domingo, abril 24, 2011

Socialismo ou morte. Morte da revolução?

[Foto: Jordi Burch]

"A revolução cubana morreu de morte natural e Fidel Castro foi convidado do seu próprio enterro enquanto o seu irmão Raúl se prepara para extrair as vísceras do cadáver e proceder ao seu embalsamento.” Foi assim que Vicente Botín, jornalista e escritor espanhol, descreveu antecipadamente, ao diário El País, o VI Congresso Comunista Cubano, o primeiro em 14 anos, que decorreu na semana passada, em data coincidente com o 50º aniversário da vitória do socialismo cubano sobre uma pretensa tentativa de invasão norte-americana, na praia Girón, na famigerada Baía dos Porcos. Abril de 1962.

A imprensa mundial ocupou os últimos dias a colocar flores na campa da ilha castrista, o mesmo lugar onde Raúl Castro garante que se limitou a semear uma reforma económica. Uma reforma cheia de contradições, típico em Cuba: apelou-se à necessidade de rejuvenescimento, mas não se substituíram dirigentes (só o próprio Fidel saiu da cúpula do PPC); o poder passará a ter uma limitação de dez anos, mas Raúl, já octogenário, não o deixará sem antes beneficiar da sua própria regra. Sobrevivendo, sairá com 90 anos. Em 2021.

Seja como for, com os “combatentes” no fim da vida, desenha-se um processo revolucionário em curso, mesmo se lento e desprovido da conotação simbólica do PREC português. Resta saber se os sucessores farão justiça à herança: resistirá o socialismo ou assinar-se-á a certidão de óbito da revolução? Voltamos a Botín. O autor do livro “Raúl Castro: La pulga que cabalgó al tigre” cataloga o momento como “o mito do eterno retorno”. “Raúl quer recauchutar os pneus usados sem reconhecer que Cuba precisa de um carro completamente novo para transitar para a democracia. Fidel assistirá ao seu próprio funeral, talvez convencido de que, depois da tempestade, o seu irmão Raúl irá recuperar a essência do que foi, ou quis acreditar que foi, a revolução cubana”.

É como se se tivesse decretado um intervalo no socialismo cubano para provar ou experimentar uma espécie de capitalismo. Só não se sabe se, desta vez, esse intervalo terá fim. É difícil escrever uma única frase sobre Cuba que não termine em interrogação. Mesmo que o recente anúncio reformista, eufemisticamente denominado “modelo de actualização”, não passe de um interlúdio, o que será de Cuba depois da morte da geração que fez a revolução? A pergunta é antiga, mas ganha particular pertinência numa altura em que essa geração pisou já quase toda a barreira dos 80 anos. Mesmo Ramiro Valdés, que muitos apontam como sucessor de Raúl Castro, tem 79 anos. A incógnita de Cuba estará, portanto, menos relacionada com a reforma económica e mais com a inevitabilidade da morte dos revolucionários. Apesar disso, foi o anúncio reformista que deixou o mundo alerta para os próximos capítulos.

Raúl Castro, a quem o irmão, Fidel, 84 anos e grave problema de saúde, cedeu o poder em 2006, apresentou num documento que baptizou como “Projecto de Directrizes da Política Económica e Social” cerca de 300 medidas para reduzir o papel do Estado na economia e estimular a iniciativa privada. Na ilha onde “pleno emprego” rimava com salários simbólicos (média de 25 euros) e socialismo com falta de liberdade; na ilha onde a taxa de alfabetização (99,8%) é a melhor do mundo (antes da revolução, 23,6% da população cubana era analfabeta), o serviço de saúde completamente gratuito (embora escasseiem medicamentos nas farmácias) e onde mais de 85% tem casa própria; nessa ilha cheia de ideais e paradoxos, o manual de instruções vai passar a ser outro.

Cuba prepara-se para despedir mais de um milhão de funcionários públicos (o governo emprega 86% da população); incrementar a produtividade e o nível de motivação dos salários eliminando o igualitarismo; abolir a caderneta de racionamento (entrega a preços simbólicos de açúcar, frango, peixe, ovos, arroz, café, azeite e pão aos 11,2 milhões de habitantes do país); descongelar o mercado imobiliário (será possível comprar e vender ou arrendar casas, mesmo a turistas); eliminar toda a espécie de subsídios; reduzir a despesa em transporte e alimentação escolares; limitar as matrículas no ensino superior às necessidades da sociedade; liquidar empresas públicas que não apresentem lucros; não comparticipar no capital das empresas privadas; rever o sistema fiscal. A lista é extensa.

De repente, parece que Raúl é Judas, o traidor da revolução. A verdade é que a revolução cubana sempre sobreviveu sob o patrocínio de potências externas. E desde que a União Soviética colapsou, em 1991, deixando de injectar anualmente milhões de dólares numa Cuba que passou fome, o próprio Fidel foi, por várias vezes, obrigado a ceder aqui e ali. Em 2003, tentou atrair investidores estrangeiros acenando com ausência de impostos, salários baixos (muito baixos) e mão-de-obra altamente qualificada. E conseguiu. Mais de metade dos investidores provém da União Europeia, aposta nas áreas do turismo, energia e telecomunicações.

Daí que Vicente Botín tenha referido “o mito do eterno retorno”. Cuba sempre acreditou que podia estender a mão quando precisava, mas sem nunca abdicar dos princípios. “Nós, nem de longe, vamos renunciar aos nossos princípios marxistas-leninistas, aos nossos princípios socialistas”, declarava Fidel Castro, em Julho de 1977, numa entrevista à revista brasileira Veja, a poucos dias de completar 50 anos. Afirmou-o a propósito de uma putativa reconciliação com os Estados Unidos que, 33 anos depois, ainda não aconteceu. O embargo comercial dura desde 1962.

Acontece que Fidel (e Raúl e Ramiro e os outros todos) já não tem 50 anos nem a vida pela frente. Por isso, José Fernandes Fafe, ex-embaixador de Portugal em Cuba no pós 25 de Abril (entre 1974 e 1977), autor da primeira biografia de Che Guevara (”De Cuba al Terzo Mondo”), diz que só há dois caminhos e ambos passam pelo capitalismo. “É muito difícil prever o que vai acontecer ao mundo e sobretudo se vai ser melhor ou pior. Não podemos dizer, por antecipação, que Cuba será um lugar melhor se e quando não restar nada da revolução. Da mesma forma, não podemos olhar para trás e dizer que este período, de 1959 até hoje, com restrições duríssimas, foi inútil”. Apesar da incerteza, o autor de uma das mais completas biografias de Fidel Castro (”Fidel por José Fernandes Fafe”) afirma: “O progresso do capitalismo em Cuba vai criar desigualdades. Quanto maior for a liberdade, maior será a desigualdade. E Raúl está a fazer tudo ao contrário do caracteriza o socialismo cubano.” Significará, então, meio século em vão? Depende do caminho.

“Para despedir pessoas do sector público e transferi-las para o privado é preciso criar emprego. E o emprego só se cria com investimento estrangeiro. Se esse capital for americano, arrisco dizer que, de facto, talvez a revolução não tenha valido a pena. Mas não podemos esquecer que, na América hispânica, estão a surgir grandes potências, como o Brasil ou o México. E se os investidores forem esses, voltamos à incógnita.” Em todo o caso, sublinha, “estamos perante uma mudança de modelo económico”.

Mário Carvalho, da Comissão Porto Com Cuba, tem uma visão diferente. “Não é propriamente uma mudança de paradigma, porque a iniciativa privada já existia. A única diferença é que passa a ser declarada”. De resto, acrescenta, “Cuba nunca teve pleno emprego. Não havia desemprego, mas havia subemprego, gente que não trabalhava a tempo inteiro. Agora, vai ser estimulada a procurar novas formas de subsistência”. Ele chama-lhe “actualização inteligente”. E recusa a “morte da revolução”. “Só pode compreender Cuba quem conhecer o seu povo, que é extremamente culto. Claro que há gente descontente, subaproveitada. Tal e qual como cá”, diz. “Só que lá”, atesta a voz da experiência que quem lá esteve, “junta-se um milhão de pessoas em Havana no primeiro dia de Maio. Essa gente, nova e competente, não vai deixar morrer a revolução, vai assumir a continuidade da herança.” No aspecto da sucessão, José Fernandes Fafe tende a concordar. “Há um extracto social decisivo que vai herdar o fidelismo. É gente das forças armadas, formada por Raúl. São oficiais que estudaram nas melhores universidades do mundo só para saber gerir empresas. É a esses que está entregue a resistência da revolução.” Fafe e Carvalho discordam no desejo de evasão dos cubanos. Para o primeiro, “não haverá, a curto prazo, qualquer alteração no que diz respeito às liberdades individuais”; para o segundo, “essas sempre existiram” e “as dissidências não têm expressão”.

Aconteça o que acontecer, será “um processo muito lento”, garante o diplomata português. Por isso, Fidel que dizia, à Veja, que “se tivesse o privilégio de viver outra vez, lutaria com a mesma paixão pelas mesmas coisas”, não deverá viver o suficiente para ter o desgosto de ver a revolução cubana morrer. Não significa que ela não viva a prazo.

1 comentário:

  1. Falar da "revolução" cubana em traços tão gerais como o fez neste texto, só poderiam dar um texto com enumeras falhas, aliás sem ponta por onde se pegue, mesmo tendo acertado em alguns pontos que refere... Estudar, estudar, e ser verdadeiro, e logo para se escrever tem que se estar na posse de todos os argumentos, de toda a verdade, não fez, mas foi acertando!

    Pátria, Capitalismo, MORRE!

    ResponderEliminar