No início de Janeiro, quando a maioria ainda não tinha despertado da noite de passagem-de-ano, um bebé era abandonado num centro comercial do Porto. Ninguém o reclamou; ninguém, no seio da família ou do círculo de amigos, suspeitou de alguém que pudesse ter estado, e subitamente deixado de estar, grávida. Nem sequer o putativo pai. O bebé será agora entregue para adopção num processo que, como todos os processos dessa índole, poderá durar 36 meses. Se no último dia desse período surgir algum parente relacionado com a criança, o processo voltará à estaca zero. Nessa altura, o bebé já não será bebé. Terá, pelo menos, três anos. E um ponto de interrogação no caminho.
Em Novembro do ano passado, um bebé foi encontrado ao lado de um contentor do lixo, depositado num banco de jardim de uma qualquer cidade, embrulhado num saco térmico. Resistiu ao frio de Natal por ter sido abandonado como uma sopa. Os médicos ficaram comovidos. Poderá a criança comover-se com a sua resistência quando crescer?
Alguns bebés têm nomes, têm rostos. E têm coisas que nunca ninguém saberá. Mas não tiveram futuro. Porque alguém o abortou. A sangue frio.
Em Maio de 2005, Vanessa, depois de cinco anos de pingue-pongue entre a avó, a mãe e a vizinha a quem chamava madrinha, foi encontrada a boiar no rio Douro. Alguém jurava que ela tinha fugido. Ao contrário, os factos provariam que a criança tinha as pernas queimadas, os braços torrados pela serpentina eléctrica de tostar o leite-creme, o corpo inteiro com marcas de mergulhos involuntários e demorados em água a escaldar. As feridas do coração não eram visíveis a olho nu. Nem no raio X de qualquer especialista.
Em Novembro do ano passado, um bebé foi encontrado ao lado de um contentor do lixo, depositado num banco de jardim de uma qualquer cidade, embrulhado num saco térmico. Resistiu ao frio de Natal por ter sido abandonado como uma sopa. Os médicos ficaram comovidos. Poderá a criança comover-se com a sua resistência quando crescer?
Alguns bebés têm nomes, têm rostos. E têm coisas que nunca ninguém saberá. Mas não tiveram futuro. Porque alguém o abortou. A sangue frio.
Em Maio de 2005, Vanessa, depois de cinco anos de pingue-pongue entre a avó, a mãe e a vizinha a quem chamava madrinha, foi encontrada a boiar no rio Douro. Alguém jurava que ela tinha fugido. Ao contrário, os factos provariam que a criança tinha as pernas queimadas, os braços torrados pela serpentina eléctrica de tostar o leite-creme, o corpo inteiro com marcas de mergulhos involuntários e demorados em água a escaldar. As feridas do coração não eram visíveis a olho nu. Nem no raio X de qualquer especialista.
Na recta final de 2004, Joana desapareceu para sempre. A parede da casa onde foi morta pela mãe e pelo tio denuncia que as suas mãos escorregaram, com suor incrédulo, sobre ela. A parede diz ainda que ouviu a sua dor: “Por favor, por favor”. Mas uma parede não tem vida; não a podia salvar. Quando, um dia, a criança – ou o que sobrou dela -, reaparecer a boiar no rio, numa pocilga, ou numa lixeira será tarde demais. É sempre tarde demais.
Os bebés não podem ser privados da sua vida, mesmo se ainda têm, apenas, dez semanas dentro de um útero. Aprovar a interrupção voluntária da gravidez é quase pecado. Mas podem se ser tratados como sacos descartáveis; podem sofrer até onde as palavras não chegam para o descrever; e podem, quando sobrevivem, crescer ao sabor da imprevisibilidade neurótica de quem os gerou.
No Portugal dos pequeninos valores é assim: podemos ser todos felizes se todos fecharmos os olhos e fizermos de conta. De conta que o Portugal dos pequeninos é o país da Alice-maravilha.
No Portugal dos pequeninos valores é assim: podemos ser todos felizes se todos fecharmos os olhos e fizermos de conta. De conta que o Portugal dos pequeninos é o país da Alice-maravilha.
VOTO SIM!
ResponderEliminarAté sempre!