Lembrava-se da existência dele na vida dela ser apenas coisa ténue. Bela, mas inofensiva. E de ter começado a gostar dele de forma mais ou menos instantânea, amor à primeira vista, mas amor casto. Tratava-o com deferência, e essa deferência queria mesmo significar isso: respeito à prova de bala, ele ali à distância de sete vidas, de mil cidades, ele ali no altar e ela lá em baixo, às vezes em bicos de pés para se fazer notar. Depois, a distância, não a deferência, encurtou-se, emagreceu. Passou a tratá-lo com um fio de filigrana na mão, como uma criança segura um papagaio no meio da tempestade, sabendo que nunca conseguirá guiá-lo na ventania, mas sempre na esperança de que se fechar bem o punho não o irá perder, e se o puxar, se puxar o fio, talvez consiga mantê-lo mais perto. Talvez do coração, o único lugar onde nunca nada de perde. Lembrava-se de no início gostar dele como gostava talvez daquelas pessoas mais velhas, daquelas com quem se perde na conversa, e com quem a conversa se repete mais duas ou três vezes antes de nunca mais se repetir. Gostava dele como desses, o que significava gostar sem medo de os ganhar ou perder, sem medo de nunca mais voltar a vê-los. Mas dele passou rapidamente a gostar com medo. Com medo de nunca chegar a ganhá-lo para um dia poder perdê-lo. Com medo até de nunca chegar a vê-lo pela primeira vez, quanto mais de um dia deixar de o ver. Gostava dele sem chão, ou pior, com um chão trémulo por baixo, volátil, com uma daquelas pontes dos filmes, cheias de buracos e corrimãos de corda coçada, em que o primeiro passa e o último cai. Mesmo assim, quando não era sexta-feira, sentia-se feliz. Estranhamente, quase pornograficamente feliz. Embriagada. E leve. Tão leve que seria capaz, como Cristo, de caminhar sobre as águas do mar sem se afundar. Estar à beira da possibilidade era sempre estar à beira do precipício.
sexta-feira, outubro 08, 2010
Sexta-feira
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Lindo,adorei o texto.
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