sexta-feira, dezembro 22, 2006

Cultura da camioneta

No controverso processo de concessão do Teatro Rivoli a Filipe La Féria existem inúmeras perguntas às quais seria importante dar respostas. Respostas que Rui Rio não deu e ameaça nunca vir a dar. Mas hoje, no programa "O dia em análise", no Porto Canal, Agostinho Branquinho, deputado do PSD, sócio e braço direito de muitos anos do presidente da Câmara, no fundo, o seu zorro de capa-e-espada, sintetizou, com invulgar eloquência, o objectivo desta espécie de concurso público. Passo a citar, eventualmente cedendo à imprecisão formal da memória, mas sem desvirtuar o sentido. "Filipe La Féria faz com que muitas camionetas se desloquem de todo o país para assistir aos seus espectáculos. E isso, não tenhamos dúvidas, é fundamental para animar a Baixa".
Restam dúvidas sobre os critérios de selecção? É a verdadeira cultura da camioneta! Sendo que "cultura" foi termo que Branquinho nunca utilizou, substituindo-o sempre por "animação". Residirá aqui um dos principais equívocos do processo: a confusão grave entre os dois conceitos. À Câmara pouco importa se existe cultura, se ela desempenha um papel efectivo na vida das pessoas, se contribui para o real desenvolvimento de um território (físico e mental); à Câmara só importa animar a malta! Até podia ser com cãezinhos amestrados!
[Agostinho Branquinho foi um dos administradores da Casa da Música no reinado de Manuel Alves Monteiro. Por ser Natal, e só por isso, resistirei à tentação de falar sobre esse período e sobre o entendimento, já então demonstrado, que o séquito de Rui Rio tem de cultura.]

Estrela cadente

Há silêncios que não são exactamente silêncios. São só silêncios para não doer. Para não lembrar. Ainda somos uma estrela cadente. Em pause.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Os resistentes

Esta ideia de os jornalistas do Porto serem uns resistentes poderá ser vagamente romântica; mas depois, na prática, não podia ser mais deprimente. Sem visibilidade, sem mercado de trabalho alternativo ou complementar, e longe do centro das decisões todas do país estão condenados a viver numa espécie de sub-campeonato, alimentando, nos dias de maior inquietude, a esperança - que sabem quase falida -, de que um dia alguém, por um qualquer acaso do destino, tropece neles e lhes estenda uma possibilidade, uma só para mostrarem que podem ser tão bons como os outros. Que provavelmente são.
Entretanto, nesse compasso, o mundo - o deles -, fica reduzido a uma miniatura: aos pecadilhos de sacristia, às tricas de uns palhaços que mandam numa coisa qualquer e às pequenas glórias de outros. Sempre a uma escala à qual às vezes de habituam e que parece até fazê-los felizes. Mas nunca faz. Adormece só. Como um analgésico para a dor de um dente furado.

Homem invisível

A propalada demissão de Fernando Almeida da vereação da Cultura da Câmara Municipal do Porto, eventualmente seguida da publicação do clássico livro de memórias - tão em voga -, levar-me-ia a nutrir por ele algum respeito. Mas temo que até para se demitir tenha que obedecer aos timings estipulados por Rui Rio.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

"À primeira vista"

Post-it

Vinicius de Moraes escreveu que tinha amigos que não sabiam o quanto eram seus amigos. Que não percebiam o amor que lhes devotava e a absoluta necessidade que tinha deles. Nem sabiam que a sua vida dependia da existência deles. Mesmo que não os procurasse. Bastava-lhe saber que eles exitiam. "Mas, porque não os procuro com assiduidade, não posso dizer-lhes o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar", explicou.
"E às vezes, quando os procuro, noto que eles não tem noção de como me são necessários. De como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu tremulamente construi, e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida. Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado. Se todos eles morrerem, eu desabo!" (...) "Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos".
Lembrei-me instantaneamente deste texto quando recebi um bilhete de "amor-ódio". Que entendo, mas que não evita a tristeza. De que forma se prova o amor na ausência? E, de facto - reconheço -, para que serve a prova se ela não se materializa no quotidiano?
"Tenho fotos tuas na parede da casa que ainda não conheceste. Há ciclos de amor-ódio. Esperámos-te. Quase nunca vieste, quase nunca disseste, quase nunca quiseste ou lembraste. Perguntamos: quem és tu? E onde ficas no presente-futuro ou nas fotos?... Alimentar a tua presença de olhar as fotos como se de uma defunta se tratasse não é verosímil, sendo até imbecil, porque é sobretudo imbecil e ou estranha esta distância que nos separa. Respeitamos-te! Não há problema nenhum com as tuas opções; apenas com a ambiguidade. Desejamos-te o melhor. Afinal, de tudo, incluindo já a tua sms, pergunto-me quantas formas há de comunicar, de estar presente?"

Escolhas do ano

Na recta final do ano, partilho os melhores momentos passados a ver, a ler, a ouvir...

Peça de teatro: Pillowman e Plasticina
Concerto: Antony and Jonhsons, no Teatro Circo, em Braga. E depois, alguns furos abaixo, Baby Dee, na Casa das Artes, em Famalicão; !!! (chk chk chk), na 14ª edição do Festival de Paredes de Coura; Final Fantasy, também na Casa das Artes, em Famalicão; e Undertow Orchestra, na Casa da Música, no Porto.
Livro português: "A casa quieta", de Rodrigo Guedes de Carvalho (que não é de 2006, mas é quase); e "Lume sobre cinzas" , de Raul Brandão. Num âmbito completamente diferente, também a "Anamnese".
Livro estrangeiro: "A minha mulher", de Anton Tchekov; "Saudade", de Ortega Y Gasset (que também é quase-quase deste ano); "O vento", de Claude Simon; "Gente Pobre" de Fiódor Dostoiévski (notável colecção das obras do autor na Editorial Presença); e "Várias vozes", de Harold Pinter.
Filme português: Confesso que só vi o Pele, de Fernando Vendrell. Vale o que vale.
Filme estrangeiro: Little Miss Sunshine e Children of men.
Exposição: Frida Kahlo, no CCB, em Lisboa; e serigrafias da Paula Rego na Galeria 111, no Porto, World Press Photo.
Canção: Blue world still be blue, dos Guillemots.

terça-feira, dezembro 19, 2006

MEC, o verdadeiro


Ontem, na Fnac, procurei o novo livro de Pedro Paixão, "Asfixia", porque me tinham dito que continha uma crónica dedicada a Miguel Esteves Cardoso. E é verdade. Está lá. Será talvez a única coisa que se aproveita das várias dezenas de páginas.
Pedro Paixão diz que tem saudades dele, do seu génio, do seu riso, do seu lado insuportável. De quando passavam os domingos à tarde a escrever. E de como acreditavam que a literatura os haveria de salvar. Não lhe perdoa que tenha casado com a mãe do seu filho. Diz que tem saudades de o abraçar só mais uma vez e que espera um dia ver publicados todos os textos que lhe guardou do computador da casa que durante muito tempo partilharam. E que ainda possui.
A crónica comoveu-me. Comecei a ler o Paixão por causa do MEC. Deixei de o ler quando percebi que a loucura de um estava a milhas da estultícia do outro. Nunca deixei de ler o MEC. Nem mesmo quando reuniu para publicação as crónicas que durante tanto tempo fui guardando como pedras preciosas. Nem quando, como o próprio disse esta semana ao DNA, numa entrevista notável, começou a ser "mais difícil ser diferente".
É inegável: há mesmo uma geração MEC. A geração de quem, como eu, quis começar a escrever por causa dele. Como ele. Por muito que ele já não seja o que foi, será sempre a causa de tudo. Na Assírio & Alvim acaba de publicar "A minha andorinha".

Big Ben

Andamos perdidos pelas ruas da cidade até de madrugada. É sempre assim, mas continuamos a ser dois estranhos. Já não há bares abertos. Só o Big Ben. Vamos lá à procura dos travestis e das putas que prometeste voltar a fotografar. Mas nem eles (elas) povoam a noite. Pelo menos, a noite que conseguimos ver. Dizes que está mais frio do que o frio que realmente está. E dizes a tremer que o Porto é a Sibéria. E que tens saudades do Rio e de Buenos Aires. Do sol e dos banhos gelados. Também não há amendoins. Nem pipocas?, perguntas. Não, nem nada quentinho. Comes um pacote qualquer de qualquer coisa que não comias desde os 12 anos. E bebes o terceiro gin tónico.
Pareces um menino pequenino a falar com os homens carecas pousados no balcão. Eles dizem que ainda podiam estudar, se quisessem - mas não querem. E que também não querem trabalhar porque o rendimento mínimo deixa-os acordar às horas que lhes apetece e chega para emborcarem umas cervejas. Vais dizendo a tudo que sim com a cabeça. E pouco depois já dou contigo a apertar-lhes a mão e a desejar-lhe um feliz natal. Logo tu, que tens vontade de assassinar os bonecos vermelhos e gordos que nesta altura assaltam as varandas das casas quase todas.
Como sempre, contas catrefadas de histórias das tuas viagens: de Moscovo e da máfia que te salvou a vida para se declarar a seguir; de Barcelona, onde viveste até aos cinco anos, de Edimburgo apalpado de comboio, de Amesterdão. Da viagem cancelada a Paris e ao Congo, por razões diferentes. E a Cuba, para veres a morte de Fidel Castro a partir da praia. Como sempre, rendo-me às histórias. À paixão com que falas gesticuladamente de tudo. E tudo inclui sempre trabalho, as notas que escreves nos blocos para não te esqueceres das ideias, os locais que conheces desde sempre e para onde transportas depois figuras para encenações que, no início, só tu tens a certeza que vão funcionar.
Garantes que não és obcecado por isso, que não és refém das expectativas que existem sobre ti, mas reconheces que não te sobra muito tempo. Sobretudo muito tempo para estares presente ao lado de alguém. E que será por isso que agora perdeste o dinheiro do bilhete de avião e do hotel que nunca marcas com antecedência e do carro que nunca alugas, mas que desta vez quiseste marcar e alugar. "Como uma pessoa normal". É nesse momento que sei que estás mais triste do que aquilo que dizes estar. Mas tu desvalorizas. Dizes que só não vais porque está frio. E tu não gostas de frio. "É melhor pensar assim, não é?"
Leslie Feist do concerto que perdeste calou-se-se. "I don't need to know your favourite aunt's name; I don't need to know what woman's felt the same; I don't need to see you every single day; But I'd like to". Hoje sou o homenzinho e devolvo-te intacto ao hotel. Continuaremos a ser dois estranhos.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

The big question

Que favor deverá Rui Rio a Filipe La Féria?!

Rui Rio e o Rivoli

Sábado. 18 horas. A Câmara Municipal do Porto emite um comunicado a dar conta do que já se supunha, pelo menos, há seis meses. Supunha-se tanto que achei que nunca fosse verificar-se. O Teatro Municipal Rivoli, restaurado e equipado há cerca de dez anos com dinheiros públicos para, supostamente, cumprir um projecto específico será gerido, a partir de Maio de 2007, e durante quatro anos, por Filipe La Féria. A peça de estreia será um musical dedicado a Carmen Miranda. O encenador e produtor de Lisboa abraçará a responsabilidade de fazer a Baixa portuense mexer.
Três dias antes do anúncio, veiculado, como habitualmente, pelo site da autarquia, Florbela Guedes, assessora de Rui Rio, jurava ao JN que o processo ainda não estava fechado. Nem poderia ser levado à reunião camarária de terça-feira, dia 19, porque os vereadores, justificou, teriam que receber a documentação correspondente até quarta-feira da semana anterior. Sem processo fechado não havia papelada para entregar. Nem nada para discutir.
Apesar disso, nesse mesmo dia, Manuel Teixeira, chefe de gabinete de Rui Rio almoçou em Lisboa com La Féria e a sua equipa. Pessoas ligadas à empresa do produtor afirmaram que a Câmara havia feito exigências técnicas que eles não tinham condições de cumprir. Ainda assim, La Féria ganhou. Já antes a Câmara havia duvidado da liquidez financeira da empresa "Bastidores". Ainda assim, La Féria ganhou. A Câmara, cuja política diz orgulhosamente pautar-se por números de audiência, já em 2005 tinha apoiado La Féria em dois espectáculos ["Rainha do ferro velho" e "A menina do mar"] apresentados no Teatro Sá da Bandeira. Um deles foi cancelado por falta de público. Ainda assim, La Féria ganhou. Rui Rio, depois de ter dado (a fundo perdido?) 100 mil euros em compra de bilhetes a La Féria para as peças referidas sugeriu-lhe ainda que ocupasse o Cinema Batalha, já sob a exploração de Luís Montez, que rejeitou por ser demasiado pequeno.
Mas à terceira foi de vez. Rio Rio conseguiu trazer La Féria para o Porto. Ele e a sua comissão independente, constituída por Álvaro Castello-Branco, Raul Matos Fernandes e o próprio Manuel Teixeira. Como se vê, independente e ligadíssima à cultura! Nada contra La Féria no Porto. Tudo contra a falta de correcção das pessoas. E sobretudo contra a falta de honestidade de pessoas como Rui Rio, que não cansa de afirmar a sua seriedade. Rui Rio não é sério. Não é honesto. Não é correcto. Não é verdadeiro. Se dúvidas ainda pudesse haver, o processo Rivoli é absolutamente revelador da sua falta de carácter. Os outros candidatos ficaram a saber pelos jornais que perderam. Nunca hão-de saber porquê.
Pela primeira vez compreendi o discurso, que sempre me incomodou, dos "braços caídos", da "derrora antecipada" proferido repetidamente há uns meses, por um vereador socialista. Perderam todos os que defendem e acreditam numa cultura da linha da frente. E perderam todos aqueles que, como eu, ingenuamente, acreditaram que vale a pena discutir, espernear, esgrimir argumentos. Mas nenhum de nós perdeu a dignidade. Isso será sempre mais importante.
No dia em que me perguntarem que livro estou a ler, saberei responder, no mesmo milésimo de segundo, os dois ou três que me acompanham sempre. No dia em que me perguntarem qual foi o último concerto ou peça de teatro a que assisti, saberei igualmente responder com rapidez. Nunca direi que a pergunta é "difamatória".
Rui Rio continuará a rir... até ao despenhamento total da cidade.

domingo, dezembro 17, 2006

Maria de Buenos Aires


Foi hoje a última récita de "María de Buenos Aires", no Teatro Nacional S. João, no Porto. Com a música apaixonante de Astor Piazzolla, texto notável de Horacio Ferrer e direcção musical de Rui Massena. Adorei!

sábado, dezembro 16, 2006

Uma espécie de debate

José Manuel Dias da Fonseca, presidente do Conselho de Administração da Casa da Música, no Porto, lamenta que "a cidade trate mal os seus heróis". A violoncelista Guilhermina Suggia, o poeta Eugénio de Andrade ou a pianista Helena Sá e Costa são apenas alguns exemplos de prova.
Ricardo Pais, director do Teatro Nacional S. João, lamenta que a autarquia trate mal os artistas. "Ninguém pode ser acusado de não ser um grande artista por não ter muito público". Aliás, argumentou, "os números das audiências são sempre escabrosamente manipulados, porque a Câmara não tem capacidade analítica".
Os responsáveis por dois dos mais importantes equipamentos culturais do Porto foram os convidados do debate "Quantas peças à procura de um actor?" , realizado anteontem à noite na Universidade Católica, subordinado à política cultural da cidade e moderado por Manuel Carvalho, director adjunto do "Público". Mas o encontro, o último da quarta edição do ciclo de conferências "Olhares cruzados sobre o Porto", promovido pela Católica e pelo "Público", não foi tão elucidativo como seria expectável.
As questões do moderador - Qual é o papel dos privados, das autarquias e do poder central na dinamização cultural de uma cidade? Qual é a tendência da vida cultural do Porto a médio prazo? Que modelos deveriam ser seguidos para a afirmação do Porto? A cultura é um instrumento de competição entre as cidades? - ficaram quase sem resposta. Os dois oradores foram evasivos, optando por dissertar sobre as experiências de sucesso de cidades europeias como Berlim, Helsínquia, Londres ou Viena, onde a cultura determina a dinâmica do turismo.
Mas a ausência de soluções já estaria antecipada na plateia, curta, ensonada e desprovida de agentes culturais. O público, maioritariamente constituído por pessoas com uma média de idades de 50 anos, levantou, apenas, duas questões. O moderador havia disponibilizado três séries de três perguntas cada.Dias da Fonseca e Ricardo Pais estiveram em sintonia na aversão à "animação cultural". "A animação resulta muito da conjuntura faz-se quando há dinheiro; desaparece quando não há. Temos que apurar mais o lado estrutural do que o conjuntural", avançou o responsável pela Casa da Música.
Ricardo Pais corroborou: "Detesto a animação cultural. O Porto 2001 serviu apenas para fazer o saneamento básico: colocou de pé coisas enormes como a Casa da Música, mas faltou a rede de distribuição de informação que é devida às companhias de teatro da cidade e a outras estruturas. É curioso", acrescentou, "falar-se em subsídios quando os subsídios não chegam sequer para fazer face às despesas correntes". Paralelamente, instituições maiores, como Serralves, por exemplo, têm sido sempre poupadas à contenção financeira. "Tenho medo que se transformem em ilhas de um lago sem água, absorvendo de tal maneira a atenção, que se esgote ali a vida cultural de uma região", concluiu Dias da Fonseca.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Carta aberta

Exmo. Sr. Fidel Castro,
Escrevo apenas para pedir encarecidamente que se aguente a respirar mais uns meses. Há vários anos que adio a minha viagem à sua Cuba. Tinha tudo preparado para a visitar em Janeiro, mas um imprevisto obrigar-me-á a adiar o périplo mais uma vez. O seu tempo, bem o sei, está a esgotar-se; e com o seu o meu também. É o meu que me preocupa. Sei que entende e aprecia este egoísmo, porque foi essa lógica que praticou a vida inteira.
Estou certa também de que compreenderá que tenho este desejo de conhecer o país antes da sua morte, ou seja, antes da libertação do povo que aprisionou sem dó nem piedade em nome do que julgou ser uma heróica revolução social. Foi tudo pelo povo, eu sei. Os exilados sairão, finalmente, à rua; os milhares de conterrâneos que assassinou, infelizmente, já não poderão regozijar-se com o seu fim.
Sempre gostei de conhecer o antes e o depois de tudo. E interessa-me analisar o comportamento das pessoas antes e depois do direito à liberdade e à liberdade de expressão; antes e depois de um regime que aplica a tortura e a pena de morte; antes e depois da miséria a que foram condenados enquanto o senhor possui uma das maiores fortunas do mundo. Interessa-me também, confesso, ver os rosto daqueles que o seguiram a admiraram. Darão esses soldadinhos de chumbo seguimento aos seus ideais?! E quero muito levar livros ao seu povo; mais livros do que pão. Literatura não sujeita a censura, entende?
Não sei se a História o absolverá. A histeria manifestada por estes dias aquando da morte de Augusto Pinochet, no Chile, faz-me crer que não. E pessoalmente espero mesmo que tal não aconteça. E que apodreça nas terra o mais depressa possível. Veja lá o que pode fazer por mim. Só lhe peço mais uns meses.
Sem outro assunto,
helena.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

"Eu, Maria Madalena"


E eis que Maria Madalena, quiçá iluminada pelo espírito natalício, percebe que mandar bater em meninos é mau e feio e pede às divindades da justiça portuguesa a expiação dos seus pecados e o perdão. Será o Ministério Público tão condescendente com a prostituta arrependida como o foi Jesus Cristo? Será este o conto de Natal dos tempos modernos?

domingo, dezembro 10, 2006

"Eu, Carolina Salgado"

Não há nada na história publicada esta semana por Carolina Salgado que não seja absolutamente repugnante. Como portista lanço já um repto ao FCP para que proíba a dita senhora de entrar no Estádio do Dragão. Mas isso será, apesar de tudo, o que menos importa.
O que me choca no livro que custa onze euros e cuja primeira edição de oito mil exemplares parece já estar esgotada? Antes de tudo que a D. Quixote, supostamente uma das editoras mais reputadas do país, que alberga escritores como António Lobo Antunes ou Rodrigo Guedes de Carvalho, tenha aceite publicar a obra. Ceder ao lixo é ser lixo. E, pessoalmente, não voltarei a contribuir com um único tostão para a prosperidade da empresa.
Depois, num país (à semelhança de muitos outros, é certo) onde se sabe que qualquer morcão pode escrever e publicar o que lhe passar pela cabeça - recordem-se os exemplos das criaturas do Big Brother - choca-me a facilidade da instituição desta cultura em que os livros tendem a substituir-se aos tribunais para denunciar comportamentos e condenar pessoas. Para quê recorrer às instituições próprias, com a discrição que exigem, quando se pode ganhar dinheiro com a denúncia e ainda acalentar a esperança de ser considerado uma espécie de herói nacional? No mesmo país (por oposição a muitos outros) onde a cultura é vista como um sério inimigo a abater já não me surpreende, embora me provoque náuseas, que o povo vá a correr comprar a coisa.

Estou pouco interessada em saber se Carolina Salgado é ou foi uma puta. De primeira classe ou de classe nenhuma. Como estou pouco interessada em saber se Pinto da Costa aprecia esse tipo de escumalha. Puta ou não, Carolina é claramente escória. Porque só a escória não sabe estar à altura da sua própria privacidade e, infinitamente pior, da privacidade dos outros. Os relatos, paupérrimos, que vi transcritos nos jornais, da flatulência do presidente do FCP, dos bilhetes de amor que escreveu ou da sua higiene íntima deviam ser punidos por lei.

A mulher que agora se lembrou que é "mãe acima de tudo", uma mãe a lutar pela honra dos filhos - coitados!... -, bem como as pessoas que a estarão a instrumentalizar, deviam acabar no mesmo local onde eventualmente desejam que Pinto da Costa vá desaguar. Por co-autoria dos crimes, claro, mas também por existirem.

Quiz VI

Alguma vez estaremos preparados para tomar conta de quem sempre tomou conta de nós?

sábado, dezembro 09, 2006

Paula Rego na Galeria 111


Sabem a pouco as serigrafias de Paula Rego que estão patentes na Galeria 111, no Porto. Mas vale a pena passar por lá.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Mário Soares - 82 anos


"Tudo o que fiz foi com simplicidade, sem nunca desejar ocupar lugares, mas com a ideia de servir os portugueses e Portugal".

terça-feira, dezembro 05, 2006

Amizade (?) II

Os amigos, crianças que nos viram crescer e cresceram connosco, lado-a-lado, que partilharam sonhos e ideais comuns, que partilharam momentos de tristeza, de extrema alegria, de evasão. Os amigos que eram os nossos melhores amigos, mesmo!, a nossa crítica de excepcional competência, que andavam connosco pela mão. Os amigos que eram o nosso ideal e de quem éramos ideal também. Os amigos, crianças com quem partilhámos gestos, atitudes, caminhos de futuro. Os amigos que eram para nós o que o sol é para a vida. Os amigos, esses, de verdade, espalharam-se cada um por cada canto. E a catástrofe só se percebe quando a vida tende a eternizar-se nas trevas, tranformando-nos numa espécie de reles bola de pingue-pongue amarela: já não pertencemos lá, ao ninho quentinho onde desenvolvemos asas; mas também não pertencemos cá, ao território onde agora voamos. Nunca havemos de pertencer. Mesmo que os códigos exteriores pareçam, por simples mimetismo, cada vez mais aproximados.
Haverá qualquer estranha razão que nos faz - inconscientemente, suponho, ou por mera sobrevivência -, procurar substituir as cadeiras vazias, que nunca ficaram vagas no coração, mas incontornavelmente no quotidiano. Uma vez, duas, dez, cem. Sempre igual. Nunca resulta. E nunca se aprende. As meninas, quando crescem, as que não cresceram connosco, parecem desenvolver uma sórdida mania de perseguição: há sempre alguém que lhes quer roubar os namorados ou os maridos ou o emprego ou a cor de cabelo ou o protagonismo ou as pipocas. Ou a luz do sol. Os meninos, quando crescem, os que não vimos crescer, parecem perder a capacidade de ver as meninas como pessoas: as mulheres são alvo de casamento ou de one-night-stand. É isso ou o vazio.
O leque de hipóteses não podia ser mais desolador. Abençoada a existência de livros e sofás e lareiras e mantas e transportes que nos devolvam ao lugar onde somos felizes.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Amizade (?)

Por que é que amizades (?) assim funcionam melhor se nunca se cumprirem na desculpa da falta de tempo? Porque no início de cada jantar raro, a alegada saudade acumulada e a promessa de que agora-é-que-vai-ser monopolizam a conversa; porque no fim de cada jantar raro, a falta de confiança e de conhecimento do outro obrigam a jurar que desta-vez-é-de-vez. Nunca mais.

domingo, dezembro 03, 2006

Hi5 porcas - the end


Acabou um dos blogues que mais me divertia. O Hi5 Porcas, chegou ao fim. "Tentámos mostrar a Portugal e ao mundo os problemas que afectam hoje as jovens, que merecem ser controladas nos excessos de liberdade, e fizemos sempre com rigor, muito humor, bastante escárnio e por vezes com pena da ignorância de algumas Porcas; mas sobretudo muito profissionalismo e em bom português!", explicam os autores Pig e Porcus, no texto final.
O blogue continha mais do que aparentava. Atrás do inevitável humor está, como eles dizem, "o pior da modernidade e a falta de princípios morais que só um país com uma jovem liberdade conhece. Infelizmente assistimos a um deplorável espectáculo de mulheres fúteis que vendem a imagem do corpo para assim satisfazerem os olhos daqueles que são tão ocos quanto elas".

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Será Rui Rio "tolinho da cabeça"?

Uma entrevista pode não ser suficiente para denunciar a qualidade de um autarca, mas é sempre reveladora do seu carácter, da sua forma de estar e encarar a vida. Sobretudo em televisão, porque o meio em causa, além das palavras, mostra os silêncios, as expressões faciais, o encolher de ombros...
Rui Rio afirmou hoje perante as câmaras do Porto Canal, numa conversa conduzida por Rui Baptista, que perguntas sobre o que está a ler, qual a última vez que foi ao teatro ou ao cinema são "difamatórias"!!! Tão difamatórias que o presidente da Câmara do Porto entendeu que não devia responder. E quando o jornalista lhe recordou que no mandato anterior o havia visto numa ópera, ele encolheu os ombros e torceu os lábios. Sublinhou: "Eu não sou uma presença constante em lado nenhum".
Confrontado com a cláusula - que já não está em vigor porque, pela via das dúvidas, os subsídios acabaram para toda a gente -, segundo a qual qualquer entidade subsidiada pela autarquia estaria inibida de a criticar, esclareceu: "Se eu tivesse feito isso devia ser tolinho da cabeça". Fica no ar a questão: será Rui Rio tolinho da cabeça?! É que a seguir, e depois de condenar os jornalistas, essas malévolas criaturas sempre dispostas a distorcer o teor das suas afirmações - e que, ainda por cima, parecem ter capacidade de influenciar as pessoas do seu próprio partido, uma vez que quase todos os elementos da concelhia manifestaram a sua renitência relativamente à dita cláusula -, sustentou que "quem recebe [recebia, no caso] subsídios pode criticar a Câmara e o seu presidente; não pode é assinar um protocolo e depois virar costas e dizer mal dele ou da instituição". Em que ficamos?
Revelação que Rui Rio se terá esquecido de partilhar durante a campanha eleitoral: "Já tinha germinado na minha cabeça, muito antes de ser presidente da Câmara, que haveria de acabar com os subsídios à cultura. Porque sempre me fez muita confusão essa coisa de toda a gente ir à autarquia pedir um subsídio. Pedem e acham que isso é um direito!", indignou-se. Por isso, a partir de agora, a cultura municipal tem, apenas, preocupações com três estruturas da cidade: Casa da Música (curiosa escolha, por conhecidíssimas razões, mas também porque a Câmara detém, apenas, 13% das acções); Fundação de Serralves (talvez a instituição mais subsidiada a nível nacional); e o Coliseu. E desabafou: "Ó Rui Baptista, não vamos falar só de cultura, pois não?"
Não. Mas antes de mudar de assunto, ainda ficámos a saber que a queixa-crime contra o grupo de pessoas que ocupou, em Outubro, e durante quatro dias, o Teatro Rivoli, foi apresentada pela maioria PSD/CDS-PP em nome de TODO o Executivo, ou seja, também em nome dos elementos da Oposição, porque, explicou "não estava à espera que fosse ligar aos 13 vereadores, pois não? Já viu, se uns gatunos forem assaltar os Paços do Concelho e eu os apanhar, não posso perder tempo a ligar a toda a gente para saber se posso chamar a polícia, não é?"
Ficámos ainda a saber que Eduardo Prado Coelho é uma das "doze pessoas" - assim mesmo, bem contadinhas -, que escreve mal dele nos jornais. No caso do cronista do Público, justificou, "porque deixou de lhe dar dinheiro". O professor e ensaísta foi comissário, a convite de Isabel Alves Costa, do ciclo Capicua, uma iniciativa promovida pela Culturporto, que abordava várias vertentes culturais: teatro, conferências, novo circo, etc. E, tanto quanto me lembro, levou o Porto para os jornais. Lembro-me concretamente da crítica à peça "Valparaíso” de Don DeLillo, encenada por Nuno Cardoso em 2002, sobre quem disse ser o mais promissor encenador da contemporaneidade.
A conversa entre os Ruis, Baptista e Rio, galopou ainda pela empresa do Metro, pela requalificação da Baixa e pelos bairros sociais. Aliás, reforçou o presidente da Câmara, "a poupança brutal da Cultura será canalizada para o que eu sempre disse que seria a minha prioridade: a coesão social". Fiquei a pensar nisto: fiquei a pensar no Bairro do Leal, onde vou de vez em quando, e nas condições em que vivem aquelas pessoas; fiquei a pensar no que sempre me dizem os taxistas quando recusam terminantemente ir ao Bairro S. João de Deus... fiquei a pensar no que quer dizer coesão social.... talvez, baralhar e voltar a dar. Mas sempre de olhos fechados.