Natália Faria, no Público:
Everything is new. As salas portuguesas nunca tinham visto Antony da forma como ele se mostrou, anteontem à noite, no Theatro Circo, em Braga. Por isso, a canção que o músico britânico escolheu para abrir o concerto soou como um aviso. E quem se propunha encontrar rótulos fáceis para descrever o que se passou no palco saiu com uma tarefa dificílima. Não há etiquetas prontas a usar para colar a uma voz que obriga quem a ouve a atravessar para o outro lado do espelho e a aproximar-se da fronteira, para lá da qual o mundo permanece inominável. Everything was new e, ao mesmo tempo, tão secularmente humano, ou não fossem as fronteiras pobres tentativas de arrumação dos monstros secretos que cada um mantém silenciados dentro de si.
Everything is new. As salas portuguesas nunca tinham visto Antony da forma como ele se mostrou, anteontem à noite, no Theatro Circo, em Braga. Por isso, a canção que o músico britânico escolheu para abrir o concerto soou como um aviso. E quem se propunha encontrar rótulos fáceis para descrever o que se passou no palco saiu com uma tarefa dificílima. Não há etiquetas prontas a usar para colar a uma voz que obriga quem a ouve a atravessar para o outro lado do espelho e a aproximar-se da fronteira, para lá da qual o mundo permanece inominável. Everything was new e, ao mesmo tempo, tão secularmente humano, ou não fossem as fronteiras pobres tentativas de arrumação dos monstros secretos que cada um mantém silenciados dentro de si.
(...) Turning porque o andrógino Antony - que surgiu embalado pelo sexteto The Johnsons - decidiu focar-se naquilo que "caminha rumo ao feminino". E cada uma das músicas (...) convocou para o palco um modelo (eram homens? eram mulheres? eram homens a caminho de ser mulheres?) que, sobre uma plataforma giratória, ia rodando perante a câmara de filmar manipulada por Charles Atlas, com os rostos a sucederam-se desfocados e potenciados na tela gigante ao fundo do palco. Noivas virginais, mulheres de seios incipientes desnudados, mulheres carnais à moda de Almodóvar com saias a deixarem espreitar os cintos de ligas e saltos agulha: as musas que se passeiam na música triste de Antony mostraram-se no palco como numa vitrina, vulneráveis e aceitando que nós, pobres mortais, partilhássemos por momentos os territórios de amor e morte onde elas se movem.
O resultado comoveu, porque foi totalmente não-irónico. E, enquanto isso, a voz delicada e agressiva de Antony ia soltando apelos como este "Hope there"s someone/ Who"ll set my heart free/ Nice to hold when I"m tired", do clássico "Hope There"s Someone". E, ao contrário do que aconteceu na actuação de Maio passado na Casa da Música, no Porto, Antony mostrou-se com roupa masculina, sem maquilhagem e sem peruca, embora igualmente desenquadrado do seu corpo, gigantesco e desengonçado, quase infantil nas expressões que se diriam assustadas com o efeito que provocam.
No final, as drag queens acomodaram-se no palco para "You are my sister, com o cantor a puxar novamente os espectadores para os lugares que todos temem, protegidos apenas pela delicadeza que se pode esperar dos outros. Houve carícias quase sexuais em palco, mas ninguém pareceu importar-se com isso. Ou não fosse Antony aquele cuja voz obriga quem a ouve a atravessar para o outro lado do espelho.
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