domingo, julho 31, 2011

Pedro Bidarra: Maldita expressão


[O Expresso inaugurou, há uns meses, uma rubrica na Única chamada "Este mês a coluna a minha". Em cada mês, o espaço é ocupado por um convidado diferente, que escreve semanalmente o que lhe der na veneta. Abriu em mau, com Guta Moura Guedes, que aparentemente não tinha nada a acrescentar ao mundo, continuou em mau com um qualquer entendido em gastronomia, melhorou um bocadinho, mas pouco, e só pela piada que ela não consegue não ter, com Maria João... E pronto, assim de repente, é do que me lembro. Até porque às tantas comecei a saltar aquela página. Até ter chegado Julho, o mês de Pedro Bidarra, o criativo da BBDO. Partilho o que suponho ter sido o último texto dele para a dita rubrica, publicado ontem.]

"Vou mandar fazer o meu logótipo lá fora", "o gajo é top, estudou lá fora", "o ministro deve ser bom, fez toda a carreira lá fora", "porque é que não fazemos como se faz lá fora?"

"Lá fora" é uma expressão que se ouve em todo o lado cá dentro, é a expressão de uma maldição que corrói o espírito criativo e que ensombra toda a vida portuguesa, da produção artística aos sectores que dela mais distam, pois o espírito criativo não é da arte, é da vida e é a ela que faz falta. Quem não ouviu ainda esta maldita expressão? Como se a virtude estivesse sempre lá fora e o defeito cá dentro. Ó saloiice. O país, que importa tudo e exporta pouco, habituou-se de tal maneira a pedinchar que também importa soluções e pensamento.

As nossas inseguras elites ajoelham-se ao "lá fora", venerando o anglo-saxão, o espanhol, o francês e até o alemão. "Lá fora" vêem a luz, caem reverentes, desligam o pensamento e acreditam. É só fé, a fé dos complexados, dos wannabes, e por isso é raro ver um gesto original em Portugal, seja político, empresarial, social ou artístico, e por isso copiamos como se não tivéssemos cérebro, educação ou vergonha.

Quem perde é o país. É que a independência nacional depende da originalidade e se nada de original dermos ao mundo. nele não teremos qualquer utilidade como nação; seremos apenas um exemplo de irrelevância. Ora, um país que escolhe a imitação como modo de vida é um país pobre em originalidade e só rico em problemas cujas soluções não encontrará, pois o espírito criativo, o único capaz de as encontrar, definhou fatalmente.

Devíamos banir o "lá fora", que nos faz tanto mal. A maldita expressão devia ser banida dos debates, das discussões e das decisões - e quem a ela recorresse, para decidir ou apenas para argumentar, devia ser acusado de possidonismo intelectual e gozado (como pena). Talvez assim fossemos capazes de olhar cá para dentro e encontrar a energia da originalidade e da invenção, i.e, o espírito criativo"

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