Para Joe Orton, escreveu John Lahr, "nada era sagrado; mas a fúria dos seus ataques, a sua peculiar combinação de alegria e horror, não estava isenta de um motivo espiritual mais abrangente. Orton queria chocar a sociedade e ao mesmo tempo purificá-la. No palco, as suas personagens são animais em acção. E, assim que se vê a fera que existe em cada homem, então a tolerância pode mais facilmente substituir o bem... Ao mostrar como nos destruímos a nós próprios, as peças de Orton também fazem parte de uma táctica de sobrevivência. Ele faz-nos rir para nos fazer aprender. Há uma salvação qualquer nisto".
O que existe em comum entre o dramaturgo britânico - assassinado aos 34 anos pelo amante Kenneth Halliwell, que não suportou o seu súbito sucesso, suicidando-se a seguir -, e Ricardo Pais, encenador de singular unanimidade pública, que ontem estreou, no Teatro Nacional S. João (TNSJ), no Porto, a peça do autor "O saque"? Ambos querem chocar a sociedade? Não sei. Mas ambos querem fazer-nos rir. Não sei se exactamente para nos ensinar ou salvar alguma coisa.
"O Saque" é, como era o "Ubu's", de Alfred Jarry e outras encenações do director do TNSJ, uma comédia. Negra, neste caso. E Ricardo Pais não resiste a querer que nos lembremos ininterruptamente da etiqueta. Usa o burlesco, abusa do absurdo. O resultado, por vezes próximo de uma espécie de revista mais sofisticada, oscilará, naturalmente, de acordo com o juízo e gosto de cada um. Não é o meu registo de eleição. Mas no dia em que o homem que gosta de "sensações fortes" for embora, todos vamos sentir a falta dele.
O Saque, Joe Orton
Teatro Nacional São João, Porto
De 14 a 26 Novembro
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