José Miguel Gaspar, no Jornal de Notícias:
Antes de nos espantarmos com um espectáculo que levou para o palco de uma pop de câmara 13 modelos numa maioria de transexuais, é preciso ir atrás para compreender Antony. Antony tem, literalmente, aspirações de transformação de sexo? "Quem não tem?", responde invariavelmente o artista ("New York Daily News", Fevereiro, 2005). "Os transexuais estão entre as mais evoluídas e belas criaturas do planeta".
(...) Antony é das mais belas criações da arte popular contemporânea e usa, justamente, a música para se solucionar. Anteontem passou novamente por Portugal (Theatro Circo, Braga, lotação esgotada de mil espectadores) e provocou um arco emocional que não tem paralelo com nada que se conheça no hodierno quarto da pop capaz de materializar ao vivo a mesma qualidade ouvida em disco. É um homem que canta como uma mulher, que desconcerta diversos géneros artísticos (e dois sexuais) e consegue nessa complexidade superar a linha sempre tão certa quanto impossível que é alcançar sucesso entre a pureza da performance artística e a música comercial. O espectáculo chama-se "Turning" e impressiona.
Primeiro o seu cantor Antony. É uma figura alta e larga e branca metida em vestes pretas; mexe-se numa lenta epilepsia enquanto canta; canta, agudo e lírico, uma limpa dor autobiográfica como esta: "One day I'll grow up, I'll be a beautiful woman/One day I'll grow up, I'll be a beautiful girl" (da canção "For today I am a boy"). E como esta: "I am very happy/ So please hit me /I am very happy/So please hurt me" ("Cripple and the starfish").
Atrás de Antony, na permanente penumbra, há um ensemble de oito, The Johnsons: piano, violino, violoncelo, viola, acordeão, clarinete/saxofone, baixo e bateria. Mas depois, à música que discorre sobre os dois discos que valeram a Antony o Mercury Prize 2005, junta-se a ilustração desse território num grande ecrã de vídeo, com duas câmaras manipuladas pelo artista plástico Charles Atlas há uma plataforma giratória onde se irão instalar 13 modelos, tantas quantas as canções, que subirão uma a uma, lentas, decididas e inseguras, para o patamar da sua vulnerabilidade.
É aqui que o espectáculo se torna complexo - porque provoca a certeza do nó na garganta de quem vê aquelas belas criaturas expostas, maquilhadas, penteadas, pintadas, uma delas de tronco a nu, uma outra tremente e idosa, ali a girar no insuportável horror que é a sua indecisão física, ali despojadas, frágeis e expostas na intimidade de mil. "Turning", coisa capaz de uma catadupa de emoções, é um achado de performance artística. Dizer que tudo aquilo é bravo é dizer pouco.
A minha visão do concerto de Antony no Som Activo para os interessados! :)
ResponderEliminarBoas leituras!