quarta-feira, abril 21, 2010

Quem quer morrer de amor?

O amor para sempre, o amor maior, total, irreversível, o amor apaixonado é aquele que, depois de descoberto, não é vivido, não é sujeito à passagem do tempo, aos percalços do caminho, aos caminhos sem trilho. Embalsamando-o, congelando-o no momento daquela explosão inicial, a única em que se arriscam as maiores bebedeiras de palavras e promessas, nunca poderá desgastar-se, esmorecer, morrer. Desde a Idade Média que é assim, que o amor é tratado como coisa impossível, que fere, que mata. Coisa terrível o amor! Só sobrevive matando quem ama. Emoldurado no imaginário, a mais perigosa das prateleiras, porque se autosustenta, mesmo com mil evidências em sentido contrário.

Romeu e Julieta amavam-se - suicidaram-se; ele com veneno, ela com um punhal. Tristão e Isolda amavam-se - morreram; ele assassinado, ela de tristeza. Abelardo e Heloísa amavam-se - morreram apesar de continuarem a respirar; ele foi castrado, ela tornou-se freira. Inês e Pedro amavam-se - morreram; ela assassinada, ele juntou-se-lhe pouco depois. Dom Quixote e Dulcineia amavam-se; não morreram porque já estavam mortos, Dulcineia nunca existiu. Werther e Carlota amavam-se. Ou ele amava-a pelo menos, e suicidou-se. A lista é interminável e invariavelmente trágica. Todos se amavam perdidamente, loucamente e para sempre. E, no entanto, nunca nenhum experimentou o amor para lá do que ele tem de etéreo, de intangível, de desejo do que poderia ser. Porque o que realmente prende no amor grande é o que comove. E o que comove não é a felicidade; é a impossibilidade, a dor, a dificuldade, a interdição. É a saudade que nunca poderá cumprir-se. Porque o amor é sempre projecção, quase sempre de um ideal. Tem mais a ver com o sujeito que ama do que com o objecto amado. Por isso é que arrebata no início, no desconhecido, e não no meio, quando a realidade já desbotou as cores ao sonho.

Algum dia alguém terá coragem de dizer isto bem alto: séculos e séculos de lendas e mentiras na literatura privaram gerações inteiras da felicidade. O amor morre. Como tudo o resto. E morre quase sempre antes de quem amou. E a inevitabilidade da morte não lhe retira grandeza. Mesmo que morra pouco depois de ter nascido. O amor, a medir-se, não é no tempo que dura; é no que aconteceu enquanto durou. Talvez se as lendas fossem queimadas, abolidas de uma vez por todas, as pessoas deixassem definitivamente se tratar o Amor como uma SA que não pode falir e tem de dar lucro, aconteça o que acontecer. Mesmo se entretanto se esqueceram da razão pela qual a constituíram.

“Trocámos mais beijos do que palavras de sabedoria e cada vez mais minhas mãos buscavam seus seios em vez das páginas dos livros. E bem mais do que a escrita, nós líamos nossos olhos”. Abelairo.

1 comentário:

  1. Só não concordo por isto:

    esse é o amor etéreo.
    Mas também o outro amor. O que não é. E este também pode matar. Mas o que é giro é renascer.

    O Vinicius de Moraes, um gajo muito menos etéreo que esses desgraçados do post, morreu muitas vezes de amor, porque não tinha medo de morrer de amor para depois renascer. Com um novo amor. Porque só o que se consuma pode ser consumido.
    Porque o que importa é que o amor seja infinito enquanto dure. Isso é que é belo. O resto é fantasia... ou pavor.

    raspa

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