quarta-feira, agosto 30, 2006

Diálogos pueris III

Ele: Se não tivesse necessidade num vinha, que hoje está ruim. Dos dias todos do ano, este é o mais bravo! (vento seco). Mas você sim, você vem toda bonita!
Ela: (a entrar) Lá vou para o médico... Isto, uma pessoa basta num bir em coiro que já está asseada.
Ele: Ora, também assim digo.
Ela: Vou lá tratar da baixa da minha filha, que o meu neto foi operado e ela tem que tomar conta dele.
Ele: E quê? Foi grave?
Ela: Foi à garganta, coitado. Não pode levar com os cobertores de noite que abafa; não pode correr que cai com a aflição... Mas o médico diz que mais vale sofrer agora em novo senão quando tal passava a carneiro morto.... o coitadinho....
Ele: E inda é muito novo ou quê?
Ela: Tem 12 anos, anda em 13.
Ele: Oh diacho, então! Sinda ó menos fosse entradote!... Você conhecia o marido da dona Eduarda? Tão novo e lá foi. E olhe, também foi com uma coisa ruim na garganta!
Ela: Então não conhecia?!... Tinha 51 anos o pobre....
Ele: Nããã!!! Tinha mais. Já andava nos 70!
Ela: Isto, tantas vezes o digo, antigamente é que era! Num comíamos sopa; era caldo de lavrador e o pão co diabo amassou. Escravatura, fome de cão, a ceibar o campo o dia inteiro e o povo inda cantava. Isso é que era uma reinação!
Ele: Você pode não acreditar que eu era mais feliz na altura com dois tostões no bolso do que hoje com cem contos! Mas olhe que é a verdadinha.
Ela: E eu que ganho 113 contos só para mim?! Chega-me e sobra-me! Mas porra lá pró dinheiro se num tenho alegria pró gozar!!
Ele: Olhe, também assim digo. Que Deus me perdoe, mas quem me dera me levasse daqui, que isto já num está para nós. Antes a morte à cama!
Sei-o no ranger dos dentes a desfazerem-se uns contra os outros. E na pele da boca esticada por dentro. E na garganta que bloqueia, trava a saliva e enjoa. Sei-o nas mãos que arrefecem e suam e perdem a precisão e tremem. Não param de tremer. Sei-o - como não saber? -, no coração e no impacto das implosões que se ouvem no corpo todo. Sei-o nos olhos a arder e nas noitesinteiras sem os fechar. E na cabeça de peso multiplicado e aquecido. E no frio. Sei que é o princípio do fim.

terça-feira, agosto 29, 2006

O Porto de Ricardo Pais

Ricardo Pais, em entrevista ao Público, hoje, à boleia da mudança de estatuto do Teatro Nacional S. João, no Porto, que deixa de ser Instituto Público e passa a ser uma Entidade Pública Empresarial, na qual ocupará a presidência do Conselho de Administração:

"É difícil dar o salto quando estamos nesta ilha, sentados no meio do lumpen, com a vizinhança que temos por aí à volta, e estando a Baixa votada ao que está. A cereja em cima do bolo foi agora a privatização do Rivoli. A requalificação da Baixa a partir da cultura, que começou em 1998 e continuou em 2001, culmina agora. O contrato de concessão do Rivoli a um privado é um gigantesco subsídio a fundo perdido. Finalmente, a subsidiodependência!"

"As pessoas não vêm à Baixa senão para vir ao S. João ou aos Maus Hábitos. A Baixa é um deserto. Acreditou-se que o percurso S. João-Coliseu-Maus Hábitos-Passos Manuel-Rivoli-TeCA pudesse vir a regenerá-la, mas isto tem vindo a ser sistematicamente destruído desde 2001. Nós estamos cada vez mais sozinhos."

"A alta finança mudou-se toda para o eixo Avenida da Boavista-Marechal Gomes da Costa - também é por lá que mora. A Baixa deixou de interessar completamente: foi um emblema divertido para se fazer saneamento básico em 2001. A cortina de fumo sobre o investimento privado lançada na Fundação de Serralves e aproveitada para a CdM abriu portas a esta espécie de inevitabilidade contabilística que o dr. Rio impôs à cidade, ao entregar o Rivoli aos privados. Continuamos a negociar com os privados como se os privados pagassem alguma coisa: Serralves e a CdM são maciçamente pagos pelo Estado e a comparticipação dos privados, que é com certeza muito bem vinda, especialmente agora que podem fazer um brilharete com as arquitecturas, é muito relativa. Mas, à boa tradição burguesa do Porto, deu-se aos empresários e aos financeiros um protagonismo absoluto na discussão do estatuto e do equilíbrio de forças dentro da CdM. E o dr. Rui Rio riu-se, porque também é sócio sem pagar grande coisa."

"Cá somos muito mais respeitados como gente de poder do que como criadores, com toda a franqueza. Somos respeitados por termos conseguido fazer, de uma coisa que poderia ser um elefante branco, um agilíssimo produtor de teatro e um belíssimo interlocutor do tecido teatral português. Mas não somos tão queridos como criadores, nem convém muito que o sejamos, porque é muito poder dado à mesma gente. Duas casas, um orçamento, a capacidade de fazer e, ainda por cima, belíssimos artistas - não pode ser".

"Os meus mandatos por tendência esticam-se indefinidamente".

Eduardo Prado Coelho

"O intelectual alemão"
O fio do horizonte, no Público

Um escândalo a preparar um sucesso literário. Günter Grass, esse intelectual alemão mais intelectual do que os outros, anunciou que aos 17 anos tinha feito parte das unidades do Waffen SS, vanguarda militar nazi. Diversas desculpas. O ambiente familiar era demasiado opressivo. Uma amiga dirá que a casa era demasiado pequena. Outra insinuará que ele sempre teve fascinação pelas fardas... Mas as reacções foram imensas e não há escritor que se preze, seja alemão ou português, que se não tenha pronunciado sobre o caso.Lech Walesa pediu que ele renunciasse ao Prémio Nobel.
Adam Micnick lembrou o passado nazi do Papa Bento XVI. E Günter Grass, trocando um bocado os pés pelas mãos, afirmou que toda a sua vida tinha vivido com este sentimento de culpa. E que já não aguentava mais este segredo. Donde, nas vésperas do lançamento da sua autobiografia, vistosamente intitulada Descascando a Cebola, o segredo rebentou-lhe na boca, sem que ninguém tivesse percebido porquê só agora.
De qualquer modo, o lançamento do livro foi antecipado e tornou-se desde logo um extraordinário êxito de vendas.Entre nós, para além do famoso argumento de Saramago, quando pergunta "então o resto da vida não conta?", sem que tome consciência de que não é o alistamento, mas o resto da vida que o compromete, o grande discurso sobre o caso diz fundamentalmente o seguinte: o que conta é o grande escritor, não este episódio infeliz da vida dele.Admito que Günter Grass seja um grande escritor. Confesso que não é o meu registo. Acho este imaginário enxundioso em que se combinam nazis com cebolas bastante insuportável. Confesso mesmo que nunca consegui ler um romance de Günter Grass até ao fim. Irritei-me sempre pelo caminho.Mas esta não é a questão fundamental.
Estamos aqui no mero juízo de gosto. O que eu gostaria de fazer é uma distinção: entre os meros escritores e os intelectuais. Gastão Cruz ou Hélia Correia são, fundamentalmente, escritores. Já António Mega Ferreira é um escritor mas também um intelectual, Se pensarmos em Pacheco Pereira, temos alguém que publica livros, mas sem dimensão literária, e é sobretudo um intelectual. Qualquer intelectual que se preze não prescinde hoje de ter o seu blogue. Muitos têm blogues para ser intelectuais.
Ora acontece que Günter Grass não foi apenas um escritor, tem sido também um intelectual, e que intelectual! Ele pretendeu ser uma espécie de consciência alemã apoiada no dever da memória. Não se deve recalcar, deve-se assumir um passado vergonhoso. E este aspecto de intelectual ajusta-se com dificuldade ao seu percurso pessoal: o de um segredo com que conscientemente se vive ao longo de quase uma existência. É claro que o resto da vida conta, mas conta negativamente. E a questão da qualidade da sua escrita e da composição das suas ficções não está aqui em causa. Professor universitário

segunda-feira, agosto 28, 2006

Bairro do Leal, Porto

(Foto: José Mota)
Regresso ao Bairro do Leal. É fim de tarde e o sol benze as casas com cheiro a jantar na mesa. Ainda há comadres à porta a por a última conversa em dia. Há mulheres de bata vestida, ainda coradas da praia de Matosinhos onde todos os dias levam os netos, que o dinheiro não lhes permite "alugar uma barraca mais longe". E mulheres a guardar outras mulheres, mais velhas, em casa. Para comer a sopa. A dona Teresinha, de oitenta e tantos anos, está a ser comida pela cegueira. Já não faz seja o que for sozinha. Trata a vizinha por mãe e diz que a praia "são muitas horas". Ainda parecem todos uma família, apesar de serem cada vez menos. E eu, que só lá estive uma vez, sou recebida como se fosse um deles - um familiar de longe que vem cumprir uma visita. Com direito ao inexplicável calor de um abraço, de um beijo que não pede nada em troca. Só dois dedos de conversa. De atenção. Recebo mais do que dou.
Aquela senhora mais velha, a da casa da esquina, a dona Claudina, que vive sozinha há tantos anos, depois de ter enviuvado precocemente e, mesmo assim, ter criado seis filhos, já não sai de casa. Está cansada. "Cansada das pernas e de ter medo". Fala através das grades da porta. "Não é por falta de respeito; é por não me ajeitar com a bengala". Também está cansada da cabeça, diz baixinho para não ser mal interpretada. "Ainda sei bem o que digo - e sabe -, mas estou muito cansada. Tão cansada", repete, com as lágrimas a quererem saltar-lhe dos olhos e ela a não permitir. Faz 87 anos para o mês que vem. Está "cansada de não dormir durante a noite". Vive no meio do restolho, cercada por dois casulos em ruínas, onde os rapazes vão drogar-se e fazer "outras porcarias" de que diz nem saber o nome. Só sabe que levam um rádio de música a "dar alto", que dizem muitos palavrões e que, de manhã cedo, quando acorda, os vê ainda "erguer as calças".
No bairro do Leal ninguém parece ter a idade que tem. Dona Irene, "quis Deus tivesse jeitinho de mãos" para fazer arranjos e com isso governar a vida, brinca com a dela. Sabe que parece mais nova do que os seus 59 anos. E diz que é por estar no céu. "Tu estás no céu", diz-lhe a irmã a aludir ao bem por ela praticado. E ela repete. "Só queria que não me tirassem daqui, que a minha casinha é pequenina, mas muito asseada". Se ganhasse o totoloto comprava o terreno inteiro para "cada pessoa poder ficar no seu cantinho". Mas ela nem sequer joga. Gastou 80 cêntimos no outro dia pela primeira vez e a meias com a irmã. Foram 80 cêntimos perdidos
As pessoas do Bairro do Leal já foram felizes. Nos tempos em que ali passavam carros de bois e compravam um quarto de litro de azeite ao azeiteiro - "azeiteiro, era mesmo assim que se chamava" -, um litro de leite ao leiteiro e por aí fora. O senhor Fernando, de olhos verdes como o filho mais novo, tem 52 anos. Nasceu ali e sabe bem do que fala. Não tem saudades do tempo que não volta; tem saudades dos tempos em que diziam que o bairro ia abaixo sem nunca ir. "Tinha a idade do meu mais novo e já ouvia isso". Quase aprendeu a desvalorizar. Foi fazendo obras na casa que é do senhorio, colocando azulejos à medida que ia podendo. Até fez umas escadas por dentro para ter acesso à adega onde guarda as suas coisas e a garrafeira. Mas isso foi nos tempos em que ainda tinha emprego. Tempos em que ainda acreditava que ia morrer no sítio onde nasceu. Ele e a sua Maria Virgínia.
Rui Rio, presidente da Câmara do Porto, destruiu-lhe a pretensão. A dele e de todos os outros, mais velhos, cansados, doentes, que depositou, como cacos velhos, longe de tudo, nos terceiros e quartos andares de bairros que, até serem o deles, não sabiam que existiam. Acelerou-lhes a idade. Condenou-os à morte. "E isso não tem perdão", diz a dona Tininha da casa entaipada de chapa amarela para não cair. "Não tem".

The Pillowman



Paula Rego afirmou em 2004, numa entrevista à Grande Reportagem, que gostava que fosse Ricardo Pais a encenar o texto de Martin Mcdonagh, jovem dramaturgo irlandês que inspirou o tríptico "The Pillowman" - a obra esteve, pela primeira vez, em exposição no Tate Museum, em Londres, ao mesmo tempo que Serralves, no Porto, exibia uma retrospectiva da obra da pintora. Aparentemente, o encenador e director do Teatro Nacional S. João não terá sido sensível à solicitação e acaba por ser Tiago Guedes, co-realizador do afamado "Coisa Ruim", o responsável pela estreia do texto, no próximo dia 7 de Setembro, no Teatro Maria Matos, em Lisboa.

“The Pillowman” (O homem da almofada) surge descrito na apresentação da peça, como sendo "um conto teatral que analisa a natureza e o propósito da arte de contar uma história. Num regime totalitário, um escritor é interrogado acerca do conteúdo grotesco dos seus contos e das suas semelhanças com uma série de homicídios infantis que estão a acontecer na sua cidade. O título da peça é o nome de um dos contos desse escritor, onde um simpático e fofo personagem feito de almofadas encoraja crianças pequenas a suicidarem-se, de forma a evitarem assim uma vida inteira de sofrimento".
Paula Rego descreveu-o antes desta forma: "Ele fala de uma menina que faz maçãzinhas todas recortadas com gilettes lá dentro e dá a comer ao pai. Depois, à noite, ela está a dormir e aquilo vem tudo por ali acima. É uma história muito macabra. Como é que ele consegue escrever coisas fantásticas daquelas aos 17 anos?"

O espectáculo estará em cena na sala principal do Teatro Maria Matos até 15 de Outubro. De quarta a sábado, às 21.30; e aos domingos às 17 horas.

sexta-feira, agosto 25, 2006

Diálogos pueris II

Ele: Nunca mais consegui refazer a minha vida.
Ela: Tanga. Já passaram dez anos!!!
Ele: Dez anos de sofrimento.
Ela: (risos) Tu é que sofreste?!
Ele: Sim, eu. E continuo. Por isso é que não consigo ser teu amigo.
Ela: Isso é ridículo. Então, nunca chegaremos a ser.
Ele: Não acreditas que continuo a sofrer? Que nunca mais tive nenhuma relação séria?
Ela: Claro que não! Tiveste pelo menos uma namorada. Lembro-me de te ver com ela...
Ele: Não durou muito. Ela não tinha paciência para mim...
Ela: Eu tinha?
Ele: Também não.
Ela: Então o problema deve ser teu.
Ele: Pode ser. Mas, no nosso caso, a culpa foi tua.
Ela: Minha?! Tu é que me traíste, lembras-te?
Ele: Era fraco. De repente, parece que era assediado por todas mulheres... mas mudei.
Ela: Quer dizer que não me traíste só uma vez?
Ele: Não.
Ela: Quantas? Lembras-te?
Ele: Algumas. Mas todas sem importância.
Ela: (...)
Ele: Sem importância, a sério. Eu gostava de ti. Teria ficado contigo até hoje.
Ela: Dez anos depois, eis o sound byte do dia. Devia ter imaginado.
Ele: Mas tu fizeste pior...
Ela: (risos) A sério? (risos, risos, risos). O que é que eu fiz? Isto é, além de ter continuado contigo mais não sei quanto tempo?
Ele: Tu tinhas um melhor amigo.
Ela: (risos) A sério? Isso é grave? É que ainda o tenho. É o meu melhor amigo há 20 anos. E?
Ele: E eu tinha ciúmes dele.
Ela: E por isso desataste a sair por aí... porque eu tinha um amigo?!
Ele: Sim. Para me vingar. E tinha razão...
Ela: Tinhas?!
Ele: Tinha. Continuas a ser amiga dele. E eu continuo sozinho.

Verdade ou consequência?

- O Pedro Rolo Duarte vai ser o próximo director do Independente?
- O Expresso vai ter, a partir de Setembro, menos 30% de texto?
- O Sol vai ultrapassar o Expresso em seis meses?
- O Público (contratou o designer do The Guardian) vai ser refundado em Janeiro de 2007?
- O DN vai mesmo despedir 35 jornalistas?
- A publicidade na rádio teve uma queda drástica na primeira metade deste ano?
- O Porto Canal vai mesmo abrir em Outubro?

Top

"Conheci um lugar top"; "Tenho um projecto top"; "És uma pessoa top"; "Tive umas férias top"; "Vi um filme top"; "Li um livro top"; "Ouvi um disco top"; "Tive uma noite top"; "Descobri uma cena top"; Top; Top; Top. Sei que há expressões que entram inexplicavelmente na moda sendo depois reproduzidas indiscriminadamente a propósito de tudo e por toda a gente. Mas, com franqueza, haverá alguma expressão mais irritante?

MEC

É só um problema meu ou o Miguel Esteves Cardoso lida mal com a popularidade e voltou a desaparecer da blogosfera?

Diálogos pueris I

Ele: Não fui eu que inventei a infidelidade. Ela já existia antes de mim. Eu sou só como os homens todos.
Ela: Há homens fiéis. Eu conheço muitos.
Ele: Eu conheço muitos mentirosos.
Ela: A tua mulher sabe isso?
Ele: Não faz perguntas para não ouvir as respostas. E sabe que o nosso casamento é uma instituição inabalável.
Ela: Inabalável como? Quantas vidas paralelas consegues manter?
Ele: Inabalável. O nosso casamento é uma espécie de SA. A máquina - os filhos, a casa, a vida social, o médico e a escola das crianças -, nunca deixa de funcionar. Depois, há o resto.
Ela: O resto?
Ele: A adrenalina, o contrário da rotina. O casamento deixa de ser divertido em muito pouco tempo. E a vida é uma passagem rápida. Não se pode desperdiçar.
Ela: E a cumplicidade fica de que lado?
Ele: Do lado de fora. A cumplicidade é o lado bom da vida.
Ela: A cumplicidade não é isso. Adiante. Quantas vidas paralelas consegues manter?
Ele: Normalmente, duas. A minha mulher e a outra. Tive uma que durou dois anos.
Ela: Dois anos não é rotina?
Ele: Não, porque não havia as obrigações. Não havia os chinelos e o robe.
Ela: E porque é que acabou?
Ele: Porque ela queria casar. As mulheres querem sempre casar.
Ela: Nunca vacilaste?
Ele: Vacilar como?
Ela: Nunca te apaixonaste por um desses casos? Nunca tiveste vontade de começar tudo outra vez, e dessa vez a sério?
Ele: Não. Ou melhor, talvez. Mas espero que passe. E passa sempre. A minha única preocupação é fazer a minha mulher feliz.
Ela: Isso é uma piada? Fazê-la feliz? Achas que ela é feliz?
Ele: Tenho a certeza.

quinta-feira, agosto 24, 2006

DECO!!!!!!!


Deco acaba de ser eleito pela UEFA o melhor médio da época 2005/2006. Grande, GRANDE Deco!!!!!

quarta-feira, agosto 23, 2006

Clínicas Privadas vs Hospitais Públicos

Cinco da manhã. Acordo com uma daquelas dores de qualquer coisa que me obriga a sair da cama para ir às urgências. Penso que, apesar de tudo, não será grave e talvez não seja boa ideia ir a um hospital público. Imaginei que numa vulgar triagem qualquer pessoa me passaria à frente e a minha dor não me permitia esperar. Tinha, apenas, cinco horas para me restabelecer e apresentar ao trabalho. Além disso, da última vez que fui a um hospital público com uma dor semelhante, entrei às 15 horas e fui operada à meia-noite. Essas traumáticas nove horas de espera negligente, que me obrigaram a ficar com uma absolutamente desnecessária e gigantesca cicatriz, fizeram-me optar, desta vez, pela clínica particular mais próxima de casa: a da Boavista.
Toco à campainha da dita clínica 15 minutos antes das seis da manhã. O equipamento parece abandonado, apesar da placa exterior assegurar existir serviço de atendimento durante 24 horas. À terceira tentativa, lá surge um porteiro ou um segurança ou uma figura parecida. Ajudo-o, a custo, a preencher uma ficha, apesar de o meu nome já constar daquela unidade de saúde. O funcionário ignora a minha angústia; escreve o meu nome com a lentidão de quem acaba de acordar. Não existe um único utente à espera, mas ele manda-me esperar. Espero. Espero mais de meia hora até aparecer uma enfermeira imberbe, também ela acabadinha de acordar. Está baralhada. Não encontra um mísero termómetro. Manda-me esperar enquanto vai procurar o instrumento de medição da temperatura. Volta. Diz que não o consegue encontrar. Volta a desaparecer. Regressa. Não faz perguntas. Não tenho febre. A tensão arterial também parece estar dentro dos valores normais. Manda-me esperar "lá fora" pelo médico. Não há ninguém na sala de espera, mas eu espero. Espero quase uma hora, indecisa entre estatelar-me no chão ou vomitar nele, até surgir o médico. Com olheiras, lento e quase mudo. Repete a operação já cumprida pela enfermeira. Dá-me pancadinhas na barriga e pergunta-me se quero tomar soro. Não quero. Não pergunta se tenho antecedentes. Manda-me embora. Já passa das oito horas da manhã. E deseja-me felicidades.
Felicidades?! Pago 70 euros por uma consulta sonolenta que não existiu e sou informada pelo porteiro das farmácias de serviço - todas erradas. Quando percebo a falha, já todas as outras estão abertas. Entro na primeira. A farmacêutica diz que o médico me receitou quase 50 euros de medicamentos que posso adquirir por menos de metade do preço se optar por genéricos. Opto obviamente por genéricos. E amaldiçoo a clínica. Os médicos deste país são isto: um bando de funcionários públicos disfarçados.

domingo, agosto 20, 2006

Raul Brandão


O melhor presente que pode dar-se ao leitor de um escritor de quem já se leu a obra inteira várias vezes é a descoberta de textos inéditos. Vasco Rosa fez isso por mim. Acabo de adquirir "Lume sobre cinzas" e "Paisagem com Figuras" de Raul Brandão (1867-1930) - o melhor escritor português de sempre. O primeiro volume reúne textos dispersos, ensaios dramatúrgicos e apontamentos de viagens, escritos entre 1887 e 1930. O segundo contém retratos de escritores como Camilo Castelo Branco ou Eça de Queirós. Voltarei ao assunto quando acabar de os ler.

sexta-feira, agosto 18, 2006

!!! (Chk Chk Chk)



Sensualíssimo, Nic Offer dos !!!, jeans de cinta dois centímetros abaixo do que seria uma cinta descida, a serpentear o corpo, as ancas e os ombros, a incendiar a multidão. Impossível não dançar. Foi o melhor concerto da noite, ontem, no palco principal de Paredes de Coura.

Gunter Grass IV

Voilá! A autobiografia "Descascando a cebola" quase esgotou no dia do lançamento: 130 mil exemplares. Ao fim do segundo dia sobravam menos de 20 mil volumes nas livrarias alemãs, austríacas e suíças, escreve o Público. A Steidl, a editora, já anunciou que a segunda edição terá cem mil exemplares. Agora, é só esperar que chegue cá.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Morrissey

É Inês Nadais do Público quem melhor resume o concerto de Morrissey, anteontem, em Paredes de Coura: "Há coisas que estão destinadas a serem maiores do que as outras, mesmo quando acabam a meio."

Miguel Esteves Cardoso

Uma alma generosa avisou-me: o Mec está de volta! Reproduzo um dos seus posts recentes como quem reproduz a falta imensa que sentia dele.
«"O amor é como uma faca: tem dois gumes", diz-me C. entre um trago de vinho branco e um beijo molhado. Concordo sem reservas. Só tenho pena de ainda não ter conhecido o gume que não faz doer.»

Gunter Grass III

Afinal, eu tinha razão: a revelação feita pelo escritor alemão Günter Grass - pertenceu às Waffen SS -, a propósito da sua autobiografia, não passou de uma pobre, mas seguramente eficaz, manobra de marketing. A obra "Descascando a Cebola", cujo lançamento estava previsto para 1 de Setembro, foi lançada hoje.

Bloc Party

Não foi a chuva que me expulsou hoje de Paredes de Coura. Ainda assim, como Morrissey, abandonei o palco antes do fim. Porque, às vezes, desistir é a única forma possível de libertação. Ou, como disse o vocalista dos extintos Smiths, porque "a porta de entrada é também a porta de saída". E, às vezes, é melhor sair. Não me perdoo por ter perdido o concerto dos Bloc Party. Mas a Antena 3 salvou a minha noite. Foi a partilha possível. Do you wanna come over and kill some time?

quarta-feira, agosto 16, 2006

Irmão Roger

Conheci o irmão Roger em 1997 quando fui, pela primeira vez, a Taizé. Foi o comovente final de uma semana de retiro espiritual maior do que a própria vida. Durante muito tempo vigiei-lhe os passos, a saúde, a idade, na certeza de que teria que o reencontrar outra vez antes de morrer. O ano passado, uma mulher estragou-me a intenção, imperdoavelmente adiada, assassinando-o no fim de uma oração.
O irmão François recorda-o hoje, no Público, a propósito do primeiro aniversário da sua morte:
"O irmão Roger fascinou certamente pela sua inocência, pela sua percepção imediata, pelo seu olhar. E penso que ele viu nos olhos de algumas pessoas que o fascínio se podia transformar em desconfiança ou em agressividade. Para uma pessoa que carrega conflitos insolúveis, essa inocência pode tornar-se insuportável. E nesses casos não basta insultar essa inocência. É preciso eliminá-la.
O doutor Bernard de Senarclens escreveu: "Se a luz é demasiado forte (e penso que o que brotava do irmão Roger podia deslumbrar) nem sempre é fácil suportá-la. Então só resta a solução de apagar essa fonte luminosa, suprimindo-a."

Gunter Grass II

Depois da revelação, a justificação: Günter Grass, Prémio Nobel da Literatura em 1999, diz que o querem transformar num "monstro". O motivo? Ter confessado, 60 anos depois, ter feito parte das Waffen SS. Curioso: o escritor tem direito à indignação, como o demonstra, incansavelmente, nas suas lutas políticas e nos seus livros. O leitor, segundo ele, pelos vistos, não.

Morrissey à chuva

Choveu pela terceira vez em Paredes de Coura: em 2001, em 2004 e hoje. Desta vez, choveu também por dentro. Talvez até mais. Poderia ter-me lançado nos braços taciturnos de Morrissey, mas ele esteve mais humorado do que é habitual. Inaugurou o alinhamento com portos seguros, despiu e ofereceu duas camisas, elogiou a prestação de Portugal no Mundial e abandonou o palco antes do fim. Quando, na versão original de Panic, surge um coro de crianças, ele eclipsou-se. Sem acabar a canção. E sem encore. Could life ever be sane again?

terça-feira, agosto 15, 2006

"Coura é amor", por Pedro Trigueiro

O autor que me perdoe, mas encontrei este texto no Diário Digital e não resisto a publicá-lo. Com a devida vénia.

As confissões de amor não se evitam. Ou não fossem elas confissões. Acto de contrição em que o âmago não é evitado. E do pouco que se pode conhecer sobre esse tipo estranho que é o amor, fixa-se a paixão. Paredes de Coura é amor. Mas de longa data. É um beijo longo na face da cara-metade. É aquela relação em que o parceiro não revela qualquer ciúme quando se trata de visitar outros festivais. De Carviçais, não se lhe inveja a secura da paisagem. De Vilar de Mouros, não se abate com a maturidade. Do Sudoeste, não se vislumbra com a excentricidade física da plateia. Do Ermal, não inveja a beleza natural. De Sines, não amua pelo conforto de ripostar com guitarras eléctricas.

Importa confessar que nenhum outro festival submete o escriba de prosa a tamanha ânsia. Já lá vai uma década de romance. E ano após ano existe a vontade de voltar a reviver a entrada triunfante da passagem pela pequena (mas bela) ponte antes de chegar à «benda» do amigo Zé. Aquele que há uns anos recebeu com uma amizade impagável um grupo de lisboetas interessados em conhecer o festival marginal das terras altas do Minho.

Existe naquele festival uma substância que se mistura no relvado verde e duro como os vinhos minhotos. Existe um garrido na paisagem que sugere vida como as pessoas quentes do Alto Minho. Em Coura evita-se o fast food em detrimento da naturalidade. Paredes de Coura exige o sacrifício quando a chuva coloca à prova o melómano mais empedernido. É um festival com uma força magnética única que o transforma num espaço concêntrico para o paciente musical.

Coura é essência. É para melómanos. Para doentes de música. Dos que padecem por discos novos. É o festival a que vai aquele amigo «que percebe de música». Para tipos que vazam os bares na hora de absorver uma banda desconhecida vinda de parte incerta desse mundo castiço. Coura exige um jantar rápido para não faltar à chamada da primeira banda. O objectivo é a música. E só a música. Ok, há convívio…mas e a música?

Coura tem um lado de pedagogia subjacente. Por razões absurdas não se conhece, ou sonha-se em conhecer, determinado grupo e lá se descobre os One Minute Silence em plena efervescência nu-metal, a substituir os Paradise Lost. A jam session entre Smoke City, Cool Hipnoise e Turbojunkie. Memorável! Os obrigatórios Zen. A doce violência dos Atari Teenage Riot. Os Mogwai numa hipnose de horas! A sessão bizarra entre os roadies e managers dos Lamb (ainda cordeirinhos) e dos Suede (grande, grande concerto). Os pequenos Coldplay. Os gigantes Mr. Bungle. Os balões dos Flaming Lips. A junção na mesma noite dos Stone Temple Pilots e dos Queens of the Stone Age. A nave espacial de Lee «Scratch» Perry. O Jazz na Relva (dentro do Auditório em 2004). E a viragem em 2005. Quando Portugal sentiu que estava na linha da frente dos festivais europeus. Certo é que também por consequência da força de outros festivais nacionais.

E Coura cresceu. Tentou-se pelo mediatismo de outros. Encheu-se de publicidade gratuita em determinado momento. Mas soube reconquistar ao seu espírito. Ao conforto do nicho alternativo de 20 mil pessoas. Redescobriu o caminho para casa. Como aqueles boémios que voltam para casa com uma garrafa quase vazia, que guarda o último gole saboroso da noite…

Coura para sempre

É sempre assim. Todos os anos. Invariavelmente. Com Paredes de Coura chega o sagrado. E a nostalgia por cada edição única, irrepetível, indizivelmente mágica. Estreei-me no festival em 1999, teria uns 20 anos. Rendi-me instantaneamente ao cenário. À música, que quase não conhecia e que agora quase não quero conhecer até ser ali apresentada. Às pessoas, muitas das quais só encontro uma vez por ano. É ali. Paredes de Coura é um intervalo da vida.
A primeira noite de 1999 devolve-me o anúncio de Steffi Graf. A tenista anunciara que se iria retirar das competições. E uma das amigas com quem tinha percorrido cem quilómetros para chegar ao recinto, a Dani, acérrima adepta da alemã e do ténis, desfez-se, inconsolável, num pranto. A tristeza, que ameaçava manchar a noite, só foi superada graças aos Suede. Inesquecível concerto com o Eduardinho, absolutamente louco, a trautear as canções todas de cor. Também com o corpo. A edição de 2000, que nunca caberá em palavras, estabeleceu uma nova fronteira na vida: haverá sempre um antes e um depois daquela data. A prova viva de que os contos de fadas existem mesmo. Os Coldplay davam os primeiros passos, ainda com as reticências da audiência que depois se lhes vergou. Mr. Bungle, Yo La Tengo, Sofa Surfers: nunca mais houve um cartaz assim. Os Flaming Lips permanecem como o melhor concerto da minha vida.
2001 foi um Agosto de tempestade. Lembro-me da noite em que os Morcheeba e os The Gift actuaram para um grupo de resistentes embrulhados em lençóis de plástico. E do olhar triste do João Carvalho, fundador do festival que é impossível não ter no fundo do coração. Lembro-me do conto de fadas, inciado no ano anterior, ter acabado nesse dia. Sem nunca acabar. 2002 teve um cartaz diferente do que era habitual. Os Korn e os Incubus não mereciam fazer parte da família. Mas Cousteau e os Gotan Project terão eventualmente salvo o festival.
2003 voltou a ser um ano Optimus. Mas os Mew, banda sonora dos telemóveis, não entusiasmaram a edição. Ainda assim, guardo-os com os Yeah Yeah Yeahs e os Radio4. A memória trai-me em 2004, invadida de perdas imperdoáveis: Coco Rosie, Josh Rouse, Mark Eitzel, Blues Explosion. Mas é enaltecida em 2005, sobretudo com o memorável concerto dos Arcade Fire. E dos Pixies, já velhotes, mas que nunca tinha visto. E o grande, grande Vincent Gallo!!!
Paredes de Coura é o intervalo da vida a que queremos voltar sempre. É uma espécie de família que nunca deixa de fazer parte do nosso coração, mesmo quando não cumpre integralmente as expectativas. Como um amor que nunca, nunca acaba. Obrigada. Para sempre.

segunda-feira, agosto 14, 2006

Eu voto Deco!


De acordo com uma lista divulgada hoje pela UEFA, Deco - eterno-portista, actualmente no Barcelona -, é um dos 12 candidatos ao prémio de melhor futebolista da última edição da Liga dos Campeões. O prémio será entregue na quinta-feira da próxima semana, no Mónaco.
Se eu fosse um desses 16 treinadores de equipas que atingiram os oitavos-de-final da UEFA Champions League de 2005/06 com direito a voto, votava, naturalmente, no Deco. E não é por patriotismo.

No melhor pano...


... cai a nódoa. Que o diga Günter Grass, 78 anos, Nobel da Literatura em 1999, que só agora decidiu revelar (no caso, ao jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung) que durante a juventude pertenceu às Waffen SS, a mais abominável força de elite do regime de Hitler. Que tenha mantido o silêncio durante tantos anos já é discutível; que o tenha feito um mês antes do lançamento da sua autobiografia é verdadeiramente deplorável, porque figura, pelo menos, na aparência, na mais intrincada fórmula de marketing que existe.

A minha curiosidade é agora saber se a autobiografia lança pistas de (re)leitura sobre a obra já publicada. É um direito que os leitores têm. É importante que explique de que forma devem ser interpretados livros como o primeiro, "O Tambor" de 1959, no qual tece dura crítica aos regimes totalitários. Terá sido uma forma de expiar os pecados?
A academia sueca protelou durante muitos anos a distinção de Grass devido às suas posições políticas. Mas por esta revelação é que ninguém esperava. Aquele bigode nunca me enganou!

Paredes de Coura - 14ª edição

Hoje

Warren Suicide
Miguel Quintão
Optimo Espacio
Corsage
Bandex

Amanhã

Fischerspooner
Morrissey
Broken Social Scene
Madrugada
Gomez
White Rose Movement

Quarta

We Are Scientists
Bloc Party
Yeah Yeah Yeahs
Gang Of Four
Eagles of Death Metal
The Vicious Five

Quinta

Bauhaus
The Cramps
!!! (chk chk chk)
Maduros
Shout Out Louds
CatPeople

quinta-feira, agosto 10, 2006

Parabéns!

A autor dos blogues "Puta de vida" e "A minha caixinha de sapatos" faz hoje 30 anos.

Co Adriaanse


Não há nada mais irritante do que ver adeptos de outros clubes a pulular preocupadinhos com o futuro do FCP. "Quem será o novo treinador? Só pode ser um português... Por que será que o Co Adriaanse pediu a demissão? Claro, o Pinto da Costa não sai de lá..." Metam-se na vossa vida!!!!!

segunda-feira, agosto 07, 2006

Ainda o Sudoeste

O Alentejo, interior e litoral, é um gigantesco SPA para a alma: tem o céu mais inacreditavelmente bonito de Portugal, com dezenas de estrelas cadentes por minuto; o pôr-do-sol mais romântico; a melhor temperatura durante o Verão; as melhores praias - a praia do Vale dos Homens persiste, ano após ano, como um segredo desabitado - , o melhor odor, nas ruas, nos pomares, que são particulares mas parecem públicos, a melhor gastronomia; as pessoas mais hospitaleiras e generosas; as melhores casas de turismo rural, das quais o Monte do Pápa Léguas, na Zambujeira do Mar, ou a Quinta da Dourada, em Portalegre, serão apenas dois notáveis exemplos. E os melhores preços. Sou sempre feliz ali. Infinitamente.
No entanto, na Zambujeira e, por contaminação, em Odeceixe, o festival Sudoeste danifica as melhores memórias. E o Alentejo, aquele Alentejo, passa a ser, subitamente, uma espécie de ovni maligno capaz de causar danos a quem não o conhecer fora daquele período. Dois exemplos, rápidos e recentes: pagar 75 euros por uma noite significa, habitualmente, dormir numa quinta de cenário idílico, com piscina, pequeno-almoço, fruta biológica, bicicletas, passeios xpto, animais e outras mordomias. Durante o Sudoeste significa dormir numa casa raquítica, algures numa sala com chão de tijoleira, assim, sem mais nada. Nem sequer acesso à cozinha. É verdade que é impossível reservar um sítio decente com um mês de antecedência. As melhores casas herdam reservas do ano anterior. Mas a escandalosa exploração a que as pessoas se entregam durante o festival é, no mínimo, deprimente. Sobretudo, porque apaga a aura de rara magia que só reconheço no Alentejo e, por motivos diferentes, nos Açores. Em Trás-os Montes também.
A exploração, que já é inadmissível na restauração, torna-se absolutamente criminosa quando é alastrada à Guarda Nacional Republicana. Ontem, a GNR do Cercal montou uma operação STOP à saída de S. Teotónio. Haveria milhares de pessoas a regressar a casa, muitas teriam bebido e fumado em excesso. A operação, mais do que razoável, parecia obrigatória. Ironia: rigorosamente ninguém estava a fazer o teste de álcool; os agentes, com a moleza que lhes é característica, perguntavam por tudo até alcançar a tão desejada multa: Já fez a inspecção? A morada da carta corresponde à da sua residência? Alguém conduz a viatura além do senhor? Perguntavam por tudo menos pela taxa de consumo de álcool. E nisto gastavam alegremente meia hora, cansando ainda mais quem já estava cansado, prejudicando a condução segura. Não deveriam ser punidos com uma coima? E proibição de exercer o cargo durante, pelos menos, três meses?

Sudoeste - 10 anos

É sempre bom, mesmo quando é mau. E a 10ª edição do Sudoeste foi particularmente desinteressante. Sobretudo pela ausência de concertos memoráveis: 70 bandas em catadupa, quase todas em saldo, apresentadas em registo fast-food-cronometrado, sem encore, sem interactividade, sem calor, sem nada. Repetências múltiplas: Goldfrapp, Skin, Prodigy, Xutos... E o que havia de inédito oscilou entre o mau (Madness) e a desajustada metamorfose do recinto da Casa Branca numa espécie de mega discoteca ao ar livre, com os Daft Punk a encabeçar o movimento.
As pérolas eventuais estariam nos palcos secundários. Houve elogios a Seu Jorge, a Marcelo D2, a Who made who, a José Gonzaléz, que ainda fez uma perninha com os Zero 7. Pessoalmente, destacaria os Loto e o violinista dos Arcade Fire, Owen Pallettos, que apresentou o projecto paralelo Final Fantasy. Apetecível, apesar do som, quase todo, previamente gravado.
A verdade é que ninguém sabia porque estava ali - só sabia que não estava ali por qualquer concerto particular -, como muito bem ilustrou a Antena 3 através dos mini-inquéritos à boca do palco. O festival da Zambujeira do Mar é cada vez mais uma espécie de feira popular adolescente, onde a música é, infelizmente, quem menos ordena. Vêem-se os sub-16 apanhar as primeiras bebedeiras (o ambiente foi promovido dessa forma, no mínimo, curiosa: um saco de lixo a troco de um copo de cerveja. Foram consumidos 100 mil litros em quatro dias.) e a fumar, claramente, as primeiras ganzas. É pouco. Muito pouco.
Se a zona Vip (em tese, a mais vip de todos os festivais) dispensa comentários, Álvaro Costa, na "chafarica" da Antena 3, merece uma nota. Atrás das grades do estúdio pré-fabricado, óculos escuros colocados já depois da meia-noite, lançava, estridente, abraços e beijos sobre a multidão - qual estrela rock a aceder ao assédio dos fãs. É hilariante, mas é impossível não gostar dele. Depois, há a cobertura dos jornalistas: rigorosamente igual a qualquer outro ano, sem um único pingo de criatividade. Repto: seria interessante enviar novos olhares para os festivais. Como seria importante, e sobretudo honesto, ensinar os promotores a contar. A Música no Coração assegura que estiveram no festival mais de 120 mil pessoas. Eu estive lá. E asseguro que isso é mentira.
O melhor do Sudoeste é o Alentejo.

quinta-feira, agosto 03, 2006

Rumo ao Sudoeste


Fui ao Festival Sudoeste pela primeira vez há cinco anos. Assim, de repente, lembro-me do concerto dos Flaming Lips. Inesquecível em 2000, em Paredes de Coura; requentado ali.
O melhor do Sudoeste é o Alentejo.

Gisberta III


"Gisberta", por Eduardo Dâmaso, hoje, no DN:

"O chamado "caso Gisberta", fórmula anódina de qualificar uma situação em que um ser humano foi agredido de forma selvática, lançado a um buraco nojento e abandonado conscientemente até à morte, conheceu uma sentença previsível, mas difícil de compreender.
A sentença, uma condenação dos adolescentes com idades entre os 13 e os 15 anos a internamentos de cuja dimensão verdadeiramente sancionatória se suspeita, é previsível porque à luz da lei o facto de serem menores condicionou todo o julgamento. Estão atrás da linha de imputação penal dos 16 anos e, por isso, o direito português e muitos outros ordenamentos por essa Europa fora preferem uma resposta de ressocialização à de uma sanção criminal. É próprio das sociedades civilizadas a fuga a uma visão trágica sobre o destino do homem na construção da sua autodeterminação. O tribunal acredita que é preferível dar uma oportunidade a jovens que não têm ainda consciência da fronteira entre a legalidade e o crime a encarcerá-los e transformá-los em criminosos irrecuperáveis.
Os problemas colocam-se quando se analisa o caso mais de perto. A descrição do sofrimento infligido a Gisberta feita pela própria sentença é chocante. Naqueles momentos não eram menores, estatuto puramente administrativo perante a lei, mas criaturas de uma bestialidade inominável. O seu comportamento à saída do tribunal, aliás, traduz a indiferença arrogante de quem não está arrependido e, pelo contrário, sente mesmo uma certa impunidade pelo que fez. A diminuição da idade para efeitos de imputabilidade penal não resolverá nada, mas o Estado tem de rever toda a política de menores, a justiça tem de rever a sua linguagem, mecanismos de publicitação das sentenças e valorização da prova produzida.
Tem de acabar o mero depósito de menores em instituições decrépitas e onde se respira um bafio salazarista. Tem de ser punida a maldade que se exprime em criaturas que circunstancialmente transportam rostos de criança. Há formas de punição alternativas à prisão e há países que há muito perceberam que não podem deixar banalizar o mal de consentir uma espécie de barbárie admissível desde que seja praticada por menores sobre sem-abrigo, homossexuais ou transexuais. Mas são países onde se trabalha a sério na aplicação e fiscalização das penas alternativas.
Não é admissível a eternização de uma atitude que se exprimiu de forma implacável neste caso e na sua sentença, ou seja, a ideia de que eles foram maus naqueles instantes, não são intrinsecamente maus, limitaram-se a fazer uma "brincadeira de mau gosto", são menores, vão para o internato. Perdão, senhores juízes, uma "brincadeira de mau gosto"!?"

Gisberta II


"Culpa, eu?", por Madalena Barbosa, hoje, no Público:

"Com certeza já toda a gente assistiu a este tipo de cena edificante: o menino, ou menina, anda correndo pela sala. Na alegria do movimento, esquece onde está e bate com a cabeça na cadeira. A mãe, ou pai, corre preocupada. Parar o choro é a urgência, o remédio é a vingança. Assiste-se então ao triste espectáculo, a mãe diz: "Má, feia cadeira que magoou o meu menino!" E bate na cadeira. A compensação oferecida à criança é, portanto, a vingança num móvel imóvel. Não se lhe diz: "Tenha cuidado, olhe para onde vai, veja o que está na sua frente, não se esqueça de onde está." Lição aprendida: a culpa é da cadeira, a consolação é a vingança. Eu não sou responsável. É o mundo material contra a "inocência".
Assim educadas as gentes, não é de espantar que ninguém nesta terra seja responsável por coisa nenhuma. Há um acidente de estrada? A culpa é da estrada. Ou da árvore que ali estava e não devia. Há fugas de informação do Ministério Público? A culpa é dos jornalistas, ou da informação que tinha pernas. Há descalabro nas finanças? A culpa é das finanças, ou seja de ninguém, o dinheiro corre. Hoje existe mesmo uma "culpada por excelência", a informática. Foi o computador. A máquina enganou-se, eu não. E, se for caso disso, encontra-se um ou uma empregada qualquer, de preferência na base da carreira, que é responsável pelo engano. Erros de informática, erros na feitura de testes de exame, erros nas contas públicas, culpa de alguém? Nem pensar, estas coisas acontecem.
Houve já um acórdão de tribunal sobre um caso de violação de uma menina de 14 anos, em que o violador, apanhado em flagrante delito pelo pai da criança, não foi considerado culpado porque a menina era muito alta. Um metro e setenta e cinco. Logo era culpada por não se ter defendido, mesmo com 14 anos, mesmo sendo o violador um adulto da sua família. Portanto atenção meninas e meninos: acima de um metro e sessenta não há violação. No célebre caso da criança que apanhou um choque ao carregar num botão de semáforo para atravessar a rua, a culpa foi do semáforo. E chegamos ao absurdo. A mulher morta pelo marido, vítima de homicídio provado, foi a culpada por ter queimado o jantar.
E Gisberta, espancada e atirada a um poço por um grupo de "inocentes criancinhas", foi culpada por ser o que era, pobre e transexual. Mas não só ela, o poço teve grande parte de responsabilidade. Estava ali, tinha 15 metros, era acolhedor. Sugiro que se instaure um processo ao poço. As crianças assim aprendem mais uma lição: não têm culpa, não são responsáveis. Não querem estragar-lhes o futuro. Que futuro vai ser o destas crianças, que cometeram um crime grave e sério e que dele são desculpadas? Serão inimputáveis, terão pensado que Gisberta voaria para fora do poço sozinha? Que consciência, que cidadãos vão ser estes? Como ficará marcado este episódio na sua memória?
Lição aprendida: a culpa é de Gisberta, diferente e inferior, sem importância e que não devia, à partida, existir.Quando se trata deste tipo de crime, crimes de ódio e de género, baseados no sexo que uma pessoa ostenta ou na sua orientação sexual, é costume, brando costume, culpar-se a vítima. Normalmente mulheres, são culpadas por estar ali, por estarem assim vestidas, por não se defenderem como deveriam, por ter sorrido, ou por estarem sérias, por ter aceite uma boleia ou um convite para um copo. São culpadas e é esta a descendência de Eva. Isto é tanto mais óbvio quanto as manifestações populares o provam: a família do agressor defende-o acerrimamente, todos dizem "não vão estragar a vida ao homem por uma coisa destas" (coisa que é estragar a vida a uma mulher).
Tal como no caso das prostitutas de Bragança, a culpa é das mulheres prostitutas e não dos numerosos clientes que lá vão. A culpa é da amante e não do marido, esse que faltou à palavra, que mentiu, que enganou. Ou da circunstância: "Um homem não é de ferro." Que equivale a dizer que um homem não tem querer, nem vontade, nem capacidade de escolha. É antes governado por instintos. E por isso é um coitado. Não lhes estraguem a vida. Não têm culpa. A culpa é da cadeira".

Gisberta I




"Condene-se o Poço", por Amílcar Correia, hoje, no Público:
"A Lei Tutelar Educativa, criada na sequência de uma série de assaltos cometidos por menores, que alarmou um pacato Verão, envolveu figuras públicas e provocou a demissão do então ministro da Administração Interna, foi criada com a nobre intenção de conciliar o modelo de protecção de menores com o modelo de justiça, defendendo-os da repressão penal, mas conferindo ao Estado o dever de intervir correctivamente quando aqueles praticam delitos.
Qualquer um dos regimes de internamentos previstos pela nova lei (aberto, semiaberto ou fechado), a mais grave das medidas tutelares, prevê o acompanhamento pedagógico ao abrigo da protecção do Estado no sentido da "educação para o Direito" dos menores em causa. A aplicação da Lei Tutelar Educativa aos jovens com mais de 14 anos envolvidos nas agressões à transexual Gisberta implicava a aplicação da medida mais gravosa, o internamento em regime fechado, se... Se o Tribunal de Menores do Porto, que julgou o caso, entendesse tratar-se de homicídio. O que não aconteceu.
Lê-se e não se acredita. Os maus tratos continuados a que Gisberta foi sujeita durante uma semana - agredida a murro e a pontapé, com paus e com pedras, até ficar inanimada - foram uma "brincadeira de mau gosto" de um grupo de jovens que actuou de forma leviana. E que não agiu daquela forma pelo simples facto de se tratar de uma transexual, quando o mesmo tribunal deu como provada que foi a curiosidade sexual pelo corpo da brasileira que motivou as agressões. Depois de espancada várias vezes (e se não abandonou o local foi porque se encontrava num estado que a impedia de o fazer), o seu corpo foi atirado para um poço com a profundidade de 15 metros, juntamente com um barrote e certamente com alguma intenção, mas Gisberta terá morrido porque não sabia nadar ou porque, sabendo-o, não o quis fazer, pelo que só se pode concluir que este foi um suicídio. Condene-se, pois, a água ou, melhor, o poço. E por que não a câmara municipal da cidade, que é quem gere o parque de estacionamento naquele local?
O que estava em causa era muito mais a qualificação do crime do que as medidas a aplicar e o mais natural era que, no mínimo, embora mesmo assim isso fosse duvidoso, tivessem sido acatadas as punições pedidas pelo Ministério Público, que defendia um agravamento devido à morte da vítima. A sentença branda do tribunal, que deu como provados crimes de ofensas à integridade física qualificada na forma consumada e crimes de profanação de cadáver na forma tentada, em nada contribui para a "educação para o Direito" de que fala a Lei Tutelar Educativa e legitima todas as dúvidas sobre se não terá sido o estatuto da vítima a ditar o desfecho do caso.
A negação da existência de homicídio, como se quem matasse fosse a bala e não quem prime o gatilho, é o corolário de uma acumulação de exclusões: Gisberta, nascida Gisberto Júnior, há 46 anos em S. Paulo, imigrante ilegal, seropositiva, com hepatite, prostituta, toxicodependente e sem-abrigo. E sem ninguém que defendesse a sua dignidade afogada num poço de um prédio inacabado do Porto. O desfecho deste grave e inédito caso é tudo menos pedagógico, quer para a justiça, quer para os menores."

Candy


Não sei se o filme de Neil Armfield é bom. A maioria dos críticos deu-lhe uma estrela. Mas sei que o quotidiano de quem é dependente de heroína dificilmente poderia ser mais arrepiantemente próximo da realidade. Mesmo quando se ama alguém. Sobretudo quando se ama alguém. E se promete trocar a droga pelo amor. E se tenta sair, uma vez, duas, três... e nunca se consegue. E se não for por outra coisa, vale a pena ver o filme por isso. Para sangrar. "When you're on it you don't want to stop, when you want to stop you can't."
E sei que Heath Ledger (o cowboy de Brokeback Mountain; o meu preferido era o outro, Jake Gyllenhaal) mostra porque é que não mereceu ganhar o Oscar.

“There were good times and bad times, but in the beginning there were more good times. When I first met Candy those were the days of juice, when everything was bountiful. Only much later did it all start to seem like sugar and blood, blood and sugar. . . It’s like you’re cruising along in a beautiful car on a pleasant country road with the breeze in your hair and the smell of eucalyptus all around you. The horizon is always up there ahead, unfolding towards you, and at first you don’t notice the gradual descent, or the way the atmosphere thickens. Bit by bit the gradient gets steeper, and before you realise you have no brakes, you’re going pretty fucking fast.” Luke Davies

quarta-feira, agosto 02, 2006

Gisberta

Sei desde anteontem que posso perseguir, ofender, agredir, sodomizar e matar desde que, no fim, diga que foi sem querer; que foi só uma brincadeira que correu mal. Sei desde anteontem que, na vida, ao contrário, por exemplo, do que acontece na estrada, não prestar auxílio a quem dele necessita, não é punível por lei.

terça-feira, agosto 01, 2006

O princípio do fim



"(...) a minha saúde, que tem resistido a todas as provas, ficou submetida a um stress extremo e quebrou-se. Isto provocou-me uma crise intestinal aguda com hemorragias contínuas que me obrigou a enfrentar uma complicada operação cirúrgica. Estando o nosso país ameaçado, em circunstâncias como esta, pelo Governo dos Estados Unidos, tomei a seguinte decisão:Delego com carácter provisório as minhas funções como primeiro-secretário do Comité Central do Partido comunista de Cuba no segundo-secretário, camarada Raúl Castro Ruz; delego com carácter provisório as minhas funções como comandante supremo das heróicas Forças Armadas Revolucionárias nesse mesmo camarada (...); delego com carácter provisório as minhas funções como Presidente do Conselho de Estado e do Governo no primeiro vice-presidente, camarada Raúl Castro Ruz."