sábado, julho 30, 2011

Manoel de Oliveira & Raul Brandão


Ainda não tivemos um filho e provavelmente nunca escreveremos um livro, mas já plantámos uma árvore. Duas, três, quatro. Uma oliveira, um limoeiro, um pinheiro e um medronheiro. Todas têm nome e significado. A oliveira é o Manoel (quase foi Germano - e ele merecia), homenagem ao realizador que nos comove. Vive lado-a-lado com o pássaro de pau que trouxemos de Viana num domingo de sol de Maio, partilha o espaço com a caveira de plástico que roubámos de Woodstock na véspera de Obama ganhar as eleições, o que, na altura, significou devolver-nos a esperança - nos políticos, no mundo, na humanidade, no futuro. O Manoel não é uma árvore cinematográfica, representa sobretudo o espírito das pessoas e das coisas que nunca, nunca deveriam morrer. É lição quando abrimos todos os dias a janela.

O Manoel, o verdadeiro, o Mestre, 102 anos de vida, anunciou esta semana que vai adaptar "O Gebo e a Sombra", de Raul Brandão ao cinema. O filme vai ser rodado em Paris, em Setembro, e falado em francês. Não percebemos o porquê do francês, mas tudo bem. Oliveira pode fazer o que quiser, e querendo fazer Brandão, o nome de baptismo do pinheiro, nome do nosso escritor-fétiche, escritor-obsessão, o nosso escritor maior, até podia fazê-lo em chinês. Contamos os dias para ver.

"O Gebo e a Sombra" é uma peça de teatro escrita em 1923, triste como só os livros de Brandão. É sobre a pobreza, como sempre, sobre a miséria, sobre a desgraça de ser honesto e roubado, de ser honrado e escarnecido, de mentir para manter um sonho - o sonho de morrer sem saber da verdade que dói. Sobre poupar o outro da dilaceração do desapontamento. É um livro magrinho e enorme. "Ou a vida é um acto religioso ou um acto estúpido e inútil".

Diz Gebo, personagem de outras histórias, sempre as mesmas angústias: "Foi tudo inútil? Sinto que todos precisamos de nos sacrificar. Então tu imaginas que eu não tenho também horas de dúvida? De uma tristeza inexplicável, quando ouço uma voz dizer-me baixinho coisas que não quero ouvir. Mas calo-as, finjo que não as ouço. É o meu dever. E teimo: tenho sido sempre um homem honrado, arrastei sempre esta cruz... Tu ouve-la? (...) Os outros estão ricos e eu estou pobre, por causa dos meus escrúpulos? Se soubesses o que isto me custa! O que isto me tem custado de gritos sem ninguém ouvir! Aqui entre nós nunca o contei a ninguém, nem talvez a mim mesmo. Não chores... Às vezes sinto-me tão pobre e tão triste! Vem-me um negrume, é mais que tristeza, é talvez a morte... Um homem deve ser honrado acima de tudo, o seu dever é ser justo e honrado ou é enriquecer?"

1 comentário:

  1. agora tenho de ler este livro. tenho o humus e a morte do palhaço. achei-os tristes e brilhantes ao mesmo tempo. estou a ver que a receita se repete ao longo da obra.

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