sábado, outubro 09, 2010

Sobre David Foster Wallace


"A vida contemporânea nas suas contradições de espectáculo e tédio, de aventura e medo, de egocentrismo e anulação do eu, de egocentrismo e horror à solidão, de suplantar o extâse e descer ainda mais fundo no horror, de querer a vida e não querer a vida que se leva. O trabalho como recompensa absoluta e o vazio que se lhe sucede, alheio a recompensas. A vida numa colecção de vícios, dependências, de não-vida, de tentar entendê-la, dissecá-la, controlá-la até ficar isolada num marasmo interior de solipsismo, de negação, depressão, desespero, pulsão de morte, suicídio. David Foster Wallace sentiu o pulso da sua geração no papel. O que ele fez com a literatura é enorme, o preço foi aterrador: uma vida emparedada a escrever o que é estar vivo.

(...) Observando o absurdo da instrumentalização do prazer por via do ócio, Foster Wallace desperta para a grande fragilidade da sociedade contemporânea: o trabalho enquanto elemento estruturador da vida das pessoas, gerando seres competitivos, egoístas, progressivamente desligados, até se tornarem frangalhos emocionais. Numa era em que se popularizam expressões como inteligência emocional, ele veio denunciar o calcanhar de Aquiles das classse médias, bem formadas, bem pagas e com um modo de vida invejável. Preconizando um regresso à interrogação moral, ao questionamento do valores, cultivando ao mesmo tempo o rigor, a importância da magia (ou da poética) e da beleza. Foster Wallace atacou o maior cancro da sociedade actual: a distância.

(...) Espantava-o este paradoxo: que os clichés possam ser eficazes, tanto para salvar um alcoólico da dependência, como para transformar um atleta num campeão. Porque é que a grande arte não nos livra (para sempre) do desespero, ao passo que os lugares comuns, para os quais as pessoas de gosto refinado não têm paciência, podem (num momento) salvar-nos a vida?"

Rui Catalão, ontem, no Ípsilon, num dos mais belos, fundos e certeiros textos assinados sobre David Foster Wallace.

Sem comentários:

Enviar um comentário