema é que no Porto, no Norte, há muita sociedade civil e muito pouca aposta dos poderes públicos. O problema é que todos os discursos inconsequentes são ridículos. E por muito que doa a quem cá está, é demasiado fácil adivinhar o futuro. O desenvolvimento do Porto não fará parte da agenda política. O Porto é hoje a cidade solitária que ninguém gostaria de deixar... se fosse possível não a deixar.

sábado, abril 24, 2010

Imprensa a criar excêntricos todos os fins-de-semana

"Talvez seja este o segredo da nossa coesão e do facto de sermos uma das nações mais antigas do mundo: só nos interessamos verdadeiramente por nós próprios e a única voz que ouvimos é a nossa, que nos deve soar a todos como uma ária de Puccini cantada por Maria Callas. Como nos filmes passados nos hospitais psiquiátricos, cada um de nós rala-se consigo e com as suas manias. Com a diferença de que não temos o talento do Jack Nicholson e que não há uma médica gira que se interessa pelo nosso caso e não só nos tira dali como acaba por ir para a cama connosco."
Pedro Boucherie Mendes, na estreia da Index, no I

"Os deputados polícias vieram para ficar e com eles as investigações parajudicias, sem meios, sem formação, sem possibilidade de defesa, tudo servido em directo online. Onde antes havia actividade legislativa e se fiscalizava a acção do governo, temos agora o milagre da multiplicação da Comissões Parlamentares de Inquérito e a verdade apurada na confrontação entre notícias de jornais. "
Pedro Adão e Silva, no I

"Só um lírico ou um opositor primário de Sócrates podia achar que a comissão corria da nascente à foz com a oposição a marcar o ritmo. Uma comissão de inquérito em que o primeiro-ministro está potencialmente em xeque? Isso não acontece em nenhum sítio do mundo. Como diria Scolari, esta é uma comissão de mata-mata! Ou se mata ou se morre. O PSD ficou escandalizado com o silêncio de Rui Pedro Soares, mas quer chamar o procurador do caso Face Oculta, como se isso fosse habitual. Não é. São duas faces da mesma moeda. Numa comissão destas vale tudo e vai valer tudo."
Ricardo Costa, no Expresso

"O primeiro-ministro foi inocentado com uma declaração de Rui Pedro Soares que só convence quem se deseja convencer. Mas ao admitir ter usado o nome do primeiro-ministro de forma abusiva, interessa perguntar que atitude tomará Sócrates perante um alto administrador do Estado que anda por aí a usar o seu nome em negociações sortidas. O silêncio de Sócrates será bem pior do que o silêncio do seu fiel amigo."
João Pereira Coutinho, no Correio da Manhã

"Portugal chegou ao 25 de Abril sem uma verdadeira revolução industrial e sem uma verdadeira revolução burguesa. O liberalismo, político ou económico, nunca passou de uma ideologia minoritária, estranha a uma sociedade, no fundo, camponesa e a uma classe média, dependente de um Estado hiperatrofiado e centralizador. Esperar que o dinheiro da Europa, a política do betão, o ensino de massas e as privatizações conseguissem o milagre de a modernizar não passou de uma ilusão e de um erro. Quando se raspa o «o novo português» que o dr. Cavaco tanto contribui para fazer, o que fica é o português indigente e finório, à procura de um «bom negócio». O défice e a dívida, que nos perseguem desde o século XIX, não reaperecem por acaso."
Vasco Pulido Valente, no Público

"A política de restauração de Bento XVI falhou. Todas as suas espetaculares aparições, viagens de exibição e declarações públicas falharam, não influenciando as opiniões da maioria dos católicos em assuntos controversos. Isto é especialmente verdade no tocante a matérias de moral sexual."
Hans Kung, antigo colega de Ratzinger, no P2, em carta aberta directa às feridas

"Simon Johnson é uma alimária. Comparar a situação portuguesa à da Argentina quando faliu em 2001, não é só de mau gosto: é de profunda ignorância. O ex-director do FMI faz parte daquele grupo norte-americano que nunca conseguiu aceitar a afirmação internacional do euro, que se tornou em pouco tempo uma importante moeda de pagamento a nível internacional, ombreando com o dólar - e que o quer atacar a partir dos seus elos mais fracos . (...) O que está em causa não é a Grécia ou Portugal, mas o euro. É a moeda única que está a ser fortissimamente atacada por uma conjugação de interesses anglo-saxónicos amalgamada entre os que querem que o euro impluda e os fundos de investimento de risco, que pretendem ganhar muito dinheiro á custa da desgraça dos outros."
Nicolau Santos, no caderno de Economia do Expresso

"Que um Parlamento aceite ter uma deputada (Inês de Medeiros) por Lisboa a residir em Paris já é coisa bizarra. Que, uma vez confrontado com a situação de facto, se disponha a subsidiar-lhe viagens semanais em executiva é grosso despautério. Que o PS considere este procedimento razoável, em vez de assumir as despesas da sua deputada parisiense, esse é o mais confrangedor dos sinais."
Fernando Madrinha, no Expresso

quinta-feira, abril 22, 2010

Maybe someday when we're both looking out the window, we'll find each other.


Entraram como um ariete pelo peito um do outro. Foram a Viena ver o Klimt, porque ela gostava muito. Do beijo dele também. A Amesterdão ver o Van Gogh, os girassóis todos. Foram apanhar vento à Ericeira, ao Alentejo contar estrelas. Foram a Roma colocar um cadeado num candelabro. Juras de amor, como os adolescentes. E à Tailândia pedir a Buda para ser para sempre. Voaram para os Açores, aterraram numa casa no Pico em frente ao mar, amaram mil vezes por dia. Leram poesia em voz alta no colo um do outro. E foram a Londres e a Paris. E à Índia. Porque o que queriam era viajar juntos. Deram a volta ao mundo em muito menos de 80 dias. Mas de mãos dadas. Estavam nas nuvens, não olhavam para baixo, nada os faria cair. E sorriam, sorriam sempre, sorrisos tontos, patetas, apaixonados.

Ouviam Malher e Mozart. E cantavam um para o outro. Peter Murphy a confessar: with one look i was yours. Macy Gray a confirmar: i believe that fate has brought us here, and we should be together. Ressuscitavam a Cassia Eller: quero poder jurar que essa paixão jamais será apenas palavras. Leram juntos Camus e Stendhal, Roth e Seth. Colocaram os poetas todos ao serviço daquela paixão que os consumia imprudentemente, porque a prudência, dizia ele, é para os maricas: o Eugénio e a Sophia, o Herberto e o Belo. Ignoravam as incompatibilidades, viam futebol juntos e cinema quase mudo. O do Oriente, o mais belo. Assistiam ao silêncio e ao pôr-do-sol. E tagarelavam sobre tudo. Falavam de lealdade com vaidade, com verdade construíam cumplicidade. Uma ilha. E trocavam fotografias. De tangerinas, de rebuçados, de flores. De corpos nus. Os deles. Fotografias que viam de meia em meia hora. Às vezes, de três em três minutos. Completa, absoluta e radicalmente apaixonados.

E quando não estavam juntos, acordavam a dedilhar os lençóis da cama onde o outro não estava. Esperavam que a noite de ausência acabasse depressa. Desesperavam de saudades. De urgência um do outro. Tinham ataques de ansiedade. Entravam em síndrome de abstinência. Ela acordava de hora a hora a empurrar as horas para ser dia. E de hora a hora, quase sempre encontrava sinais dele. E o dia só começava quando ambos, onde quer que estivessem, acordavam. Ele escolhia os boxers a pensar nela. Ela escolhia tudo a pensar nele. Como um vício, como uma febre dos fenos, com loucura. Parecia tarde para voltarem atrás. Era tarde. Para quase tudo. Também para andarem para a frente. Mas essa fronteira ainda era desconhecida, rejeitada pela pele.

Ele comia ostras como se lhe saboreasse o sexo. Devagar. Ela engolia o vinho como se lhe sugasse o veneno. Depressa. Fósforo e lixa. Tempestade tropical. Corriam na chuva quente, mão na mão, ela encharcada, ele beijava-lhe a face molhada, o corpo molhado. A tremer, a rebentar de desejo. Levantava-lhe o vestido, faziam amor ali, onde calhava. No sofá, no chão, à lareira. A meio da noite. Até ser dia. Deitavam-se na praia, o sol por trás das costas dela enquanto ele a penetrava uma e outra vez. Em câmara lenta. Ela era a cinderela, a princesa, a mulher da vida dele. Ele era o super-herói, o cavaleiro branco, o homem da vida dela. A cereja e o esquilo. Ela pedia-lhe cautela com as palavras. Ele dizia-se acautelado. Escreveram um livro inteiro só com declarações de amor definitivo. Estou apaixonada como poucas vezes na vida, ela. Nunca amei uma mulher como te amo a ti, ele.

Os pés que prometeram manter colados ao chão com cimento ganhavam asas, ficavam leves como plumas, planavam. Nascia-lhes um sentimento de pertença, delicioso e quente, ridículo e injustificado. Não eram um do outro. Ele beijava-a ininterruptamente nos olhos para que os olhos não abrissem, não vissem, cegava-a para que não acordassem daquele sonho. Dizia-lhe que não era preciso saberem todos os nomes de todas as coisas para saberem que nunca mais iriam separar-se. Queriam ter duas vidas, sete como os gatos, mil como os deuses. Uma só não chegava para o tanto que tinham para dar.

Abraçaram-se pela primeira vez na praça de Moscovo. Aquele abraço mudo, inadiável, tão forte, tão sentido. Perfeito. O abraço que muda uma vida. O cheiro fundido, o coração de um a bater no peito do outro. Um hálito a terramoto. E depois os mesmos braços, nus, entrelaçados até às pernas, reflectidos no espelho. Os corpos embaciados, cansados, aturdidos, felizes das voltas na montanha russa. De tocar como se fosse a primeira vez, a última vez, a única vez.

Descobriam-se com alegria e com medo. De se terem e se perderem. Ela queria esquecê-lo desde o início, antes que perdê-lo pudesse doer. Ele dizia-lhe que ia fazer tudo todos os dias para que ela fracassasse nesse esquecimento. Um dia, ela escreveu-lhe uma carta de despedida. Ele não a recebeu, mas acordou a chorar. Não vás embora, pediu-lhe. Morreria se não tivesse rasgado a carta, respondeu-lhe ela, ensinada por ele a perder o medo e a guardar só a alegria. De se terem. Não iam perder-se. Não iam. Não podiam.

A que horas se transforma a carruagem de volta em abóbora?

Cedo. Perderam-se.

quarta-feira, abril 21, 2010

Quem quer morrer de amor?

O amor para sempre, o amor maior, total, irreversível, o amor apaixonado é aquele que, depois de descoberto, não é vivido, não é sujeito à passagem do tempo, aos percalços do caminho, aos caminhos sem trilho. Embalsamando-o, congelando-o no momento daquela explosão inicial, a única em que se arriscam as maiores bebedeiras de palavras e promessas, nunca poderá desgastar-se, esmorecer, morrer. Desde a Idade Média que é assim, que o amor é tratado como coisa impossível, que fere, que mata. Coisa terrível o amor! Só sobrevive matando quem ama. Emoldurado no imaginário, a mais perigosa das prateleiras, porque se autosustenta, mesmo com mil evidências em sentido contrário.

Romeu e Julieta amavam-se - suicidaram-se; ele com veneno, ela com um punhal. Tristão e Isolda amavam-se - morreram; ele assassinado, ela de tristeza. Abelardo e Heloísa amavam-se - morreram apesar de continuarem a respirar; ele foi castrado, ela tornou-se freira. Inês e Pedro amavam-se - morreram; ela assassinada, ele juntou-se-lhe pouco depois. Dom Quixote e Dulcineia amavam-se; não morreram porque já estavam mortos, Dulcineia nunca existiu. Werther e Carlota amavam-se. Ou ele amava-a pelo menos, e suicidou-se. A lista é interminável e invariavelmente trágica. Todos se amavam perdidamente, loucamente e para sempre. E, no entanto, nunca nenhum experimentou o amor para lá do que ele tem de etéreo, de intangível, de desejo do que poderia ser. Porque o que realmente prende no amor grande é o que comove. E o que comove não é a felicidade; é a impossibilidade, a dor, a dificuldade, a interdição. É a saudade que nunca poderá cumprir-se. Porque o amor é sempre projecção, quase sempre de um ideal. Tem mais a ver com o sujeito que ama do que com o objecto amado. Por isso é que arrebata no início, no desconhecido, e não no meio, quando a realidade já desbotou as cores ao sonho.

Algum dia alguém terá coragem de dizer isto bem alto: séculos e séculos de lendas e mentiras na literatura privaram gerações inteiras da felicidade. O amor morre. Como tudo o resto. E morre quase sempre antes de quem amou. E a inevitabilidade da morte não lhe retira grandeza. Mesmo que morra pouco depois de ter nascido. O amor, a medir-se, não é no tempo que dura; é no que aconteceu enquanto durou. Talvez se as lendas fossem queimadas, abolidas de uma vez por todas, as pessoas deixassem definitivamente se tratar o Amor como uma SA que não pode falir e tem de dar lucro, aconteça o que acontecer. Mesmo se entretanto se esqueceram da razão pela qual a constituíram.

“Trocámos mais beijos do que palavras de sabedoria e cada vez mais minhas mãos buscavam seus seios em vez das páginas dos livros. E bem mais do que a escrita, nós líamos nossos olhos”. Abelairo.

terça-feira, abril 20, 2010

Sophia e Sena: Correspondência 1959/1978


Será terrivelmente injusto, mas li a correspondência entre a Sophia e o Sena quase com uma única imagem na cabeça: a imagem da banda desenhada de David Lynch - the angriest dog in the world. É a imagem que me fica do homem que escreveu: "É nesta mesma rua que eu ouço todos os sonhos passar desfeitos". A imagem de um homem que morreu de amor. Não por amor a uma mulher, mas a uma nação. Que o não amava. Portugal. E que ele não suportava, porque não aguentava viver sem a sua admiração, sem a sua aceitação. E sobretudo sem a sua ambição. E que o transformou num cão zangado, amargurado, insolente, insuflado. E exilado. Um homem em permanente conflito interno, desprovido de apetite por um país que não conseguia odiar em paz. E tal como nas vinhetas de Lynch, ao longo dos anos muda tudo, os refúgios e as funções, menos a sua ira, que será no fundo apenas um profundo desgosto. O desgosto de ter nascido cedo num país que o percebeu (?) tarde demais. E que o acorrentou numa raiva desmedida. Na solidão. E o matou. Tinha 59 anos.

Depois, essa imagem, quase tóxica, esbate-se, dilui-se, esboroa-se na luz quase auto-alheada das cartas-poesia de Sophia. O país não lhe passava ao lado, a mediocridade, sobretudo inter-pares, a pequenez, os espartilhos, "o deserto intelectual", nada do que afectava Sena a deixava a ela indiferente. Mas o olhar dela centrava-se, como toda a sua poesia ilustra, no que estava muito para lá ou acima disso. Dona de uma excepcional competência para se deixar encantar. Pelas árvores, pelo mar, pelo sol, pelas "pedras, pinhas, resinas, água e luz". Ninguém como ela consegue daquela forma dar cor às cidades, como se fossem aguarelas de palavras. A Atenas azul: "Foi como se eu me despedisse de todos os meus desencontros, todas as minhas feridas e acordasse no primeiro dia da criação num lugar desde sempre pressentido"; Berlim "de euforia luna-park"; Roma, "num misto de nostalgia e perfeição, numa beleza que tem dentro de si uma falha secreta"; Rio de Janeiro, "de madrugada roxa, o calor roxo, o perfume roxo da terra, fruta, flor", Nova Iorque, "irmã da imaginação".

A correspondência é um exercício sério de amizade. Eles lêem-se, criticam-se, discordam. E conspiram. E protegem-se. Sena não resiste ao permanente auto-elogio; ela entrega-se a uma discrição de uma elegância sem nome. E é também um íntimo exercício de saudade à prova de bolor. Sobre o retrato social, histórico e moral de um Portugal que percorre 19 anos, de 1959 a 1978, com uma revolução pelo meio, tenho algumas dúvidas. Com excepção das referências à PIDE, ou por isso mesmo, fica quase tudo por dizer.

segunda-feira, abril 19, 2010

O amor antes da maioridade XI

Nunca escrevi a ninguém que amasse dentro de um avião.
É como se fosses aqui.
Fiquei ciente de que és uma provocadora.
De que és boa em matemática.
E que me fazes falta...

Mais que tudo, a minha imagem de ti vem-me da tua escrita.
É o que tenho de mais nítido.
Em que te vejo menina ou mulher.
Em que tanto te aninhas no meu colo,
como me fazes perguntas duras como aço.
Depois, vejo os teus olhos.
Interrogativos.
Profundos,
capazes de ler muito para além do que digo.
A luz do sol bate neles e ficam doces da cor de mel.
E com água...
O teu cabelo,
a acender um pôr-do-sol onde quer que estejas.
A tua boca.
Os teus lábios à procura dos meus.
As tuas mãos. Adoro as tuas mãos.
Tens razão: tenho a mania das mãos e dos pés.

sexta-feira, abril 16, 2010

Ana Teresa Pereira: Se nos encontramos de novo


Mesmo quem nunca teve coragem para ler a Ana Karenine, saberá de cor a primeira frase dessa obra emblemática, dizem, de Tolstoi: "As famílias felizes parecem-se todas; as famílias infelizes são-no cada uma à sua maneira." Eu também ainda não tive coragem para ler o livro e também sei de cor a frase - e também a acho genial. Mas prefiro outros inícios. Prefiro os inícios, alguns, de Ana Teresa Pereira. Prefiro o início de "Se nos encontrarmos de novo": "Talvez seja possível amar uma mulher por causa de um livro, de um poema sublinhado, de um filme a preto e branco, de uma casa, do olhar de um homem quando fala dela, da forma como o seu cão a espera. Da reprodução de um Mondrian na parede da sala."

Mesmo quem nunca leu José Luís Peixoto e só consegue vagamente identificar-lhe a face, achou que podia escandalizar-se quando o primeiro-ministro deste país não reconheceu aquele que é hoje uma das mais cumpridas promessas da literatura portuguesa contemporânea. A pergunta dirigida por José Sócrates ao escritor na celebração dos cem dias deste Governo, em Fevereiro - "Como é que você disse que se chamava? Jorge?" - ficou quase tão célebre como algumas citações dos clássicos. Não reconhecer o rosto de um escritor tem muito que se lhe diga - mas pode dizer mais do escritor do que do leitor. Eu nunca saberia reconhecer Ana Teresa Pereira. Ignoro-lhe por completo a cara. E no entanto é isso, também, que ajuda a que essa mulher madeirense seja o misterioso e terrível fenómeno solar que é. Uma escritora com uma obra superlativamente bela de que só muito de vez em quando se ouve falar.

A sua obra é a história, quem sabe se autobiográfica, da alma. E é uma história de amor pela arte: Mondrian, Rothko, Bonnard, Rembradt, Rublev, Van Gogh, Monet, Degas, Ticiano, Turner, os impressionistas todos da pintura; Iris Murdoch em primeiríssimo lugar, mas também Henry James, Emily Bronte, Ibsen, Rupert Brooke, Rilke, Charles Dickens na literatura. Livros e quadros. Sempre. Bach, Mozart, Haydn, Pizzetti na música; Vincente Minnelli, Tarkovsky, Sokurov, Ingrid Bergman, Katherine Hepburn, Robert Mitchum no cinema. A lista é exaustiva, precisa, sugestiva, minuciosa.

"Se nos encontrarmos de novo" é isto tudo. Mas é mais. É uma história de Amor, claro. E da impossibilidade do amor. Ou do amor que nasce quando o resto morre. É sobre o que fazer com ele, com esse amor, quando tudo renasce. E ressuscita por causa dele. "Um amor que só precisa da presença do outro para existir". É uma história de demónios, de fantasmas, de monstros que amam demasiado para poderem ser santos, de medos expiados a meio da noite, no meio da praia, "com um mapa nos joelhos para não nos perdermos", de setas de papel enviadas para ninguém, "setas atiradas para afastar o medo", de torres, reinos, contos de fadas e castelos de areia. É cheio de contradições. Como a vida.

É sobre os encontros que nos mudam a existência. "Podemos chamar alguém com tanta força, mesmo sem o sabermos, que essa pessoa vem do outro lado do mundo ao nosso encontro. E a nossa vida é feita desses encontros." E de como ficam inacabados, incompletos. E como, se calhar, só podem fazer sentido porque ficam assim, interrompidos. É sobre o que continua depois de desaparecer. É sobre "morrer procurando". É sobre o primeiro amor ser o último. E o último o único. "Vivemos fechados no nosso mundo, e um dia descobrimos que existe mais alguém, é isso apaixonar-se, tomar consciência da realidade de alguém além de nós. Sair da caverna e descobrir o mundo". É sobre ter alguém à nossa espera quando se regressa do inferno. E isso ser um milagre. É sobre ter procurado alguém a vida inteira, amá-lo ainda antes de o ver e depois isso ser mesmo verdade, ele existir mesmo. "É uma coisa terrível cair nas mãos de um deus vivo". É sobre "as lágrimas das coisas", o sofrimento, a vulnerabilidade. O caminho, de que "o amor e a perda fazem parte".

Ashley e Byrne. Ashley e Tom. Ashley e Ed. Ashley e Kevin. Ashley e... É sobre o imenso labirinto até se encontrar a saída, quando há saída. "Todos os caminhos são caminhos solitários, todas as procuras são procuras solitárias. Mas há os encontros que temos ao longo do caminho, e esses encontros são fundamentais, podem fazer-nos ir mais longe. Podem fazer-nos perder o rumo."

"Seria quase um milagre estarem juntos outra vez, encontrarem-se de novo. Se nos encontrarmos de novo, disse Ashley para si mesma, então poderemos sorrir." Era um bilhete de despedida. É sobre ter valido a pena, mesmo quando já nada parecia valer nada. "Eu estou apaixonada, como se fosse o princípio de qualquer coisa. E pratiquei a morte todos os dias da minha vida. E todas as vidas ficam inacabadas."

"If we do meet again, why, we shall smile."
(Júlio César)

quinta-feira, abril 15, 2010

[Nan Goldin]
"Assim é a vida. É um rio de lágrimas, de brados, de mistério. A onda turva põe as mais fundas raízes à mostra, a torrente leva consigo de roldão a desgraça e o riso; sem cessar carreia este terriço humano para uma praia, onde as mãos esquálidas dos que sofreram encontram enfim a mão que os ampara, onde os olhos dos pobres, que se fartaram de chorar, ficam atónitos diante da madrugada eterna, onde todo o sonho se converte em realidade..."
Raul Brandão in Os Pobres

quarta-feira, abril 14, 2010

STUPID IS THE RELENTLESS PURSUIT OF A REGRET-FREE LIFE. The world is full of smart people. Ask around. There are all kinds of people doing all kinds of smart things with other smart people, each one smarter than the last. That is smart. WE'RE WITH STUPIDS. Smarts may have the brains, stupids has the balls. SMARTS MAY HAVE THE PLANS, BUT STUPIDS HAS THE STORIES. Smarts may have the autority, but stupid has once hell of a hangover. To be stupid is to be brave. When you risk something, that’s stupid. It’s not smart to take risks. It’s stupid. Stupid stands alone. Smart hides within the safety of huddled masses. The stupid aren’t afraid to fail. Why? Because they're stupid. Smart critiques, stupid creates. If you want to do something that’s never been done before, don’t go to the guy with the spreadsheet and the blueprints — go to the guy with the imagination and the weed. You can't out smart stupid. THE STUPID ARE THE ONLY ONES BRAVE ENOUGH TO DO WHAT NO ONE IN THEIR RIGHT MIND WOULD DO. THE STUPID, YOU SEE, KNOW THERE ARE WORSE THINGS THAN FAILURE — LIKE NOT EVEN TRYING. BUT TRY THEY DO,TALLYING UP THE IMPOSSIBLE ODDS AND GOING AHEAD AND DOING IT ANYWAY. STUPID IS THAT SOMETHING GREATER. Stupid is that uncertain thing that might go wrong still. Stupid is STORMING the Bastille and throwing open the jail cell doors. Stupid is the idea of networking every computer, everywhere. Stupid is hopping the night train to Prague with 17 Euros in your pocket. Stupid is actually going up and talking to that girl at the end of the bar rather than just talking to your buddy about how you should go talk to that girl at the end of the bar. Stupid is singing songs about Mordor. Stupid is jumping the Snake River Canyon on your glorifi ed crotch rocket. Stupid is deciding to drop out of university so that you better build shit in your parent’s garage. Stupid is still pursuing the electric car dream some 118 years later after it began. Stupid was the fi rst notion that maybe you didn’t have to paint things how they looked, but how they made you feel. Stupid was the idea of building a transcontinental railroad where no people, let alone towns, even existed. Stupid is wreaking havoc with your typeface to the point of illegibility. Stupid is the first guy who realized you could extract and synthesize the humble coca leaf in to a fine, white snortable powder. Stupid is concerning yourself with defending the innocent presumed guilty. Stupid was the very first realization of the bikini. Stupid was thinking beyond the position missionary. Stupid is setting boot to moon dust. Stupid is accepting the last-minute invitation out even though you could really use the sleep.

STUPID IS WHISTLING WHILE YOU WORK. Doing is deceptively simple: BEING STUPID MEANS LISTENING TO YOUR HEART VERSUS LISTENING TO YOUR HEAD. LISTENING TO YOUR HEART IS HARD. YOUR HEART SAYS ‘YES’ AND YOUR HEAD SAYS ‘NO.’ YOUR HEAD ALMOST ALWAYS SAYS ‘NO.’ Say ‘no’ and you stay in your climate-controlled, hermetically-sealed comfort zone full of hundreds of channels, none of them showing a damn thing good. Say ‘yes’ and you might have to actually get out there and do something. Only by ignoring the chorus of ‘don’t’s, ‘can’t’s and ‘won’t’s can you come up with something wholly and completely unique. Sometimes that’s just a wholly and completely unique way to fail, but at least it’s something. Getting your ass kicked by the tag team of trial and error? Now this way goodness lies. Happy Accidents. Unintentional Consequences. Penicillin. Put another way, if you succeed right out of the gate, you probably weren’t trying hard enough. If at first you don’t fail — try, try, try again. BECAUSE THE FACT IS, IF WE DIDN’T HAVE STUPID THOUGHTS WE’D HAVE NO INTERESTING THOUGHTS AT ALL. But don’t get us wrong: STUPID AIN’T DUMB.

We’re asking you to turn against all your pre-programmed, screaming DNA directs you to be. We get it. People have fear. People have fear for a reason. After all, being stupid isn’t all it’s cracked up to be. Not only is failure an option, it’s pretty much a given. Sucks for you. The trick is just not fearing it. Or fearing it, but not letting on that you’re absolutely, positively terrified. Like the way you do with scorpions and handles on public toilets. But sometimes the reason for that fear doesn’t always make sense – not when the reward is so great and the risk is so (relatively) small. Sure, you might get hurt. But you might not. Or you might get hurt and getting hurt might be the best thing that ever happened to you. Getting hurt just might be the thing that makes you gnash your teeth and gird your loins and do the heretofore undoable — fighting back against That Wretched Unknown. Only then will you discover that That Wretched Unknown often cowers like a pussy.

The next time you desire to act but there is that automatic, omnipresent and looming voice of self-doubt booming forth telling you, DO. “DON’T BE STUPID,” GET HURT. Enjoy a good fail now and again. Accept that there is no such thing as an original idea and then go inadvertently stumble upon some. BE STUPID!

terça-feira, abril 13, 2010

Casa vazia


Chegou a casa pouco depois do entardecer. A casa vazia, muda e às escuras. Tal e qual como ela se sentia: vazia, muda e às escuras. Sentia-se como se tivesse acabado de ser desalojada de um lugar do qual se apropriara indevidamente. E tinha. Apropriado e sido desalojada. Nova mensagem no telemóvel. Não, nada de especial. Mensagem a recordar o jantar, o mundo lá fora, a vida a continuar. Impossibilidade terrível uma vida que continua quando devia cessar. Pediu para começarem sem ela. E deixou-se cair na cama. Chorou até esgotar a última lágrima abraçada aos poemas. Releu todos outra vez, pela milésima vez, como quem ata uma corda áspera à garganta até perder o ar. Até deixar de doer. Não perdeu o ar e aquilo ainda lhe doía quando acordou. Tanto! Sabia lá que poderia ser assim tanto!... Ela não lhe entregara o corpo; consagrara-lhe o coração. E ele deixou-o cair.

segunda-feira, abril 12, 2010

sábado, abril 10, 2010

Han Suyin: A colina da saudade


"Era a pausa depois do amor. Estávamos estendidos entre as altas ervas, na encosta da colina, aquecidos por um generoso sol. O céu, por sobre as nossas cabeças, estendia-se até ao infinito. Rochas de granito, fetos e mirto anão por todos os lados nos envolviam. E o mar azul, enrugado, solitário, sem uma única vela na infindável tarde primaveril começava mesmo ali, no sopé da colina. Falávamos calmamente, libertos de nós próprios. Palavras prudentes, circunspectas. Falávamos daquilo que nesse momento não tinha poder para nos causar sofrimento. Lucidamente especulávamos sobre a ausência, sobre a nossa separação, sobre os nossos universos que se fragmentavam mais e mais. Em nossas vozes desincarnadas e calmas assumíamos a palavra que só emerge nos humanos após o amor.

«Pode ser que venha a escrever alguma coisa a teu respeito, mas não por agora. Neste momento a alegria que há dentro de mim é tão grande que me contento em vivê-la; o saber-te sempre presente em mim enche-me de alegria. Se tu me deixasses, então talvez, e mesmo por outra razão, talvez pudesse escrever um livro a teu respeito (...). Desenterrarei todas as minhas recordações, porque sou uma profanadora nata. E fá-lo-ei antes que o amor que te tenho desapareça tão inelutavelmente como a maré que deixa a praia molhada, juncada de inúteis destroços, antes que a natureza implacável feche a ferida que me tiveres feito e falsifique a emoção das palavras que tivermos pronunciado. Antes que me seja preciso reabrir as cicatrizes para fazer verter sangue, essas insensíveis cicatrizes da tristeza e da alegria. Contarei como nos amámos e como lutámos para não sermos destruídos pelos pequenos nadas da existência. E como ele nos destruíram e como nós os esquecemos. Tal como toda a gente. Porque somos, nem mais nem menos que quaisquer outros amantes efémeros e imperfeitos num mundo eternamente inconstante.»

«Que retórica!", disse Marco. «Achas então que os outros sentem na sua carne tanto prazer e tanta felicidade como nós? Pensas seriamente que um tal amor possa ter fim? Pois eu não, não creio.» E olhou à sua volta, como se procurasse confirmação. Mas nada havia senão mirtos, altas ervas, fetos, a encosta, o mar, e nós, dourados pelo sol que nos banhava.

«Querido amor, mesmo as horríveis gentes barrigudas deste mundo supõem amar como nós e também para sempre. Todos os amantes têm a mesma ilusão; supõem-se, a si, únicos e as suas palavras imortais.»

«Talvez não passe de uma ilusão», concordou Marco, «mas é a única verdade que tu e eu possuímos. Por conseguinte gozemo-la enquanto pudermos. Porque também pode ser, bem-amada, que tenhamos pouco tempo - muito pouco tempo - para nos amarmos.»

quarta-feira, abril 07, 2010

A lua

[Olivia Bee]


"Ontem a lua soltou-se, declinou e caiu fora do cenário - que perda incrível; parte-se-me o coração só de pensar nisso. Não há coisa alguma, na ordem dos ornamentos e decorações, comparável à sua beleza e acabamento. Devia estar mais bem presa. Se ao menos a pudéssemos ter de volta...

Mas claro que ninguém sabe para onde é que ela foi. Para além disso, quem quer que a apanhe esconde-a; sei-o porque é o que eu própria faria. Acho que sei ser honesta em todos os assuntos, mas já começo a perceber que o centro e o núcleo da minha natureza é o amor belo, a paixão do belo, e que não seria seguro confiarem-me a lua que pertencesse a outra pessoa, se essa pessoa não soubesse que eu a tinha.

Poderia desistir de uma lua que encontrasse à luz do dia, por causa do medo de que alguém me estivesse a observar; mas se a encontrasse no escuro, tenho a certeza que acharia algum tipo de justificação para não contar a ninguém. Porque eu amo luas, são tão bonitas e românticas. Oxalá tivéssemos cinco ou seis; nunca iria para a cama; nunca me cansaria de as mirar, deitadinha no musgo..."

Mark Twain in Os diários de Adão e Eva

terça-feira, abril 06, 2010

Stendhal: O vermelho e o negro

Ele bem dizia que seria compreendido em 1900! Em 1900, fim do século XIX?! Em 2010, em pleno século XXI! Dirá bem do livro, mas muito, muito mal de nós. "O vermelho e o negro" foi escrito há 180 anos; poderia ter sido escrito hoje de manhã. É o retrato fidelíssimo de uma sociedade cuja ambição, de tão cega, substitui as escadas pelo elevador. O retrato de uma sociedade separada por corredores intransponíveis, e cujas aparências são tudo, mesmo quando traídas pelo fervor da paixão. O livro de Henry Beyle, verdadeiro nome do senhor, não é sobre a sociedade parisiense; é sobre o mundo quase todo. O dito desenvolvido, pelo menos. Não chorei no fim, como me tinham garantido, porque desde o início não empatizei com Julien Sorel, mas, sem querer exagerar, este é bem capaz de ser um dos melhores livros que alguma vez li.

"Não é o amor que se encarrega da fortuna dos jovens dotados de talento como Julien; prendem-se com um abraço invencível a um grupo e, quando este triunfa, tudo o que há de bom na sociedade chove sobre ele. Desgraçado do homem de estudo que não pertence a grupo algum; censurar-lhe-ão até os pequenos êxitos bastante incertos, a alta virtude triunfará roubando-o. Senhor, um romance é um espelho que se passeia ao longo de uma estrada. Tão depressa reflecte aos nossos olhos o azul dos céus como a lama dos lamaçais da estrada. E o homem que leva o espelho no seu alforge será por vós acusado de ser imoral! O seu espelho reflecte a alma, e vós acusais o espelho. Acusai antes o caminho onde está o lamaçal, e mais ainda o inspector das estradas que deixa empoçar a água e formar o lamaçal..."

sábado, abril 03, 2010

Stuck


Esta rapariga anda zangada com o mundo. E, pelos vistos, sem dinheiro. Pôs-se a cantar para espantar os males. A música, Stuck, é de fugir. Mas a letra é de ficar. Um bocadinho, vá. E que não fosse! Lindsay Lohan, como se sabe, neste blogue, pode tudo. We love her!
I wasn't looking but I found you,
I wasn't ready but you got me anyway,
I wasn't looking but I had to
And now it seems like I can't never look away
I'm going down down down
I'm not myself when you are around
Not matter what I do
It's too fast, too slow
This won't last but I should go
But I can't help it
I can't, I am stuck stuck stuck
I can try to run but I am out of luck,
It doesn't matter where I go, I feel stuck,
Sticky fingers, sticky hands, sticky…
I'm stuck stuck stuck
And I ain't going I'm stuck
I didn't listen but I heard you
I wasn't there and yet you swept me off my feet
And there is no one I can turn to
Yeah, I can run but you have got me on the peak,
I'm not okay,
Once again my heart got in the way,
Not matter what I do
It's too wrong, too right
Try to reason, tried to fight
But I can't help it
I can't, I'm stuck stuck stuck!!!

Em contra-ciclo, as usual...


A maior parte das pessoas, se soubesse o que sabe hoje, teria feito tudo ao contrário. E se o tempo pudesse andar para trás, ficaria feliz com a inóspita possibilidade de trilhar um caminho diferente. Mas, sobretudo, claro, com a possibilidade de repetir a juventude, que é sempre tão esplendorosa e imaculada... quando vista à distância. A maior parte das pessoas, se pudesse, ofereceria de bom grado a alma ao diabo para ter 18 anos a vida inteira, pele esticada, bíceps no lugar, no peito as ambições todas ainda por vir: a carreira, o poder, o prestígio, o luxo, as casas, os carros, tudo no plural, tudo o que a sociedade nos formatou para desejarmos. A felicidade na proporção do que o dinheiro pode comprar. O mundo inteiro na palma da mão. De preferência, com uma legião de lacaios por perto, naturalmente.

Não sabendo nada do hoje move a maioria, eu daria tudo (menos a alma) para ter já 60 anos, usar chapéu de palha ao nascer do dia, ter só dois vestidos no armário, pés descalços ao entardecer, retirar-me tranquilamente deste circo e viver o resto dos dias numa casa de pescador no Alentejo rodeada de livros e pessoas, poucas, que não sabem o que são gadgets, nem ferramentas topo de gama, nem redes sociais, nem trampolins profissionais, nem atropelos e afins. Viver só do que dinheiro nenhum pode comprar. O céu inteiro na palma da mão. De preferência, com uma legião de estrelas por cima. Cadentes também, naturalmente.

sexta-feira, abril 02, 2010

"There is no goodbye, Chunky Rice."

"I am a turtle. My home’s on my back. And yet I feel the only home I’ll ever have is in the space where our roads merged and traveled along together... for a time."
Craig Thompson, Good-bye, Chunky Rice

terça-feira, março 30, 2010

A musa


Amas a musa. Ama-la quase desde sempre e vais amá-la dessa forma perdida, rendida, cega, até ao último dia da tua vida. Ama-la, mesmo temendo amá-la mais do que ela a ti, dúvida que carregas, mas que nem sequer te pesa. Ama-la apesar dos desvios, das arestas, das injustiças, das tempestades. Ama-la com um medo terrível que ela te deixe, que ela te troque. Não irias suportar vê-la com outra pessoa. Por isso, vais aguentando, apagando o que corre mal, reconstruindo o caminho, porque sabes que a vida é assim: se não te deixares engolir pelo pesadelo, se o souberes enfrentar, é porque terás estado à altura do sonho. E a vida, acreditas, vai-te compensando por isso, mantendo-te casado.

Inconscientemente, acreditas que o amor se pode reter, rentendo a pessoa que se ama. Porque não saberias o que fazer contigo, ao amor que sentes, se perdesses o alvo desse amor. Porque se o perdesses, ao olhar para trás, sentirias que a tua vida não fez sentido, porque toda a tua vida foi dedicada a essa mulher que te corta a respiração, a mulher do uniforme curtinho, das pernas morenas, dos pés lindíssimos, dos lábios voluptuosos, vermelhos, molhados. E tu amaste tanto, construíste tanto, partilhaste tanto, aguentaste tanto, superaste-te tanto, perdoaste tanto, fizeste filhos lindos, foste tão feliz, viveste tanto, dedicaste-te tanto, acreditaste tanto, amaste tanto... o que irias fazer a isso tudo, não é?

Tu nunca traíste a musa. Nunca! Nem mesmo quando, nos últimos capítulos, acumulaste namoradas ou amantes ou (a)casos ou o que quer que seja que lhes queiras chamar. O teu coração nunca esteve lá, nas outras camas, nos outros (a)braços, o teu coração nunca vacilou. Nem sequer foi tua a ideia do swing nem das ménages nem do resto. Por ti, experimentarias tudo o que há para experimentar, mas apenas com ela, com a tua musa. Descobriste o amor da tua vida aos 15 anos, já passaram mais de 40!, e tu nunca duvidaste. Tiveste a certeza que era ela ainda antes de saberes sequer o que era o desejo, ganhaste-a aos vinte e tal, mas antes disso já lhe dedicavas poemas, canções, e se a musa nunca vacilasse, tu passarias muito provavelmente a tua vida inteira a viver para ela em exclusividade. Sem nunca olhares para o lado, sem nunca provares outro sabor. E a seres tremendamente feliz com isso.

Tu não sabes, ou não queres saber, mas tu não vives com o amor da tua vida. Já não vives. Vives com o amor que sentes pelo amor da tua vida. Parece a mesma coisa, mas é tão diferente. Porque o amor, tu sabes, para ser da vida, não pode ser como o teu parece ser: intermitente, ausente, apagado, silencioso. Olho para ti e vejo-te a olhar para o tecto em vez de te ver olhar para o céu. Olho para ti e vejo-te com um corpo morto no colo, que te recusas a enterrar. Não consegues ser feliz com ele; menos ainda conseguirás ser feliz sem ele.

segunda-feira, março 29, 2010

Why should we live with such hurry and waste of life?



"The millions are awake enough for physical labor; but only one in a million is awake enough for effective intellectual exertion, only one in a hundred millions to a poetic or divine life. To be awake is to be alive. I have never yet met a man who was quite awake."
Henry David Thoreau

sexta-feira, março 05, 2010

Bullying em Mirandela II

[Recebi este comentário de um senhor chamado Carlos, a quem agradeço. Achei que devia ter a visibilidade de um post. Reproduzo-o com a devida vénia.]
Srs Directores da Escola, Srs Professores, Srs Funcionários, Srs do hospital que assistiram o Leandro, Srs da Associação de pais, Srs do ME e em geral a todos os que podiam ter ajudado, directa ou indirectamente, uma vítima inocente:

Se eu não tivesse feito tudo o que estava ao meu alcance para ajudar o pequeno Leandro. Se eu, por ter erguido uma barreira, tivesse impossibilitado um pedido de ajuda. Se me chegasse um relatório a dizer que na Escola não existiam casos de bullying, e eu não tivesse entrado em alerta, porque sei que em todo o lado há casos de bullying. Se um aluno meu tivesse sido hospitalizado por agressão, a mãe tivesse já vindo à Escola implorar ajuda, e enquanto se procura o corpito do filho eu viesse dizer aos jornais que na minha escola não há registos de casos...

Então, meus senhores, eu não conseguiria viver com a imagem da criança a fugir dos agressores, vendo durante anos, toda a gente a virar a cara ao lado sonhando com uma reforma dourada. De noit,e eu iria acordar com o pesadelo da minha culpa por omissão, no homicídio por negligência grosseira, vejo-o a despir-se, a gritar que não aguenta mais, a saltar, entrar na água gelada e sobretudo a despedir-se de todos nós enviando uma última mensagem, que cobardemente? eu fingi durante anos não perceber, e mesmo hoje mais não faço do que sacudir a água do capote.

Então, meus senhores, não aguentando o peso da culpa, eu me afogaria nas águas do Tua, procurando o perdão do pequeno Leandro e do seu irmão gémeo que a tudo assistiu impotente.
Que Deus vos perdoe que eu não posso.

Nota para o Leandro:
Apesar de nunca te ter conhecido, sinto que também eu, enquanto cidadão deste País atrasado, sou em parte culpado. Repousa em paz.

Carlos.

quinta-feira, março 04, 2010

Bullying em Mirandela

Ontem, Christian não foi à escola. No dia anterior, almoçou à pressa na cantina, saiu aflito para o recreio quando viu, mais uma vez, o corpo franzino de Leandro, primo e amigo de 12 anos, ser espancado por dois colegas mais velhos. Depois, perseguiu o rapaz que, cansado da tortura de quase todos os dias, ameaçou lançar-se da ponte, ali a dois passos. Perseguiu-o, impediu-o. Por fim, imitou-lhe os passos, degrau a degrau, até à margem do rio Tua. O primeiro estava decidido a morrer: despiu-se, atirou-se. O segundo estava decidido a salvá-lo: despiu-se, atirou-se.

Leandro morreu – é a primeira vítima mortal de bullying conhecida em Portugal; Christian agarrou-se a uma pedra para sobreviver. Antes, arriscou a vida a dobrar: digestão em curso em água gelada. Eram 13.40 horas. Ontem, não foi à escola. Os pesadelos atrasaram-lhe o sono. Acordou cansado, alheado, emudecido. Leandro não é caso único. Ele também já foi agredido.

Christian não é o super-homem; não é sequer rapaz encorpado; é um menino assustado, tem 11 anos, não terá 40 quilos, o rosto salpicado de sardas e tristeza. Os olhos dos pais pregados nele, os dele cravados no chão da sala. Não estava sozinho na luta. “Estava eu, o Márcio (irmão gémeo de Leandro), o Ricardo...”, este e aquele, os nomes dos amigos como um ditado, ele encolhido, no colo um cão minúsculo a quem insistentemente afaga o pêlo. “Não conseguimos salvá-lo, já estávamos tão cansados”.

O lamento sabe a resignação e à inquietação de quem veio de outra escola, em Andorra, Espanha, onde “há mais pequena coisa, os professores chamavam os pais”, recordam, “preocupados”, Júlio e Júlia Panda, pais de Christian, filhos da terra, Mirandela, no cume de Trás-os-Montes, retornados há pouco mais de um ano, trazidos com a crise e o desemprego. Vivem agora na aldeia de Cedainhos, a 15 quilómetros da cidade, lugar estacionado no tempo, onde vivia também Leandro e onde todas as casas, com laços mais ou menos próximos, são casas da mesma família.


Um palmo acima, na mesma rua, vive a avó, Zélia Morais. Tem a cozinha cheia netos, mais de dez, netos de todas as idades, os gritos inocentes dos mais novos a misturarem-se na dor dos outros. Sabe tudo ao mesmo fado. É a imagem da desolação, ela prostrada no sofá, o coração com febre. “O meu menino era tão humilde. Todos os dias vinha saber de mim. Todos os dias”, palavras repetidas, embrulhadas em falta de ar. “E agora?”

Agora, responde o filho Augusto, homem de meia idade, que a coluna prendeu a uma cadeira de rodas, “agora, nem que tenha de vender tudo, vou até ao fim do mundo para saber quem levou o meu sobrinho a matar-se”. A ameaça parece dura, dura um segundo, ele desfaz-se em pranto. “O meu menino sentava-se aqui comigo, conversava como adulto, era a minha companhia”. Os pais de Leandro também vivem ali; não estão. “Estão em casa amiga, passaram a noite no hospital”.


Ontem, Christian não foi à escola. Mas na escola dele – EB 2/3 Luciano Cordeiro, onde partilhava o 6º ano com Leandro –, o dia foi normal. Nem portas fechadas nem luto nem explicação. O porteiro do turno da tarde entrou às 15h, bem disposto. “Sou jornalista, queria uma entrevista”, ironizou. Tiro no pé. O JN estava lá. Perdeu o humor, convidou-nos a sair “já”. A docente que saía do recinto também foi avisada da presença da imprensa, inverteu a marcha, já não saiu. Havia motivos para baterem tantas vezes no Leandro? Responde Christian: “Todos batem em todos”.

segunda-feira, março 01, 2010