segunda-feira, maio 24, 2010

"Vamos sentir falta de tudo aquilo de que não precisamos" by Vera Mantero

Pela primeira vez na história do Alkantara, o Festival [de 21 de Maio a 9 de Junho] tem uma extensão ao Porto. Não é uma certeza, mas é uma suspeita quase definitiva: a proeza, aposto, deve-se a uma criatura chamada Hélder Sousa, fundador do Ao Cabo Teatro e antigo assessor do director artístico do Teatro Nacional S. João, Ricardo Pais, que desde 2008 divide a direcção da associação com Thomas Walgrave e Catarina Saraiva.

Para a abertura do Alkantara Festival no Porto, na passada sexta-feira, foi escolhido o espectáculo de Vera Mantero, "Vamos sentir falta de tudo aquilo de que não precisamos" [de 7 a 9 de Junho, em Lisboa], estreado em Essen e Montpellier durante o ano passado. O trabalho da coreógrafa & Guests é definido como "um jogo de associações, por vezes explícito, outras críptico, lúdico ou desconfortável, tangível ou volátil", que "despoleta várias questões, mas quase nenhuma resposta."

A definição, generosa, é muito mais ambiciosa do que o espectáculo. Mais ambiciosa do que o resultado, seguramente. Aos primeiros minutos percebemos a ideia, de resto, de encontro ao título: cada um dos quatro bailarinos (Vera Mantero, Prémio Gulbenkian Arte 2009, Christophe Ives, Marcela Levi e Miguel Pereira) entra em palco com um busto debaixo do braço ou noutro sítio qualquer, vasculhando no seu interior o que eventualmente terá deixado para trás ou colocado na beira do prato: a infância (em carrinhos e aviões de brincar), a fé (em crucifixos), as dependências (pó branco: cocaína?); a riqueza (tinta dourada: ouro?; tinta preta: petróleo?); as futilidades (recortes de revistas cor-de-rosa). Também há pérolas, rebuçados, máscaras, bandeiras, bonecas insufláveis, cera, fumo, tudo dentro de cada uma das cabeças. Está lançado o mote e exibida a sucessão de caminhos interrompidos para retomar, ou não, mais tarde. A ideia de partida é excelente.

No entanto, a partir daqui, é tudo redundante, demasiado redundante. Como se o trabalho narrativo tivesse ficado incompleto. Além disso, falta-lhe provocação, ingrediente essencial quando a ideia é falar da tralha toda que alojamos no cérebro. No fim, alguém lê um manual sobre como usar a cabeça. É o cúmulo do pleonasmo, porque nos trata a nós, público, como tontos. A mais dispensável das legendas para um espectáculo que é, com pena, óbvio demais.

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