Os amigos, crianças que nos viram crescer e cresceram connosco, lado-a-lado, que partilharam sonhos e ideais comuns, que partilharam momentos de tristeza, de extrema alegria, de evasão. Os amigos que eram os nossos melhores amigos, mesmo!, a nossa crítica de excepcional competência, que andavam connosco pela mão. Os amigos que eram o nosso ideal e de quem éramos ideal também. Os amigos, crianças com quem partilhámos gestos, atitudes, caminhos de futuro. Os amigos que eram para nós o que o sol é para a vida. Os amigos, esses, de verdade, espalharam-se cada um por cada canto. E a catástrofe só se percebe quando a vida tende a eternizar-se nas trevas, tranformando-nos numa espécie de reles bola de pingue-pongue amarela: já não pertencemos lá, ao ninho quentinho onde desenvolvemos asas; mas também não pertencemos cá, ao território onde agora voamos. Nunca havemos de pertencer. Mesmo que os códigos exteriores pareçam, por simples mimetismo, cada vez mais aproximados.
Haverá qualquer estranha razão que nos faz - inconscientemente, suponho, ou por mera sobrevivência -, procurar substituir as cadeiras vazias, que nunca ficaram vagas no coração, mas incontornavelmente no quotidiano. Uma vez, duas, dez, cem. Sempre igual. Nunca resulta. E nunca se aprende. As meninas, quando crescem, as que não cresceram connosco, parecem desenvolver uma sórdida mania de perseguição: há sempre alguém que lhes quer roubar os namorados ou os maridos ou o emprego ou a cor de cabelo ou o protagonismo ou as pipocas. Ou a luz do sol. Os meninos, quando crescem, os que não vimos crescer, parecem perder a capacidade de ver as meninas como pessoas: as mulheres são alvo de casamento ou de one-night-stand. É isso ou o vazio.
O leque de hipóteses não podia ser mais desolador. Abençoada a existência de livros e sofás e lareiras e mantas e transportes que nos devolvam ao lugar onde somos felizes.
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