quinta-feira, novembro 16, 2006

Ricardo Pais na Visão

(Foto: Lucília Monteiro)

Ricardo Pais, director do Teatro Nacional S. João, hoje, entrevista de Joana Loureiro à Visão.
(Excertos)
Em tempos, chegou a dizer que detestava biografias. Como é que reagiu a este livro?
(...) Antes de tudo, revejo-me no livro como um objecto de trabalho histórico exemplar. Perspectiva a minha relação com muita coisa – nomeadamente, a crítica e a imprensa – e, principalmente, faz-me acreditar que há um corpus de reflexão paralelo ao meu trabalho. E isso é muito recompensador.
Com este esforço de sistematização do seu percurso criativo, ficou clara a pluralidade de projectos em que já se envolveu, explorando várias linguagens cénicas. Existe um estilo Ricardo Pais? Houve quem já tivesse utilizado o adjectivo ricardopaisiano...
Pois, imagino que sim? provavelmente, isso terá mais a ver com a minha maneira de vestir do que com os meus espectáculos (risos)!
Com os espectáculos também. São apontadas uma série de características marcantes do seu percurso: a imaginação plástica, a importância reconhecida à música, o rigor na direcção de actores, a abordagem global das linguagens convocadas...
Sem dúvida. (...) Há imensas coisas de que me tinha esquecido, verdadeiras monstruosidades ditas sobre trabalhos meus, que me dá muito prazer ver agora reproduzidas. E fiquei também muito admirado com a quantidade de coisas que fui dizendo ao longo dos tempos (risos).
(...) Gosta de polemizar? Falem, bem ou mal, mas falem de mim?
(...) Não tenho particular gosto que falem sobre mim. Tenho este ar meio extrovertido, exibicionista um pouco, e há um lado lúdico e comunicativo nos meus espectáculos que se diria que desejaria pôr-me no vórtice de alguma coisa. Mas preferiria considerar-me periférico ao trabalho em vez de estar no centro dele.
Tem tido, ao longo dos anos, uma relação um pouco tensa com a crítica?
Não é tanto assim. Se, em algum momento da minha vida, respondi de forma mais violenta foi porque as críticas também foram violentas. Ninguém gosta que se diga mal de si, todos nós preferiríamos que houvesse uma generosidade na abordagem do nosso trabalho.
Fala do TNSJ com tanto entusiasmo que até nos esquecemos dos primeiros 20 anos da sua carreira, em que era o «free lancer por excelência»?
Estou morto para voltar a ser free lancer, atenção! Isto é uma prisão!
Uma vez disse que talvez seguisse a carreira de cantor de piano bar?
Adorava! É o artista para quem ninguém olha. E ninguém está a ouvir, o que, para um péssimo cantor como eu, garantiria um grau de protecção extra.
Imagina-se a voltar a trabalhar como actor?
Isso é um problema. Há um projecto marcado para 2008, de muita responsabilidade, dirigido pela Maria de Medeiros. Comecei a ter pânico da memória aqui há uns anos, porque não tenho estudado. Cada vez que me falam nisso, fico muito assustado.
Defende que um artista pode ter uma linguagem de gestão. Disse: «Para muitos ainda, as profissões artísticas não têm a legitimidade de inscrever-se na grande máquina do trabalho – são uma espécie de ócios especializados». Esta frase parece ir direitinha para o Dr. Rui Rio?
Mande-lha! (risos) Isso está correctíssimo, reflecte inteiramente o que se está a passar no Porto e no país. Sempre se pensou que, quando se trata de grandes investimentos, não se pode dar a administração aos artistas. Têm que se chamar os engenheiros ou os economistas. Gostaria muito de saber se, porventura, houvesse um problema na Sonaecom, se me vão chamar a mim para gerir, porque dei muitas boas provas enquanto artista de teatro. Não sei porque é que um bom gestor ou engenheiro têm que vir gerir coisas das artes, quando a cultura não deveria ser mais do que o labor incessante sobre a criação artística, a sua comunicação e a sua sobrevivência.
Caracterizou o contrato de concessão do Rivoli a um privado como um «gigantesco subsídio a fundo perdido?»
E não é? Quem é que não quer ter um teatro daqueles com a electricidade paga, as águas e tudo o resto? Se fosse um privado, quem me dera!
Passou-se de oito para oitenta?
(...) Dar-se uma volta destas, de um dia para o outro, é uma espécie de inconstitucionalidade autárquica. Se o que se pretende é aumentar as receitas do Rivoli, não é porque se entrega a um privado que isso vai acontecer. (...) Um equipamento daqueles, com recursos fabulosos, só se não rentabiliza financeiramente se não se quiser. Cortar-se com um património, altamente respeitável, é de uma violência pela qual um indivíduo tem que ser julgado.
Continua a sentir-se bem no Porto?
Não muito. Neste momento é muito difícil viver culturalmente e trabalhar no Porto. (...) O círculo de afastamento e a reentrada do Pedro Burmester na Casa da Música é absolutamente exemplar do que pode ser a perversão de um percurso administrativo, cultural e programático que era claríssimo.
Acha curioso que os argumentos contabilísticos provoquem tanta simpatia?
Geram simpatia porque a contabilidade está mal feita. Os números estão todos trocados, mente-se por tudo quanto é sítio. Não temos software de gestão, de contabilidade analítica para dizer que um espectador custa “x”. E os números estão sempre a ser vendidos. Se for ter com uma pessoa que está a dormir numa caixa de cartão e disser-lhe que foram atribuídos 20 mil euros a um grupo de teatro para uma produção, é evidente que essa pessoa vai achar que lhe estão a roubar. Mas alguém perguntou à cultura o que acha do que se gasta na saúde e na educação? Algum agente cultural criticou as políticas de apoios atribuídos a outros sectores essenciais? Porque é que a cultura tem que ser o bode expiatório?
Nos primeiros seis meses de 2007, o TNSJ vai co-produzir, com oito grupos do Porto, que se irão apresentar no Teatro Carlos Alberto. Isto é também um gesto de solidariedade?
Sempre foi. A solidariedade com as formas de teatro privadas sempre foi uma das nossas marcas.
Sente-se confortável neste papel?
Não, nada. Estamos a transformarmo-nos, perigosamente, numa espécie de delegação norte do Ministério da Cultura. Gostaria imenso de refocalizar completamente a nossa actividade. Por mim, o TECA deveria ser gerido pelo IPAE, por um organismo de Estado, vocacionado à amostragem sistemática do trabalho independente.

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