Não houve chuva. Mas também não houve magia. E Coura merecia. Mais. Como tudo o que se não explica, Coura é mais uma ideia e menos um lugar. Uma ideia de felicidade. Da felicidade empolgada da descoberta, de sentir uma coisa pela primeira vez. De um amor que resultou. Ideia que a distância alimenta, que a saudade insufla, que o Verão torna tão urgente como a concretização de uma paixão. A ideia de um lugar a que voltamos recorrentemente durante o ano. Durante vários anos. Quem sabe se para sempre. Ao menor acorde daquela canção (quantas canções mesmo?!), sorrimos, suspiramos, atropelamo-nos na sintonia, gritamos arrepiados: Coura! Foi em Coura! Foi em Coura tudo o que fica só entre nós. E nós somos muitos. Em Coura, a memória é par. O sangue é de família. A casa é nossa.
Mas Coura fez 18 anos. E a maioridade soube a gelatina. A coisa sem cor nem cheiro nem sabor. Apesar das cores, dos cheiros e dos sabores do cartaz. Todos diferentes. Como a gelatina, de morango ou de tangerina, sabe sempre ao mesmo. É fresquinha, não sabe mal, mas não é inesquecível. E Coura era assim, tinha açucar e segredos, era inesquecível. Era aquele amor que vive longe, que só podemos encontrar ali (alguém arrisca alguma semelhança entre Arcade Fire em Coura e anos depois em Lisboa? Entre Flaming Lips ali e um ano depois no Alentejo?), e que ali nos devolvia sempre a virgindade. Raridade que se repetia ano-após-ano sem nunca desapontar. Não vivia do que já tinha sido, vivia de viver tudo outra vez, tudo, coisas outras, pela primeira vez. Era relação de fidelidade: Coura esperava por nós e nós por lá chegar. Mas este ano chegámos a Coura como quem se engana no caminho e baralha e perde. Onde está Coura? Entrámos em processo de negação. Recusámos o último dia, tão impreparados que estávamos para assisir à decadência daquele amor. Àquela espécie de traição.
Coura foi um alinhamento incompreensível, quase esquizofrénico, de que os Best Coast foram a prova maior. Como entender que uma banda agendada para as 18 horas de um dia possa ser a mesma que depois foi atirada para as três da manhã?! Desnorte. "Vocês não gostam de nada, vão dormir", ripostou Bethany Consentino. Coura foi um Peter Hook a salvar a honra dquela noite e um apoteótico Love will tear us apart, que nem sequer faz parte de Unknown pleasures, o álbum de estreia dos Joy Division, mas que foi, ali sim, Coura como sempre a guardámos. Coura foi uns White Lies que daqui a três ou quatro anos serão seguramente cabeça de cartaz do Sudoeste. E, com justiça, não podemos registar mais nada. E não, não há velhinhos, nem Prodigy nem Cult, que nos tenham feito a nostalgia valer a pena. Os rapazes do shampoo, então, esses Klaxons, apeteceu-nos espancá-los.
Coura foi espanhóis, muitos, e dinheiro espanhol, cada vez mais. Foi ausência total e escandalosa de patrocinadores nacionais. Os dois rapazes da Ritmos não desaprenderam de programar o melhor festival deste país, mas ainda não aprenderam, como nenhum de nós, a inventar dinheiro. A culpa desta edição de Coura é toda de quem faltou. A Optimus tem 17% da quota de mercado nacional, muito pouco, mas deixou de investir ali para criar o Optimus Alive. A Super Bock vive essencialmente do mercado nortenho, mas também decidiu investir num festival homónimo a Sul. E podíamos continuar por aqui fora... É muito triste. Quando os espanhóis começarem a injectar dinheiro a sério em Coura e Coura passar a ser o festival de lá e não de cá, não hão-de faltar filhos pródigos. Triste país este... Coura é amor, tantas vezes tantos o escreveram nos últimos anos. Mas não basta amar, não basta dizer o amor; é preciso fazer. O amor dá trabalho.
Sem comentários:
Enviar um comentário