sexta-feira, outubro 22, 2010

A fada Oriana II


Porque há histórias que vale mesmo a pena partilhar. Porque me comoveu e porque me aqueceu o peito. Devidamente autorizada, tomo a liberdade de partilhar um mail de Donzília Martins, autora com vários livros publicados. Entre eles, a poesia: Lágrimas e Sorrisos em Sonhos de Vida (1991); Lírios Do Campo (2004), Quando o teu Olhar (2006); e a literatura juvenil: História do Zé Luís, o menino petiz (2008) e Sonhos de Encantar (2009). Obrigada, Donzília, pela partilha.

"Li no JN de 16/10/010 uma reportagem, cujo título, em letras gordas e grandes, cantava: “Fada Oriana vive com 250 euros por mês”. No lead da notícia acrescentava: “Estudante universitária consegue poupar dinheiro a partir da bolsa que recebe. Esse exercício permite-lhe assegurar as suas despesas mensais, mesmo que o Estado, como este ano, se atrase no pagamento”. A terminar a notícia a repórter interrogava: “Há alguém que com esta idade (20 anos) conseguisse fazer esta gestão do dinheiro e dos afectos?" Resposta: Há! Houve! Fui eu.

Também como esta Ana Sofia, não tinha duas asas para voar nem varinha de condão como a fada oriana, mas muitos sonhos que me faziam voar e muita Vontade a fazer de varinha de condão, com a qual arredava qualquer obstáculo que se interpusesse no meu caminho. Comecei também com o dinheiro poupado pela avó, guardado numa caixinha de latão com as medidas de 8/8/7cm. Esta caixinha “Mágica” como lhe chamei no meu livro de contos, estava cheia de moedas de dez escudos (10$00). Nesse tempo, há 54 anos, não havia escolas como há hoje, nem se podiam frequentar com qualquer idade. Como já tinha 14 anos, não pude ir para o liceu, nem para a escola comercial. Tive de ir para um colégio particular como aluna externa. Comecei a pagar (510 $00) quinhentos e dez escudos, o que era uma fortuna para a época e que ia aumentando cada ano.

Estava numa casa (à caravela), com direito a estadia e cozinharem, e pelo qual pagava 100$00 cem escudos. Toda a comida ia de casa. Dava-se uma tanta já estipulada. Se a senhora fosse desgovernada, não chegava…Como os meus avós eram lavradores, só havia dinheiro quando se vendiam os produtos da terra: Castanhas, amêndoas, azeite. Cada mês o dinheiro da caixinha ia diminuindo… e por isso todos os centavos eram preciosos. Não havia extras, nem roupas, nem sapatos. Apenas duas mudas de roupa, dois pares de sapatos e a bata. Só ia a casa no Natal, na Páscoa e nas férias grandes. A menina de 14, 15… anos teve sempre de se governar e orientar sozinha. Nada de passeios e muito menos saídas. Todo o tempo era dedicado aos livros. Conheci o mar já com 18 anos quando viajei com o colégio pela 1ª vez. Quando conto isso aos netos eles nem acreditam e se lhe chamamos a atenção para as economias eles respondem:

- Ó avó já ouvimos essa história muitas vezes.
Poupava-se em tudo. Era fome com pão.

Sempre tive o dinheiro necessário para tudo porque o poupava e a ele recorria sempre que a avó demorava a enviar. O mais importante era pagar o colégio e a casa. Foi assim de degrau em degrau que fui caminhando, poupando e gastando um, quando tinha três. Fiz um curso médio. Depois um curso superior. Dei aulas 36 anos. Estou aposentada, mas esses valores de poupança continuam a render para as viagens que faço e para os livros que à minha conta edito.

E tudo devo às asas que a fada Oriana, minha avó, me emprestou.

Quem poupa sempre tem. Nunca se deve gastar acima das possibilidades.Voar sim, mas sempre com os olhos postos na vasta pradaria que é a vida.

Paredes, 17/0/10/010
Donzilia Martins

Sem comentários:

Enviar um comentário