sexta-feira, novembro 30, 2007

RAP no Y

Ele é sexy. Ele é sexy, repete Kathleen Gomes, o máximo de vezes que consegue, hoje, num longo perfil pergunta-resposta no Ípsilon. Ele tem piada, tem pinta, é um caso de estudo. Tem família e tudo; é benfiquista, o que só o humaniza. De tal forma, que as marcas o escolhem para vivificar coisas inanimadas. Ele é produto que as empresas de consultadoria de imagem - LPM's e Cunhas Vazes- não ousariam trabalhar por ser perfeito assim, tal e qual como está. Ele é invejado pelos pares. E não é bem só por ter piada. É mais por ser inteligente, culto, civilizado. Ele ganha milhares de euros, mas não nos atira com isso à cara. É o neto que as avós gostavam de ter. O rapaz que não se deixa deslumbrar com a televisão, embora a televisão esteja deslumbrada com ele. O guionista que sabe dizer não, mesmo que o apelo venha de Luísa Costa Gomes. Ele tem sentido de gratidão, de humildade, de relativização. Ele é sexy. Porque sabe o que diz. Tem 33 anos. Chama-se Ricardo Araújo Pereira. Sou fã.

quinta-feira, novembro 29, 2007

O mau exemplo do Público

Era a peça que faltava para o puzzle ficar completo. A revista Sábado mostra hoje o que, de certa forma, já se sabia. Nas últimas semanas nunca estiveram em questão os profissionais (goste-se mais ou menos deles) Miguel Sousa Tavares (MST) e Vasco Pulido Valente (VPV) - cada um na sua área -, mas os indivíduos na sua esfera mais íntima (que é também a dos ódios) e à qual, insisto, nunca deveríamos ter tido acesso. Esteve sobretudo em destaque o ódio não exactamente - ou não apenas - de um pelo outro, mas de José Manuel Fernandes, director do Público, por MST. É ele quem, no meio desta vergonhosa feira de vaidades e vacuidades, ganha o prémio da prestação mais indigente.
Pessoalmente, já não achei bonito que o Público tivesse dado quatro páginas a VPV para destilar veneno sobre MST. Não acharia nunca, fossem quais fossem os personagens, porque nunca gostei de circo - nem mesmo quando era pequenina. Nem de palhaços, nem nada. Mesmo. Também não achei particularmente bonito que o Público, de todas as opiniões que a blogosfera dedicou ao assunto, tenha, de forma extraordinariamente enviesada, escolhido os excertos que pareciam aniquilar MST. E agora, na Sábado, eis a cereja, nada bonita.
José Manuel Fernandes revela, sem qualquer pudor, o teor de telefonemas pessoais, desce ao pormenor das expressões (imagino-lhe a expressão e sinto náuseas), e revela, orgulhoso, como há tantos anos perseguia VPV, como estava disposto a fazer tudo para o recuperar enquanto cronista, como estava farto dos caprichos de MST, como nunca lhe perdoou ter que ter levado com ele, como encomendou a VPV a crítica com a liberdade sanguinária dos lambe-botas: escreve o que quiseres, quando e quanto te apetecer. Que vampiro recusaria semelhante proposta? E como, no fim, lhe moldou o título com espadas.
O Público foi um jornal de referência. Passado distante. A partir deste episódio, obviamente pouco ou nada importante, será fácil, ou pelo menos será tentador extrapolar para outros. Para aqueles que importam realmente. E a partir daí deduzir a curva descendente daquele que já foi o melhor jornal do país. VPV e MST podem continuar a insultar-se. Por mim, até podem comer-se vivos no Gambrinus em salvas de prata. O que me custa é que José Manuel Fernandes ainda não tenha percebido que já devia ter abandonado há muito tempo a poltrona de director.

quarta-feira, novembro 28, 2007

Migala - The guilt

If I could for a minute,
succumb to the disaster of everyday,
to let me go, let of cling to...
I guess it would be possible
to crash with one of the strangers
that I cross by the street
and have a premonition of happiness.
But now,
it's sure that I can't,
and probably that's why one ghost comes every night
to rock my stupid guilt,
and why its way's a ring of fire.
And when I finally sleep it's always the same dream,
sand falling fast in a glass bell.
The sand very clean,
the glass so weak.

http://www.youtube.com/watch?v=wUwoVScV1QM&NR=1

terça-feira, novembro 27, 2007

MST responde a VPV na Sic Notícias

Já se sabia que Miguel Sousa Tavares (MST) haveria de responder publicamente a Vasco Pulido Valente (VPV). Só não se sabia onde. Nem quando. Respondeu hoje, na Sic Notícias. E mal. Muito mal. Nos três dias que demorou a reagir, teve certamente tempo para pensar em alguma coisa melhor para dizer - senão por respeito a VPV, pelo menos, por respeito a quem o lê. Alguma coisa que não fosse, apenas, continuar a disparar tiros como se estivesse na caça. No caso, uma caça de recreio infatilóide.
Afirmações como: "Eu nem sabia que ele era jornalista."; "Ele quer ter protagonismo à minha custa."; ou "Não reconheço competência para fazer crítica literária a um romacista falhado." colocam MST ao nível vagamente arruaceiro de VPV. Assim sendo, se um não merece desculpa, o outro não merece condescendência. Até porque havia coisas para explicar. E MST não as explicou. Porque não quis ou porque não soube?
VPV pode ser, em determinadas situações, um tonto. Um desbocado que sente genuíno prazer em dizer mal, às vezes, só porque sim. Prazer em contrariar. E neste caso até pode estar unicamente movido por uma birra pessoal que nos ultrapassa. Mas isso não pode servir para que se lhe questione a qualidade intelectual, porque é intelectualmente desonesto fazê-lo. E também não me parece que alguma vez ele tenha desejado ser romancista. É um historiador, sempre foi. E como historiador, as coisas que diz, filtrando naturalmente o veneno, não podem ser ignoradas.
As quatro páginas que escreveu no Público no passado sábado são, obviamente, questionáveis. Por tudo. Para mim, sobretudo pelo que a opção editorial do jornal diz do próprio jornal. Mas levantou questões, mais de conteúdo do que de forma, a que era importante dar resposta. Até porque se em o "Equador" MST afirmou não ter a intenção de ser, do ponto de vista histórico, rigoroso (e mesmo assim emendou os erros), em o "Rio das Flores" assegurou exactamente o contrário. Que não tenha aproveitado a boleia da entrevista para esclarecer os leitores (onde me incluo), é uma tremenda desilusão.
Em meia hora de conversa [a entrevista foi às 23 horas] não tinha tempo para responder a tudo. Talvez nem tivesse resposta para tudo. Mas à frente de Ana Lourenço, jornalista doce, incapaz de o encostar à parede, podia ter escolhido três ou quatro intems em que se sentisse mais confortável para tentar desmontar a teoria de VPV. Não o tendo feito, para quem não sabe de cor e salteado a História de Portugal (como eu) é mais fácil acreditar no historiador. Como pode MST acreditar que isso não o fará perder potenciais leitores?

segunda-feira, novembro 26, 2007

Jornalismo pop

Gosto mais de Rodrigo Guedes de Carvalho escritor do que de Rodrigo Guedes de Carvalho pivot de televisão. Como gosto mais do ar sério, e nem por isso menos bonito de Ana Lourenço, do que do ar "vejam que sexy que eu estou" de Clara de Sousa. Como gosto mais dos jornais a preto-e-branco com reportagens longas e bem escritas (onde estão?) do que dos jornais com artigos light cheios de caixas de números e fichas de rewind que proliferam agora por aí. Gosto sobretudo mais do jornalismo-jornalismo, sério e objectivo, do que do jornalismo conversa-de-mesa-de-café. E estou farta desta mania de ninguém querer cansar os leitores ou os telespectadores. Por isso, tenho dúvidas, mesmo muitas dúvidas em relação a este Jornal da Noite pop que a Sic colocou agora no ar. Aliás, não tenho dúvidas: não gosto.

domingo, novembro 25, 2007

Antes do fim do Bolhão

Dona Amélia tem dedos gretados do frio. Mãos de trabalho, 65 anos a carregar flores e hortaliças. Logo de manhã cedo. Cinquenta quilos à cabeça, desde que era menina e vinha a pé de Serzedelo, em Gaia, para o Bolhão, no Porto. Pagava dez tostões para poder entrar no mercado. Faziam fila os comerciantes. E fila os clientes. Cinco filhos criados ali, numa caixa de papelão, numa alcofa guardada por baixo da balança da padaria, na madeira dos beirais das janelas. Sempre sozinha, destemida. O marido, emigrado em França, como tantos outros, trabalhava para construir a casa.

Hoje, quando lhe perguntam para onde irá quando fecharem para obras o mercado onde se fez mulher, dona Amélia, olhos doces, húmidos da saudade de um tempo em que “o povo era bom”, não sabe dizer. Só sabe que olhar para os filhos, já formados e casados, os filhos todos unidos, que todos os dias telefonam para saber dela e do pai, é mais importante do que “já não apurar para a despesa”. Ou não saber do que irá viver daqui para a frente. Porque não sabe fazer mais nada e porque, para mais, nem sequer tem reforma. “Ou havia de pagar os estudos aos meninos, ou havia de descontar. As duas coisas não conseguia fazer”. Para onde vai agora? Não sabe. E também ninguém lhe diz. Mas sabe que “se não houver alegria e saúdinha o dinheiro não serve para nada”.

Em dia soalheiro, como o atípico Novembro de agora, o Bolhão quase parece um mercado parisiense. Música francesa mistura-se com pregões de venda, pássaros em bando voam em loop sem abandonar o recinto, perfume de flores e peixe fresco, frutas e leguminosas, cheiro a pão quente, turistas, menos. A comprar, ninguém. “Até me arrepio”, desabafa dona Argentina, 68 anos a cuidar das suas plantas de plástico como se tivessem vida. “O que isto era nestes dias, menina! Não se podia aqui entrar com gente. Agora, morreu. Mataram o Bolhão”.
O Bolhão que quase parece um mercado parisiense. Quase. Porque a quem vende falta o incentivo político para continuar e a segurança de que fazem mais falta elas ali, mulheres de avental e língua afiada, meias de lã em cima de meias de vidro, xaile pelas costas a desafiar os fios gelados da brisa, braços cruzados à espera de quem já não vem, do que um qualquer concentrado de lojas topo de gama, incapaz de distinguir o Bolhão de um qualquer centro comercial.
“Obras sim, centro comercial, não”, sublinha dona Mariazinha, que já foi “remediada e hoje, aos 66 anos, é pobre”. Os clientes desapareceram-lhe com as notícias de insegurança da estrutura, a maioria dos restaurantes chineses que lhe compravam “as verduras lá para as comidas saudáveis que eles fazem” fecharam. Os estrangeiros tiram fotografias com ela que depois lhe enviam com dedicatórias numa língua que ela não entende, mas compram, no máximo, apenas, dois tomates.
Mariazinha havia de ter sido actriz. Não fosse a mãe, na altura, dizer que “as actrizes eram umas curtas”. “A menina desculpe, mas entende o que quero dizer. Outros tempos...”Não foi actriz, mas não perdeu o jeito. É rainha no Bolhão. O marido de uma vida sorri-lhe, amparalha-lhe as brincadeiras. Ela troca as voltas ao infortúnio, à má sorte e nunca pára de sorrir. Não há ali quem não goste dela. “A vida é para a frente, minha querida. Há-de correr tudo bem”.

sábado, novembro 24, 2007

O lodo do Público

A zanga de rapazes entre Vasco Pulido Valente (VPV) e Miguel Sousa Tavares (MST), que ambos fazem questão de exibir na praça pública, já não é muito edificante. Agora, que um jornal faça questão de lhes disponibilizar um ringue do combate - ainda por cima, um suposto jornal de referência - não é só deprimente - é deplorável!
VPV já tinha avisado, em entrevista ao Expresso, na semana passada, que ainda não queria comentar o novo romance de MST, "Rio das Flores" e que todos, brevemente, perceberiamos porquê. A resposta chegou hoje, através do Público que, não fosse dar-se o caso de alguém estar mais distraído, destaca o assunto em grandes parangonas na capa. VPV não faz uma crítica ao livro na sua crónica de última página. Usa quatro (quatro!!!!) páginas do suplemento P2 para discorrer sobre todas as falhas e gaffes, não só da obra, mas também do carácter do autor. Terá o jornal noção do precedente que acaba de abrir?
MST não se dá só mal com VPV; dá-de também mal com o Público - ou o Público com ele, desde que deixou de escrever para lá. Por isso, a maior vingança não vem de VPV; vem justamente do jornal que MST passou dez anos a elogiar com total devoção e cegueira. A VPV, o comportamento já não fica muito bem. Ao Público não poderia ficar pior. Para os leitores é, no mínimo, um insulto.

sexta-feira, novembro 23, 2007

Libração, Cunillé

De que se fala quando não há nada para falar? Tanto faz. Encolhe os ombros no escuro e no cachecol. Tanto faz se a mulher que conheceu no parque onde passeia os cães dos outros volta na noite seguinte. Tanto faz se a estranha que de vez em quando a visita ali no meio dos carrosséis de ferro velho quer realmente ler o livro que lhe oferecera ou se realmente roubara o anel para lhe retribuir o livro. Tanto faz se está frio ou vai chover. Tanto faz se essa mulher deseja mesmo a partilha do seu segredo. O que é? Tanto faz. Tanto faz?

"Libração" é uma texto para duas mulheres (Carla Miranda e Maria do Céu Ribeiro). Sobre duas mulheres. Que precisam falar. Que precisam que as ouçam. Dois corpos quase inertes, com as vidas suspensas não se sabe porquê, à procura de qualquer coisa que também não se sabe bem o que é. A felicidade? É irremediavelmente sobre a solidão. Ou sobre a solidão irremediável. Ou será só a mesma mulher ao espelho? É a mesma coisa. "Libração" é a vida toda em três dias que só existem à noite dentro de uma caixa onde quase não se respira. É a necessidade de alguém entregar-se a alguém, temendo (sabendo?) que antes de dar sequer metade de tudo o que tem para dar, já a outra pessoa está cheia. E estando cheia, como poderá voltar?

É quase um jogo de meninas. Não há outra coisa senão a expectativa de voltarem ali, outra vez, noites-após-noite, àquele parque, que parece de repente ser o único local onde tudo é ainda possível. Onde elas, as duas meninas-mulheres-de-ninguém, podem renascer, reiventar-se, passar talvez a pertencer a alguém. Ou não. Se é um jogo, é terrivelmente desarmante. Comovente.

Na encenação de Cristina Carvalhal, a peça de Lluisa Cunillé parece um doce filme francês. Duas actrizes embrulhadas na fazenda dos casacos, a debelarem-se contra o frio de uma qualquer cidade (Paris?) que há-de imitar-lhes o frio que têm dentro. Carla Miranda, a menina-mulher curiosa, deslumbrada, pueril (Amélie Poulan?), a falar mais por silêncios, silêncios que são socos, do que por palavras; Maria do Céu Ribeiro, a menina-mulher-quase-maria-rapaz, que tem tanto medo como a outra, que precisa tanto de alguém como a outra, que é tão insegura e tão frágil como a outra, mas faz de conta que não. Não queres vir amanhã? Tanto faz. Tanto faz?

Às vezes é preciso tão pouco para fazer uma peça boa....


Libração
Teatro da Trindade, Lisboa
De hoje até 2 de Dezembro
TEXTO: Lluïsa Cunillé; ENCENAÇÃO: Cristina Carvalhal

ELENCO: Carla Miranda e Maria do Céu Ribeiro; PRODUÇÃO: As Boas Raparigas

quinta-feira, novembro 22, 2007

Control

Tenho mesmo muita dificuldade em entender por que se transformam em mito todos os rocker-boys que se matam com menos de 30 anos. Seja o imbecil dos Doors, o Kurt Cobain ou o Ian Curtis. No caso do vocalista da Joy Division tenho ainda mais dificuldade em entender todas as teorias que tentam explicar o suicídio, em Maio de 1980. Peso de consciência por alimentar uma bigamia banal? Dificuldade em lidar com a epilepsia? Com a fama? Um final minuciosamente pensado para ganhar a imortalidade?

Acabo de ver o "Control", perspectiva altamente inquinada de mulher despeitada [Deborah Curtis] - não tão inquinada, apesar de tudo, como o livro "Carícias Distantes": medíocre - e não consigo abstrair-me da idade do rapaz: 23 anos!! Um mito?! Mas por que raio?!

Não quer dizer que o filme não seja quase bonito. É. E há sempre a música...

quarta-feira, novembro 21, 2007

Voa comigo esta noite

Coelho mágico salta da toca de veludo esquecida. Voa comigo esta noite. Coelho mágico, quem sabe quando voltarás? Depois de voltares a dançar à luz da lua, a afinar os fios doces da brisa, a encher de risos graves a rua, antes ou depois de voltares a partir o coração do piano? Voa comigo esta noite. Libelinha presa numa teia de aranha húmida a pedir para ser salva. Só para deixar de ter frio. Com o bater das asas a gritar que não haverá castigo. Que desta vez, não haverá. Nuvens negras como garrotes de aço. Libelinha, há caminho de regresso da chuva? Voa comigo esta noite. Voa comigo mesmo que já tenhas voado outras noites e te tenhas perdido. E que isso te tenha doído. Não tenhas medo de te lançar outra vez contra o vento e de rir. Vá lá, voa comigo esta noite. Ninguém vê. Cavalo alado de quem nunca ninguém sabe. De quem é impossível saber a verdade. De quem se conhece de cor o cheiro. E a distância. Cavalo belo e monstruoso. Belo. E monstruoso. Voa comigo esta noite. Estrela cadente antes de apagar. Estrela efervescente à beira da estrada. A tropeçar em todos os pedaços de vida salvos ao acaso. Para o caso de um dia voltares. Voa comigo esta noite. Antes do próximo Inverno. Antes da próxima derrapagem. Antes que te esqueças de nós. Bom gigante, cavaleiro andante. Abre a mão. Deixa cair o sal. A vida não pode ficar mais estranha do que já é. Ou pode? Voa comigo esta noite. Flutua no espaço. Salta as faixas do tempo. Não importa para onde. Voa comigo esta noite. Antes que acorde do sono errante e peça desculpa. Voa comigo esta noite. Mas eu não quero voar esta noite. Contigo.

terça-feira, novembro 20, 2007

Evening


Éramos sete pessoas à meia-noite. Uma desistiu logo no genérico. Sobraram três casais. Um, meia idade, fila da frente, cabeças encostadas em pirâmide; outro, idade mental das pipocas, escolheu sentar-se ao nosso lado quando havia pelo menos 300 lugares livres na sala; e nós: eu e um crítico. A companhia colocava-me imediatamente em clara desvantagem. Ao lado de um crítico até é possível rir sem motivo aparente, mas é estritamente proibido chorar. E eu passei três quartos da sessão a chorar. Copiosamente.

Como sempre, escapam-me as elaboradas considerações sobre interpretação, fotografia ou consistência do argumento. Não sei se "Evening" - do mesmo autor de "As Horas", o escritor norte-americano Michael Cunningham - é bom ou mau; mas sei que não consegui não deixar-me levar na torrente da memória de Ann Grant: no leito alvo da morte interpretada pela divinal Vanessa Redgrave; corpo cobiçado de Claire Danes na juventude.

Evening é uma viagem, quase de redenção, pelo que Ann desejou e não cumpriu: o reconhecimento como cantora, a relação com as duas filhas, a morte do amigo que não evitou e, claro, o amor que se quer para sempre. Mas que só é para sempre quando a imagem que dele se guarda não envelhece. E que só não envelhece se não se ficar com ele, com o amor. "O primeiro erro é como o primeiro beijo: nunca se esquece". Onde é que ela errou? Errou?

The good & the bad guy

Sometimes when I tell the story of you
I make you out to be the bad guy
& though it's true
Sometimes you're the bad guy
You're still mine

Sometimes when I paint the picture
It's easier just to remember
The awful things you said
& what you chose to do with legitimate need
You made like a fool but you're still mine

And I want you
I want you
I do

Why does it hurt more to recall
Your good side
I always went to you for advice
You were a wise one then
When I think about you in that time
It's harder to hate you then

But sometimes I want to hate you as the bad guy
But I want you the good & the bad guy
[The brightest diamond]

segunda-feira, novembro 19, 2007

Vasco Pulido Valente vs Maria Filomena Mónica vs Miguel Sousa Tavares vs Constança Cunha e Sá vs Clara Ferreira Alves

Todos se têm em demasiada boa conta. Estrela douradas num Portugal que obviamente não os merece. Nenhum deles quer a vida nos jornais. Nenhum deles quer o ego na rua à mercê do juízo de um qualquer. Qualquer um deles acha que está acima dos outros e, mais ainda, acima de todos nós. E, no entanto, nenhum resiste a colocar a vida nas páginas a que tem acesso. E a torturar-nos com isso, como se isso realmente nos interessasse. A nós, o país que obviamente não está à altura deles.
O circuito é delicioso. Ei-lo:
Vasco Pulido Valente (VPV) foi casado com Maria Filomena Mónica, Mena Mónica para ele (MM). Depois trocou-a por Constança Cunha e Sá (CCS) com quem está agora "bem casado". Está bem de ver, elas, as mulheres, MM e CCS odeiam-se. E já o escreveram nos jornais.
VPV, a convite de Miguel Esteves Cardoso, escreveu um livro de memórias nos anos 90 ["Retratos e auto-retratos"] . Quando MM decidiu, ela própria, escrever o seu BI [Autobiografia, 2005], ele, homem do seu passado, não achou mal. Até ler a coisa. Não gostou nada de se ver ali retratado e lá se foi uma amizade de 35 anos! Ela contou isto em várias entrevistas. Ele, este sábado, no Expresso, também. Foi-se a amizade, mas não os interesses comuns. Ela publicou um livro sobre a vida de Eça de Queirós [2001]. Ele prepara-se agora, também, para escrever a biografia do autor de "Os Maias". Além disso, ambos, juntamente com o actual marido de MM, António Barreto, partilham um gabinete de investigação na Universidade Nova de Lisboa.
VPV e Miguel Sousa Tavares (MST) não se podem ver, só eles saberão porquê. VPV escreveu que o best-seller "Equador" [2003] era literatura de aeroporto na sua crónica dominical do Público. MST escreveu na sua crónica do Expresso (e também numa entrevista) que VPV só conhecia Oxford e o Gambrinus. Apesar de lavarem roupa suja nos jornais, VPV ficou surpreendido quando MST não o cumprimentou num restaurante (o Gambrinus?!) e apesar de catalogar a escrita de MST como descartável e egocêntrica, garante que já leu o recém publicado "Rio das Flores". Não quer ainda opinar sobre o livro, mas assegura que brevemente iremos perceber porquê.
MST e Clara Ferreira Alves (CFA) são, diz VPV, as únicas pessoas que algum dia ficaram zangadas com ele. Com as suas opiniões demolidoras. MST há-de vingar-se um destes dias; CFA, ofendida por VPV ter insinuado, entre outros mimos, no defunto blogue "Espectro", que ela não seria licenciada, moveu-lhe um processo judicial.
Não é fácil perceber o que os distingue da menoridade do país. Mas a novela há-de continuar e, talvez, um dia, consigamos perceber...
P.S.: Gosto muito do Miguel Sousa Tavares: do personagem, dos livros todos, das crónicas. E das crónicas da Clara Ferreira Alves. Li o BI da Mena Mónica e também não desgostei. Nem da vida dela, nem da do Eça contada por ela. E acho piada ao Vasco Pulido Valente. Talvez seja o que tem maior obra publicada, mas aquele que conheço menos.

domingo, novembro 18, 2007

After party


Sabes uma coisa? És uma menina! E nunca te vi tão feliz! O recado chega-me de viva voz. Por mensagem de telemóvel. Por mail. Por telefone. Com flores. Quase com surpresa. Sou uma menina e não me lembrava de estar tão feliz. As amizades não se recuperam porque nunca se perdem. Recuperam-se as distâncias que às vezes a vida nos impõe. E quando numa noite se encurtam as geografias todas e se percebe que nada falha, ninguém falta, ninguém se perdeu no caminho e ainda houve no coração lugar para sorrisos recentes, é porque afinal valeu (valemos) mesmo a pena. Desde o primeiro dia. É motivo suficiente para falar alto.

sábado, novembro 17, 2007

José Luís Peixoto

“Um dia, quando a ternura for a única regra da manhã, acordarei entre os teus braços, a tua pele será talvez demasiado bela, e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor. Um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada de um velho, estarei contigo e cantarão os pássaros no parapeito da nossa janela. haverá flores, mas nada disso será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi nem uma palavra, para não estragar a perfeição da felicidade”.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Lula Pena


“Lula Pena ouve sons e quer expressá-los através do seu corpo, tendo como instrumento uma voz; como som do rio a tremer, da terra a respirar, do céu a crescer. Uma voz, um apelo da memória de alguém que ouve com os sentidos todos e quer revelar, naturalmente, as conversas secretas com o seu próprio coração; esse músculo vermelho e esponjoso, que sobrevive de irrigações constantes e vive de ritmos ora mais lentos ora mais rápidos.
Ela sente a idade da terra e o peso de tão grande dimensão, quer cantar as suas memórias mais antigas, quer cantar as raízes do mundo com a fatalidade de quem sabe que a vida é curta para tão longa viagem. Dar a voz ao canto da fatalidade. Da lonjura. Do destino. Da tragédia. In www.attambur.com
Concerto de Lula Pena
Passos Manuel, Porto
23 horas
10 euros

quarta-feira, novembro 14, 2007

Sete anos depois...

Lembro-me do primeiro dia que fui lá. Atrasada. Fim de tarde escura e chuvosa numa cidade tão próxima, que me era, apesar de tudo, tão estranha. Levava o ego infinitamente menos cheio do que julgou depois a maioria. E umas calças de ganga rasgadas, ingenuamente convencida de que isso bastaria para me proteger dos estereotipos do mundo. Esperei quase meia hora numa sala de óleos apagados. Depois, lá apareceu alguém, folhas brancas na mão e ar de quem luta contra o tempo. Ideias, muitas; projectos, mais; futuro. Conversa boa. Quase bajuladora. Lembro-me perfeitamente de ter pensado nela assim, nesses termos. E de ter pensado que não entendia por que razão me tinham chamado, se eu era apenas mais uma (longe de ser das melhores), como tantos outros, a enviar currículos no fim do curso. Não era suposto sofrer pelo menos uns meses no desemprego? Equacionar alternativas ou gastar o dinheiro que não tinha numa viagem qualquer? Matriculei-me num segundo curso ainda antes de começar a procurar emprego. Fá-lo-ia de qualquer maneira.
Eu queria mudar o mundo. Cresci a ouvir as pessoas dizerem-me que eu ia mesmo mudar o mundo. Mas não poderiam estar a contratar-me por isso. A menos que também quisessem mudar o mundo. Quereriam? Nas grandes empresas não deve raciocinar-se nesses termos, reconsiderei. Por isso, à saída da minha primeira entrevista de emprego, determinada a recusar a proposta caso a minha hipótese se confirmasse, perguntei se alguém tinha metido uma cunha por mim. “Se me conhecesse, não teria feito a pergunta”, responderam-me. Seja.

Lá estava eu, 23 anos acabadíssimos de fazer. Os sonhos todos no peito. E à minha frente uma equipa inteira, com a qual nunca tinha sonhado, à espera que me espatifasse na primeira curva sem que eu percebesse muito bem porquê. Ainda nem sabia o nome deles. Saberiam eles o meu? E como poderia haver logo tantos rótulos e tão má vontade para com alguém que ainda mal tinha chegado? (Deviam ensinar-nos na escola que a timidez é facilmente confundida com arrogância e a arrogância não é bom cartão de visita para ninguém.)
Houve um senhor que se apresentou logo no primeiro dia, não exactamente pelo nome: “Aqui, menina, as pessoas não se sentam em cima das secretárias!” Ops! Levantei-me, vermelhíssima, engasgada com os insultos que, isso sabia, não podia disparar. Lembro-me perfeitamente de um trio masculino, sentado ao lado da janela. Absolutamente sinistra a forma como se impunha pela pose, pelos fatos, pela altivez do olhar, pelo cheiro das cigarrilhas. Sempre tive dificuldade em respeitar hierarquias só porque sim. E percebi que ali o desafio seria esse: aprender a respeitar sem questionar. Seria capaz? Havia ali uma espécie de código de comportamento que me atirava completamente para fora do que até então tinha aprendido a reconhecer como certo. Era demasiado nova para entender. Demasiado nova para quase tudo. Por muito que achasse que não. Era sobretudo demasiado nova para saber jogar. Uma "inábil social" haveria de dizer alguém. E também há preço para isso. Sobretudo quando nunca se aprende.

Aceitei o horário da manhã, consciente de que nunca o haveria de cumprir, porque era aquele em que via menos gente. Não devem ver-se pessoas que não estão dispostas a aceitar os outros. De cada vez que chegava, com uma hora de atraso, lá tinha o recado de sempre: “Quando chegar, ligue-me. Tem isto e isto e isto para fazer”. E depois, os discursos oscilavam entre uma hospitalidade que me soava estranha ("Eu mostro-te como é...; "Eu digo-te como se faz.."; "Ah, filha, se eu tivesse a tua idade!..."), algumas abordagens de comparação académica ("No meu tempo era assim..."; "Agora é assado...") e as clássicas tentativas de sedução sexista. Rezava sempre para que não me convidassem para almoçar. Às vezes, convidavam. Nesses dias só me apetecia fugir! Culpa dos outros? Mais minha, seguramente.

Saía às seis da tarde a jurar que não voltaria no dia seguinte. Recebia telefonemas repetidos. Amigos me queriam brindar-me com uma palavra de consolo. Que nunca consolava... Sentia que me tinha enganado (mas assim, tão depressa? Seria possível?): que me tinha achado melhor do que realmente era. E que era aquele local onde, por mil e um motivos, nunca pensei trabalhar, que mo estava a demonstrar. Não era só o despenhamento do ego. Era também o despenhamento de um futuro que, pela primeira vez, não estava a conseguir controlar. No meu imaginário, aquilo deveria ser uma fábrica de operários transformadores de mundos. E nunca de alpinistas profissionais. Se era isso, como poderia ser feliz ali?

E, no entanto, quando pouco depois surgiu o convite para Lisboa, não tive coragem de ir. Ainda hoje não sei bem porquê. Era o ano da Capital Europeia da Cultura e não queria sair da cidade nesse ano. Deslumbrada por conhecer o Seamus Heaney, o Lobo Antunes (mesmo que ele não tenha achado o mesmo), o Sepúlveda; febril e infantilmente entusiasmada com tudo o que estava a acontecer, achava mesmo que naquele ano não poderia sair. Era um ano fundamental para compensar a minha gritante falta de bagagem cultural e de quase tudo. Havia demasiados nomes (do teatro, da dança, das artes plásticas...) que só conhecia dos livros e dos jornais a fazer escala ali, como poderia não querer ficar? Ainda por cima, diziam que era o início de um novo ciclo. E eu não sabia que não podia acreditar. Como não sabia que não era possível mudar o mundo.
O tempo é como uma picada de abelha. Vem tão depressa que nunca ninguém consegue fugir. Quando se dá conta, já o ferrão está cravado no corpo. Terá valido a pena ter ficado? Terá valido a pena ter ficado quando percebo que, afinal, as impressões que colhi aos 23 anos não são muito diferentes das que tenho agora? Traduzem-se nesta frase (do blogue da Vera): "O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons."

segunda-feira, novembro 12, 2007

To be with you in Paris if only it would never end

Talvez não haja nada mais parolo do que cumprir o trajecto de um filme.
Mas há poucas coisas mais românticas do que aquelas que são parolas.

Paris. Before sunset.

sábado, novembro 10, 2007

10 mentiras sobre a durabilidade do Amor

1. A famigerada crise dos sete anos. A maior e talvez a mais estúpida das mentiras. O amor não é uma bomba-relógio, nem um despertador com alarme sonoro que ao bater do 84º mês avisa: "Trrrim... Trrrim... Você acaba de ser abatido por um chorrilho de dúvidas e impaciências. A partir daqui só pode piorar. Abrevie caminho e separe-se já."
2. Impossibilidade de resistir quando ambos vivem e trabalham juntos. Quem disse que não é possível viver e trabalhar e cumprir o infinito resto do quotidiano todos os dias e ainda assim sentir que se houvesse mais um minuto seria para os dois, mentiu.
3. A amizade sobrepõe-se à paixão. Há amizade sem paixão, mas não há paixão sem amizade. A frase é um cliché; o amor que só sobrevive quando integra a paixão e a amizade, não.

4. A perda de efervescência do sexo. O sexo é como o amor: só não há amor como o primeiro para quem não tem paciência para esperar pelos seguintes.
5. Impossível repetir o alvo da paixão. Deve ser uma dádiva não estar apaixonado por uma pessoa, mas apaixonarmo-nos por ela de todas as rigorosas vezes que a olhamos. Sim, é uma dádiva. Talvez rara, mas possível.
6. A (in)superabilidade de uma traição sem sequelas. Não há traição sem vontade de morrer a seguir. Mas quando não se morre, recupera-se. Mesmo quando não se acredita que a ferida sare, acorda-se um dia de manhã e não há sequer uma cicatriz para testemunhar o episódio.
7. Só há traição quando já não há amor. Outra mentira pegada. A traição tem mais a ver com a tentação (quem nunca teve uma tentação que ponha o dedo no ar!) que representa o terceiro elemento do que com a falta de virtude do primeiro ou o vazio do que faz a ponte entre os dois.
9. Férias, jantares, fins-de-semana, noitadas: só em grupo. Há quem só abra uma excepção de vez em quando para deixar entrar alguém. E nunca é tão bom como quando as mãos são só quatro.
10. Dias contados para quem ainda não pensou casar e ter filhos. Mentira que resume a mentira da sociedade. Demasiado preocupada em viver de acordo com o Livro de Estilo comum esquece-se de ser realmente feliz. À sua maneira.

quarta-feira, novembro 07, 2007

domingo, novembro 04, 2007

As insondáveis preocupações do PS-Porto

A cidade esboroa-se lentamente embrulhada numa estratégia política segundo a qual não haverá cultura enquanto houver pobres. Há cada vez mais pobres e cada vez menos cultura, sobretudo cívica. O Porto é um barco fantasma à deriva, onde os cidadãos parecem não poder, ou não conseguir ambicionar a mais do que sobreviver discretamente numa espécie de corredor da morte. Condenados, mesmo que sobrevivam, a nunca ser mais do que aquilo são: jogadores num campeonato da segunda divisão, que nunca ninguém há-de lembrar-se de convidar a subir de escalão.
Entretanto, como pobres criaturas desafortunadas, alegram-se com acrobacias de aviões, com árvores de natal patrocinadas pelo Millenium BCP, com musicais importados da capital, com corridas de automóveis com transmissão em directo na Sport TV, com concertos avulso e exposições de congelador. Tudo, desde que lhes prometam recordes internacionais. E invadem as ruas, não com a naturalidade de uma cidade que fervilha o apregoado (ainda que nunca provado) espírito cosmopolita, mas como quem se socorre de pretextos para existir: seja o encerramento de uma rua ou qualquer outro fugaz evento de hora e lugar marcado. Vivem a cidade como o mundo vive a noite de passagem-de-ano: momento em que, vá lá saber-se porquê, toda a gente tem necessidade de mostrar que é imensamente feliz. Sabendo que, no dia a seguir, acordarão como na noite anterior: sem nada.
A proposta apresentada pelo governo de José Sócrates para o PIDDAC de 2008 vaticina uma redução de cerca de 20% de investimento para o Porto. Os bairros sociais, prioridade de Rui Rio, estão como sempre estiveram: mal. Ou talvez pior. Os teatros estão vazios, a cultura é a que se adquire num pacote de pipocas. O desemprego aumenta, a falta de perspectivas também. Os portuenses ganham, em média, quase menos de metade do que as pessoas que vivem em Lisboa. E quando a cidade é notícia nacional, nunca o é pelos melhores motivos. Rui Rio será mau. E a Oposição?
A Oposição, esse núcleo intermitente de vereadores socialistas que nem a vitória no processo Rivoli souberam cobrar e potenciar, aparecem agora, indignados, ferozes, a contestar o quê? O facto de Rui Rio ter oferecido um camião do lixo a Moçambique e Moçambique ter recusado. Diz o PS que é "preciso manter a dignidade da Câmara".
Quase dá vontade de votar em Rui Rio!