domingo, maio 16, 2010

"32, rue Vandenbranden" by Peeping Tom

Estão no cimo da montanha como se estivessem no céu, no lugar que existirá para lá do céu. Ouve-se "O pássaro de fogo", de Stravinsky, e o choro de um bebé enterrado no chão. E uma ventania a fazer tremer as janelas, a fazer dançar as cortinas, capaz de fazer voar corpos. A fragilidade de tudo quanto existe, ali materializada em duas caravanas. Chove. Neva. 32, rue Vandenbranden, do colectivo belga Peeping Tom, é uma tempestade sem arco-íris. Uma tempestade interior. Tudo o que acontece, acontece mais dentro da cabeça deles (da nossa?) do que fora. Ou, pelo menos, nós não conseguimos decifrar o que é real ou imaginário. Ou conseguimos, mas não queremos. E essa é a ideia da dupla de coreógrafos fundadores da companhia, Gabriela Carrizo e Franck Chartier: em certo sentido, o fim é sempre escolhido por nós. Por isso é que qualquer palavra é a mais e ao mesmo tempo a menos para descrever o mais recente trabalho dos Peeping Tom. A companhia está pela segunda vez em Portugal; o trabalho foi ontem apresentado no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães. 32, rue Vandenbranden está muito para lá do que será o céu.

Inspirado no filme do japonês Shohei Imamura, A Balada de Narayama (1983), 32, rue Vandenbranden não é bem a história das pessoas que, quando envelhecem, cumprindo a mais cruel das tradições, vão para o topo da montanha morrer sozinhas. Mas é a história de uma comunidade que, como se já tivesse nascido velha, com a solidão dos velhos, as inquietações dos velhos, a prisão dos velhos, o desprezo a que os velhos são votados, confronta-se individualmente com os seus medos, com os seus desejos, os seus sonhos - e com a consequência disso. Em certo sentido, também é a escolha entre viver ou morrer.

Carrizo e Chartier dizem que a coreografia começa sempre pela cenografia. E é fácil perceber porquê. Depois, os bailarinos. Para este projecto, contrataram cinco novos, três dos quais durante as audições em Bruxelas: a belíssima holandesa Sabine Molenaar (não tentem fazer aquilo em casa!!!!), a belga Marie Gyselbrecht e o inglês Jos Baker. Durante a audição no Impulstanz Festival, em Viena, conheceram os sul-coreanos Seoljin Kim e Hun-Mok Jung. A meio-soprano flamenga, Eurudike De Beul, que faz parte dos Peeping Tom desde o início, também participa. O momento em que canta Casta Diva de Bellini é só um dos muitos momentos daqueles 90 minutos em que um arrepio nos atravessa a espinha.

Finalmente, a actriz-bailarina Maria Otal, 83 anos, que morreu dez dias antes da estreia. Os Peeping Tom dedicam-lhe o espectáculo. E um altar na neve. Ela está ali. Sim, é coisa para doer, para chorar. E é coisa para nunca mais se esquecer na vida. Grande, grande, grande!

PS.: E é sempre bom voltar a Guimarães, belíssima cidade onde é Natal todo o ano. Mesmo.

1 comentário:

  1. Peeping Tom é simplesmente fenomenal. A magia do cenário, do movimento e da história fazem com que o pestanejar seja um desperdício de tempo!

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