terça-feira, outubro 30, 2007

Saliva

Eu quero casar contigo amanhã
Abre os olhos vem comigo, diz:
Parar
Vamos gastar muita saliva
Mergulhar e ver-te flutuar
Eu quero ver-te a afundar
Para depois te salvar
Eu quero lutar contigo devagar
Dá-me os braços vem comigo
Expirar
Vamos selar com a nossa saliva
Pensar que fosses tu também
Amiga
E vou usar a tua saliva
Poupá-la da má lingua da intriga
Eu quero ver-te a afundar
E vou tentar-te salvar
Vamos gastar muita saliva
Lamber as feridas e limpar o mundo
Quero levar-te a vida
Mergulhar e ver-te ir ao fundo
Vamos gastar muita saliva
Orgulhar-me de ser teu fiel defunto
Quero usar saliva
Selar a carta e mudar de assunto
Ficar a ver-te fumar
Para depois te apagar
RUI REININHO (grande, grande Reininho!)

segunda-feira, outubro 29, 2007

Quantas promessas de Cristina Kirchner poderão cumprir-se?



Promete manter o crescimento económico do país e o equilíbrio da aliança estratégica com a Venezuela de Hugo Chávez e o Brasil de Lula da Silva. Promete melhorar a relação com os Estados Unidos de George Bush e combater a inflação, a pobreza, o desemprego e todas as “tragédias” que daí advieram para os argentinos, sobretudo entre 2001 e 2002, resultado de um governo industrialista. Promete, no fundo, ser melhor e mais ambiciosa do que o marido, Néstor Kirchner, a quem agora sucede.

Cristina Fernandéz Kirchner, senadora peronista social-democrata, advogada, 54 anos, anteontem eleita primeira mulher presidente da Argentina, deverá assumir o poder a 10 de Dezembro. Ganhou, nas urnas, com larga margem de distância (46,3%) em relação à liberal-cristã Elisa Carrió, beneficiando sobretudo da inversão da crise, protagonizada pelo marido. Mas conseguirá cumprir o prometido? Conseguirá, sequer, apesar da vitória à primeira volta, convencer os argentinos de que é capaz de o fazer?

Numa incursão pelos locais de voto, os jornalistas da agência France Press afirmaram ter presenciado “um clima de apatia e desinteresse político”, o que poderá denotar que os argentinos não esperam dela senão “mais do mesmo”, uma espécie de continuidade, no feminino, do mandato de Kirchner. Por outro lado, o futuro governo deverá enfrentar uma inflação real elevada – entre 15% a 20%. E embora o Brasil se tenha apressado a garantir que tenciona aumentar o fluxo de investimentos no país vizinho, a verdade é que a Argentina deverá ser obrigada a conviver com uma queda dos investimentos.
Haverá ainda a difícil batalha com os sindicatos pela obtenção de aumentos salariais. Ela pediu “um pacto social” entre empresários, governo e sindicatos; os sindicatos responderam reclamando um aumento de 30%. Depois, há todos os outros dossiês, como o da insegurança ou da violência, por exemplo, que Cristina Kirchner – cuja campanha esteve quase toda concentrada nas relações internacionais –, consciente ou inconscientemente, nunca abordou em período eleitoral. Nunca foi clara, também, em relação a medidas concretas ou à definição de uma estratégia futura para o país. Limitou-se sempre só a assegurar a continuidade.
Eleita várias vezes deputada e senadora, Cristina Kirchner possui uma carreira política mais longa do que a do marido. E mais impetuosa. Desta vez, a candidata da Frente para a Vitória deixou para trás 13 adversários.

No entanto, a mulher que agora é levada ao colo pela imprensa mundial, que lhe compara a ambição e importância às de Hillary Clinton e a baptizou já de “a nova Evita” – senão pelas ideias, sobre as quais há quem tenha dúvidas, pelo menos, pela indumentária europeia e aparatosa –, poderá não passar de um fogo fátuo.

sábado, outubro 27, 2007

Rodrigo Guedes de Carvalho: Canário

Nunca ninguém tem coragem de matar alguém até matar alguém pela primeira vez. Nunca ninguém julga ter a motivação suficiente para ceifar uma vida até aparecer o primeiro “bacano” disposto a sugar tudo o que, bem ou mal, se construiu. “Já viste como o medo nos dá para querermos magoar? E a tentação de foder um cogumelo destes”. Geraldo está preso por homicídio e fala assim. Directamente para o leitor. ”Tu gostas de mensagens, ó leitor, aposto”. Mas ele, que atirou pela janela o amante da mãe que não parava de a espancar, não tem mensagens para dar. Só a vaga sensação de liberdade que pode sentir quem, estando preso, será mais livre do que todos os outros, porque tem já muito pouco a perder.

“Canário”, título do mais recente romance de Rodrigo Guedes de Carvalho (RGC), é uma armadilha. Não há pássaros, nem asas, nem quase nada que não seja a falta de ar experimentada na escotilha em que vivem todos os que, um dia, recebem um aviso a dizer: a vida não é um conto de fadas. Aquele que é, talvez, o melhor livro do autor, é também o mais mordaz. Sobre os demónios que nos habitam e visitam. E sobre o que eternamente se desconhece das pessoas, por muito próximas que nos sejam. “Há uma cave dentro de nós. Nunca, mas nunca mesmo, saberemos tudo acerca do outro”. É sobre a desilusão. E os estilhaços da dor.

Como em quase todas as obras de RGC é preciso algum tempo para perceber onde quer levar-nos. Aqui, a história é contada numa plataforma tripartida. Geraldo representa só um lado do triângulo. É o rapaz que um padre há-de querer salvar, porque “quer continuar a acreditar que a maldade não está em nós, que é um corvo do escuro que às vezes nos fala ao ouvido”. O padre está tão preso como o presidiário: recluso da necessidade de salvar alguém. Acompanha, na doença e na morte, a mãe de Geraldo, prostituta que ambicionava ser enfermeira, e apresenta-o ao pai, escritor célebre, de casamento sólido, que um dia caiu na cama dela, engravidando-a sem querer. Sem saber.

Alexandre, escritor “que não gosta que lhe falem da palavra competição na literatura”, mas vive – tão preso como o filho, tão preso como o padre – no pânico de esvaziar-se e ser ultrapassado pelas novas gerações de escritores, é o segundo vértice do triângulo. E talvez aquele em que RGC mais se denuncia. Por muito injusto que possa ser querer procurar as angústias de um escritor na vida de um personagem. “Numa altura em que se usava uma prosa de mera observância, Alexandre acenava-nos de dentro das personagens e dos lugares. Um vírus hospedeiro, lancinante de acutilância”. Casado com Maria Antónia, nunca viveu para ela, mas com ela ao lado. Aliás, nunca viveu – mesmo no encontro com o filho que desconhecia - senão aquilo que poderia ser reproduzido em livro. E ela, a mulher que abdicou de ser o que era – e que já nem se lembra o que é – por causa dele, ela – tão presa como o filho do marido, tão presa como o padre, tão presa como o homem que amou – percebe que nunca viveu realmente.

Nem ela, nem a filha de ambos, Camila, o último ângulo do polígono. Veterinária, “bomba-relógio que não rebenta, vai rebentando”, tão apaixonada como a mãe pelo marido, tão presa como todos os outros, vê o casamento desmoronar-se quando o homem que lhe deu um filho não aceita que o filho seja, também ele, um presidiário – recluso no seu autismo.

“Canário” é sobre coisas “que acontecem e não matam, e também não tornam ninguém mais forte”. É sobre o que sobra quando as máscaras caem.

sexta-feira, outubro 26, 2007

Gabriel Garcia Marquez: Memórias das minhas putas tristes


A única memória inequívoca no primeiro dia dos seus 90 anos confrontado no tribunal da sua consciência: nunca se havia apaixonado. O velho jornalista, limitado agora a uma crónica dominical no jornal de uma vida, nunca havia sentido no peito a opressão que provoca o amor. Tivera muitas mulheres, demasiadas, mas nunca nenhuma a quem não tivesse pago. “O sexo é o consolo de uma pessoa quando lhe falta o amor”.

Para o derradeiro consolo, deseja algo novo: uma criatura virgem. Mas o destino troca-lhe as voltas, e o homem que “sempre tinha pensado que morrer de amor não passava de uma liberdade poética”, sente, pela primeira vez, “o prazer inverosímil de contemplar o corpo de uma mulher adormecida sem as pressas do desejo”. E a vontade maior de que a vida pudesse ainda reservar-lhe outros 90 anos para sorver aquela sensação.

Gabriel Garcia Marquez está todo dentro das 114 páginas de “Memória das minhas putas tristes”. Regressou ao romance em 2005, que não publicava há dez anos, desde “Notícias de um sequestro”, e regressou, de certa forma, à autobiografia, iniciada com o primeiro de três volumes de “Viver para contá-la”. Apaixonado, sábio como sempre, nostálgico, melancólico e metafórico, o escritor columbano, Nobel da Literatura em 1992, faz um ajuste de contas público com os anos que já não voltam. A palavra “memória” é mais importante do que tudo o resto, e sobretudo mais importante do que o resto do título sugestivo, porque é dela que agora se ocupa quase em regime de exclusividade. Na ficção e na vida real.

Para cumprir o seu desejo em dia de aniversário, o velho jornalista procura Rosa Cabarcas, dona do bordel do qual foi cliente assíduo desde a adolescência, solicitando-lhe o selo de castidade de uma das suas raparigas. Delgadina será a eleita. E a responsável pela descoberta de tudo o que já não julgava provável na curva descendente da existência. “Foi algo novo para mim. Ignorava as manhas da sedução e tinha sempre escolhido ao acaso as namoradas de uma noite, mais pelo preço do que pelos encantos, e fazíamos amor sem amor, semivestidos a maior parte das vezes e sempre às escuras para nos imaginarmos melhores”. A menina que nunca resiste ao sono quando o homem chega, e o obriga a esperar noite após noite por um sinal de vigília, inicia-o na única experiência que desconhecia em absoluto: o ardor do ciúme e o desespero da nostalgia polvilhado pelo olhar incessante para o telefone como se fosse um jogo em que os pontos chegam sob forma de um toque.

O amor, mesmo que doa, ou o sexo sem obrigações? “Não teria trocado por nada do mundo as delícias do meu pesar. Tinha perdido mais de 15 anos a tentar traduzir os cantos de Leopardi, e só naquela tarde os senti a fundo: “Ai de mim, se é amor, quanto atormenta”.

quinta-feira, outubro 25, 2007

Pilhagem by blogue "Lê-me nos lábios"


Directa ao assunto: estes pés, que poderiam ser de qualquer pessoa, são, por acaso, meus. E não de uma senhora que assina Lady C. no blogue "Lê-me nos lábios" , fazendo acompanhar a imagem de um texto meu. Coloquei-os no blogue a 26 de Fevereiro, em véspera de férias. A criatura que publicou duas fotografias minhas, dizendo ser ela, é a mesma que assina vários textos retirados - alguns ipsis verbis; outros adaptados - do Coriscos.
Não sei quanto tempo permanecerá o dito blogue on-line. Descobri, por mero acaso, a pilhagem ontem à noite quando, à deriva no google, encontrei uma frase sobre a reportagem de Jordi Burch e Ana Sofia Fonseca, em Cuba, que me soou demasiado familiar. Fui confirmar: era plágio! A versão original está aqui, publicada a 29 de Julho; a cópia estava aqui. Mas já não está. Hoje, confrontada, na sua caixa de correio, pelo Ricardo e pelo próprio Jordi (por quem, aliás, também se faz passar nos comentários), a autora apressou-se a retirar o post.
Esqueceu-se, no entanto, de retirar todos os outros - dezenas - que, descaradamente, roubou. Mais descarado por, a acreditar no que sobre ela escreve, tratar-se de uma jornalista. Psicopata, mas jornalista. E esqueceu-se, também, pelo menos, por enquanto, de apagar os diálogos que ela própria depositou na sua caixa de comentários, copiados do blogue Diálogos Pueris que, por acaso, também me pertence.
Aguns exemplos gritantes: A 1 de Abril, decidi terminar o Coriscos. Escrevi este texto. Lady C. dediciu, também, acabar com o seu blogue a 20 de Julho, reproduzindo exactamente o mesmo texto. No intervalo, criei o Partículas Elementares, homenagem a um dos meus escritores de eleição, Michel Houellebeqc. A senhora deu imediatamente o título a um dos seus posts: uma foto de um umbigo, que ela diz ter sido tirada pelo Jordi. Poderia ser só uma coincidência, não fosse o caso de citar todos os autores que cito - Vergílio Ferreira, Eduardo Prado Coelho, Vinícius de Morais -, com os mesmos rigorosos excertos.
Quando retomei o blogue - ela retomou o dela a 26 de Julho; eu a 20 de Junho -, baptizei quase todas as tags com títulos de obras de arte que estão compiladas na Anamnese, manual de artistas contemporâneos com exposições entre 1993 e 2003. A criatura decidiu fazer o mesmo, com destaque para o separador "Can we live twice", de onde pilhou a maioria dos textos, e que lhe serviu de título para um post.
(este post aparece agora como "Uma segunda vida". O título foi alterado há instantes)
Alguns posts plagiados:
original publicado a 12 de Fevereiro - cópia a 1 de Maio;
original publicado a 16 de Março - cópia a 18 de Setembro;
original publicado a 28 de Maio de 2007 - cópia a 4 de Junho;
original publicado a 5 de Março de 2006 - cópia (excerto) a 17 de Maio;
original publicado a 29 de Janeiro de 2007 - cópia a 8 de Maio;
original publicado a 18 de Março - cópia a 26 de Abril;
original publicado a 19 de Novembro de 2005 - cópia a 26 de Abril;
E há muitos mais... (ou havia porque Lady C. está a fazer delete a algumas coisas...)
Não está, obviamente, em causa a qualidade dos posts. Não importa se são bons, maus ou muito maus - são meus. Está em causa a gritante falta de respeito, e de tudo, de Lady C.
[Lady C., depois da publicação deste post, apagou todos os textos e fotografias roubadas. Apagou também a fotografia que o Jordi, supostamente, lhe havia tirado.]

terça-feira, outubro 23, 2007

À noite

Os táxis passam, devagar, luz verde no néon do tejadilho, mas não param. Uma mulher assim, sozinha àquela hora da noite, sozinha em frente ao portão de uma garagem, noite escura, escura e fria, uma mulher assim ali pousada até pode ser santa, mas não é. Nunca é. Mesmo que seja, não pode ser. Mesmo que não seja santa e seja só talvez uma pessoa normal, alguém à espera de alguém ou mesmo só de um táxi. Mas não, sozinha ali, o fumo do cigarro a confundir-se com o da respiração, a sombra do corpo no chão a agigantar o perfil, não pode ser santa, não pode ser nada. Não pode ser boa coisa. Os táxis passam, abrandam, quase param acossados pela curiosidade, pela pulsão do sórdido, não param. Param os carros, os outros, os que não têm taxímetro. Silenciosos, estacionam, vários homens lá dentro. Homens ou rapazes, tanto faz. É tudo a mesma coisa. Casados, mal casados, solteiros, viúvos, divorciados. Sozinhos. Sozinhos em grupo. A maioria nem sequer sabe. Estacionam, descem o vidro da janela do carro que parecem conduzir em 15ª mão e ficam ali com aquele olhar a dizer: fico aqui o tempo que eu quiser, o tempo que me apetecer, se quiser fico aqui até amanhã de manhã e tu, pensam, tu ó minha puta, não tens nada a ver com isso. Ficam ali parados por fora, esgueirados por dentro, como quem suspende a respiração debaixo de água, a ver quanto tempo conseguem aguentar ficar ali sem ordinarizar. O verbo não existe, mas se existisse seria este o verbo a aplicar. A aplicar quando uma mulher está assim à noite sozinha esquecida na rua.

Kierkgaard

"Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder".

sexta-feira, outubro 19, 2007

Boneca, Ibsen


"Ninguém encena ninguém a não ser a si próprio", escreveu Nuno Cardoso a propósito de "Boneca", encenação construída a partir de "A casa das bonecas", do dramaturgo e dramático norueguês Henrik Ibsen, que estreou ontem no Centro Cultural de Vila Flor, em Guimarães. E ele não consegue, não sabe encenar-se mal. Intimista, sem as acrobacias do costume, a peça é sobre a morte da inocência. Tão violenta como todas as outras criações do encenador. (Voltarei ao assunto)

Guimarães: 18 a 21 de Outubro 2007
Lisboa: 15 e 16 de Novembro 2007
Braga: 11 2 12 de Janeiro 2008
Porto: 7 a 16 de Fevereiro 2008

quinta-feira, outubro 18, 2007

Les chansons d'amour


Não é um musical, embora seja quase todo cantado (belíssimas canções de Alex Beaupain). Não é um drama, embora doa. Não é uma comédia. Não, definitivamente, não é (quem raio cataloga os filmes?) uma comédia! Não é sobre um triângulo amoroso, embora o triângulo amoroso esteja lá. Não é sobre a morte, embora a perda não se esconda. Não é sobre o género do amor. Parecendo estar lá, não está, porque o amor não tem género. Será, quando muito, sobre a busca da felicidade. E sobre como se tropeça nessa busca e se levanta para voltar a cair. Mas nem isso basta para definir o filme de Christophe Honoré que estreia hoje em Portugal. Os críticos - nada de novo - já o mataram. Eu acho que não poderia ser mais terrivelmente belo.

sexta-feira, outubro 12, 2007

XXX Congresso do PSD IV

José Leite Pereira (director do JN) e Ricardo Jorge Pinto (jornalista do Expresso) são os comentadores convidados da RTP N para analisar o Congresso do PSD. Carlos Magno é o comentador de serviço no palco de Torres Vedras. Estão os três em directo. Escapou-me alguma coisa ou este último decidiu substituir o comentário político pela análise ao jornalismo.

XXX Congresso do PSD III

Marco António Costa, discípulo de Luís Filipe Menezes (ah, a pena que deve ter tido quando o homem anunciou que iria acumular a liderança do partido com a presidência da Câmara de Gaia!...), acaba de ser denunciado na RTP N. Ele terá afirmado em off, Daniela Santiago, a jornalista, citou-o, e ele antes de comentar, em on, o congresso, avisou-a de que não lhe voltaria a dizer mais nada. Hilariante! Eis a frase, tão ilustrativa do cenário: "A nossa função é ajudar a que o líder não se despiste".

XXX Congresso do PSD II

Menezes falou para a Esquerda e para a Direita, para dentro e para fora, para cima e para baixo. Vale tudo para cortar senão as metas todas em 2009, pelo menos uma. E para o novo líder do PSD tudo parece mostrar a vitalidade do partido: criticá-lo e solidarizar-se com ele; estar presente ou ausente, ser contra ou a favor do líder.
Se o discurso funciona e faz criar expectativa - e Manuela Ferreira Leite, apoiante de Marques Mendes, já o elogiou - ainda vamos assistir ao regresso de todas as ovelhas douradas e tresmalhadas do partido. Ah, a sede de poder...

XXX Congresso do PSD I

Enganou-se Marcelo Rebelo de Sousa e quase todos os analistas, enganaram-se militantes elitistas ou pseudo elitistas, enganaram-se os jornalistas. Enganaram-se em relação à vitória de Luís Filipe Menezes nas directas e sobretudo em relação ao surpreendentemente rápido regresso de Pedro Santana Lopes, que hoje chegou a Torres Vedras como o verdadeiro padre da paróquia.
Se um populista incomoda muita gente, dois populistas juntos...

terça-feira, outubro 09, 2007

Ritual de acasalamento das ostras

"Sinto-te a faltar por entre os dedos, sinto-te a escorrer por entre as casas, sumir pelos bueiros das ruas nas primeiras chuvas. Tem chovido muito, de facto, e tu tens-te esgueirado pelos beirais com os primeiros pingos, tenho-te confundido muito com a chuva.
Não sei se fecho a torneira ou se continuo a descrever em branco os salpicos de luz... Tenho-te perdido muito, muitas gotas de ti.
Sinto-te a escorrer pelas montras das lojas, pelas janelas das casas, pelas tocas dos bichos, pelos postes preferidos dos cães.
Sinto-te faltar quando saio à rua e vejo que as crianças continuam a deformar o nariz contra as montras, que a peixeira da esquina continua a ter má pontaria para os caloteiros. Sinto-te longe sobretudo quando o meu nariz gela.
A verdade é que estpu a sentir-te como quem pisa chamas, como quem anda sobre cinzas. Sinto a tua falta como se houvesse um corte profundo numa fímbria qualquer de um corpo por inventar.
Mas continua tudo na mesma, só as crianças parecem esborrachar ainda mais o nariz contra as montras das lojas.
Tenho de cortear as unhas, mas
continua tudo na mesma, tudo na mesma,
continuo a riscar o chão sem querer
continuo a ter dores matinais, vespertinas e nocturnas
Continuo a deixar o leite ir por fora, por puro gozo.
Comprei uma vela de framboesa,
continuo a queimar os dedos
continuo a queimar
tenho tido muito frio
tenho tido os olhos cinzentos
tenho sentido a tua distância como quem acorda
a meio da noite."
Marta Loureiro, Edições Temas, 2001