O autor que me perdoe, mas encontrei este texto no Diário Digital e não resisto a publicá-lo. Com a devida vénia.
As confissões de amor não se evitam. Ou não fossem elas confissões. Acto de contrição em que o âmago não é evitado. E do pouco que se pode conhecer sobre esse tipo estranho que é o amor, fixa-se a paixão. Paredes de Coura é amor. Mas de longa data. É um beijo longo na face da cara-metade. É aquela relação em que o parceiro não revela qualquer ciúme quando se trata de visitar outros festivais. De Carviçais, não se lhe inveja a secura da paisagem. De Vilar de Mouros, não se abate com a maturidade. Do Sudoeste, não se vislumbra com a excentricidade física da plateia. Do Ermal, não inveja a beleza natural. De Sines, não amua pelo conforto de ripostar com guitarras eléctricas.
Importa confessar que nenhum outro festival submete o escriba de prosa a tamanha ânsia. Já lá vai uma década de romance. E ano após ano existe a vontade de voltar a reviver a entrada triunfante da passagem pela pequena (mas bela) ponte antes de chegar à «benda» do amigo Zé. Aquele que há uns anos recebeu com uma amizade impagável um grupo de lisboetas interessados em conhecer o festival marginal das terras altas do Minho.
Existe naquele festival uma substância que se mistura no relvado verde e duro como os vinhos minhotos. Existe um garrido na paisagem que sugere vida como as pessoas quentes do Alto Minho. Em Coura evita-se o fast food em detrimento da naturalidade. Paredes de Coura exige o sacrifício quando a chuva coloca à prova o melómano mais empedernido. É um festival com uma força magnética única que o transforma num espaço concêntrico para o paciente musical.
Coura é essência. É para melómanos. Para doentes de música. Dos que padecem por discos novos. É o festival a que vai aquele amigo «que percebe de música». Para tipos que vazam os bares na hora de absorver uma banda desconhecida vinda de parte incerta desse mundo castiço. Coura exige um jantar rápido para não faltar à chamada da primeira banda. O objectivo é a música. E só a música. Ok, há convívio…mas e a música?
Coura tem um lado de pedagogia subjacente. Por razões absurdas não se conhece, ou sonha-se em conhecer, determinado grupo e lá se descobre os One Minute Silence em plena efervescência nu-metal, a substituir os Paradise Lost. A jam session entre Smoke City, Cool Hipnoise e Turbojunkie. Memorável! Os obrigatórios Zen. A doce violência dos Atari Teenage Riot. Os Mogwai numa hipnose de horas! A sessão bizarra entre os roadies e managers dos Lamb (ainda cordeirinhos) e dos Suede (grande, grande concerto). Os pequenos Coldplay. Os gigantes Mr. Bungle. Os balões dos Flaming Lips. A junção na mesma noite dos Stone Temple Pilots e dos Queens of the Stone Age. A nave espacial de Lee «Scratch» Perry. O Jazz na Relva (dentro do Auditório em 2004). E a viragem em 2005. Quando Portugal sentiu que estava na linha da frente dos festivais europeus. Certo é que também por consequência da força de outros festivais nacionais.
E Coura cresceu. Tentou-se pelo mediatismo de outros. Encheu-se de publicidade gratuita em determinado momento. Mas soube reconquistar ao seu espírito. Ao conforto do nicho alternativo de 20 mil pessoas. Redescobriu o caminho para casa. Como aqueles boémios que voltam para casa com uma garrafa quase vazia, que guarda o último gole saboroso da noite…
Eu é que agradeço.
ResponderEliminarMuito obrigado pela leitura.
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