Sócrates parece um boneco de vudu avariado. Tentam, justa ou injustamente, espetar-lhe agulhas venenosas no corpo - projectos na Guarda, Freeport, Independente, TVI/PT, blá blá blá... - e o raio do boneco nunca se deixa sucumbir. Apontam-lhe as contradições, sublinham-lhe as incoerências, a arrogância, o mau feitio, as falhas, as mentiras parlamentares e eleitorais e o raio do boneco, se as eleições fossem hoje, voltaria a ganhar. Acusam-no de o país estar à beira do precipício, de nos ter hipotecado o futuro, de ter protelado as famigeradas medidas de austeridade, de andar a brincar aos PECs, de ter feito de conta que estava tudo bem quando estava tudo mal e a popularidade do boneco ainda aumenta 2,5% em relação a Abril.
Sócrates não morreu - ainda -, mas não falta quem tenha já envernizado os sapatos para o seu funeral. Contam-lhe os dias dentro e fora do partido. Perfilam-se, sequiosos, os sucessores. Nada de novo. O boneco não morreu, mas está doente. Não terá cura. E até ao fim nunca mais deixará de ser o bobo da corte, o palerma que, faça o que fizer, fará sempre rir os outros. Justa ou injustamente. Transformou-se num alvo fácil. E apesar de o mundo não ter, como ele disse, mudado apenas nos últimos 15 dias, embora o próprio Jean-Claude Trichet reconheça que as coisas se agravaram drasticamente na última quinta-feira, é fácil acusá-lo de quase tudo.
Claro que Sócrates está no Governo desde 2005 e as coisas estão mal, pelo menos desde 2000 (notabilíssimo e de leitura altamente recomendável o trabalho sobre a crise publicado hoje no Público); claro que Durão Barroso já em 2003 dizia que estávamos de tanga e no entanto pôs-se alegremente a andar; claro que toda a gente andou a viver à fartazana sem fazer contas à vida; claro que Portugal tem 600 mil desempregados, mas eu tive seis empregadas em cinco anos, quero substituir a última e não encontro uma única que queira trabalhar por seis euros/hora. Mas quem quer saber?! Quem quer fazer o mea culpa quando pode só ficar a apontar o dedo ao palhaço que nos governa?!
Mesmo assim, filtrando o exagero, o desespero e a partidarite, é possível aceitar o comboio de agulhas de vudu. O que já não é aceitável - fora da mesa de café, da redoma do facebook, twitter e afins -, o que não é definitivamente aceitável - ou é, mas não é sério - é que um semanário como o Expresso dedique uma página inteira (!!!!!) a corrigir o espanhol de José Sócrates no encontro que teve com empresários em Madrid na semana passada. Não é só inaceitável nem só ridículo - é o grau zero do jornalismo. Como dizia Eça de Queirós, o português, se tiver de escolher entre a forma e o conteúdo, vai sempre escolher a forma. Lamento que o Expresso não tenha dedicado também uma página a corrigir o alemão que Rui Rio usou no seu diálogo com o Papa. E espero que, a partir de agora, corrija todos os políticos quando trocam os V pelos B. Não é disto que se trata quando o semanário regista que o PM disse tiengo em vez de tengo? Habemos em vez hemos? E por aí fora...
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