segunda-feira, abril 18, 2011

Rodrigo Olivares: "Portugal estaria claramente melhor com uma reestruturação antes do resgate do FMI e UE"

[Foto de Carlos Pinto Coelho, que faria hoje 67 anos]

[Eu sei que este blogue está cada vez mais deprimente. Mas, vivendo neste país, é impossível estar de outra forma]

Rodrigo Olivares-Caminal nasceu na Argentina, um país marcado por defaults, e veio a tornar-se num especialista internacional na matéria. É professor de Direito Financeiro na Universidade de Londres, depois de se ter doutorado em Warwick onde ficou a dar aulas. Investiga há vários anos os mercados financeiros e, mais especificamente, as incumprimento de dívida publica e as insolvências do sector privado, área onde tem vários livros e artigos publicados com chancelas como as das Nações Unidas – UNCTAD; Cambridge University Press, Oxford University press; Banco Mundial; Journal of Banking Regulation, entre outros. No currículo conta ainda com passagens como professor convidado de vários cursos pós-graduados nesta área, desde Londres à Grécia, passando por Buenos Aires. Tem acompanhado de perto a crise da dívida soberana na Europa, nomeadamente os casos grego, irlandês e islandês. Falou com o Negócios esta semana e não tem dúvidas: Portugal deveria renegociar a sua dívida pública.

Para Portugal teria sido preferível uma reestruturação antes ou depois deste empréstimo da UE e FMI?
Seria sem dúvida melhor uma reestruturação antes. Mas tal não vai acontecer: por pressões políticas, Portugal irá em primeiro lugar aceitar o empréstimo e só depois reestruturar.

Muitos economistas defendem que uma reestruturação, pelo menos na Grécia, mas também na Irlanda e Portugal, é inevitável. Se assim é, porque é que não acontece de uma vez?
Numa fase muito inicial, os líderes europeus tentaram salvar a Grécia, pensando que, assim, acalmavam os mercados para, logo que possível e sem ninguém esperar, anunciarem uma reestruturação. Não foi o que aconteceu porque os mercados não acalmaram mas, digo-lhe: na Grécia vai acontecer. É inevitável.

Porquê?
Dada a dinâmica da dívida, não vai ser possível resolver o problema só com austeridade. E os mercados já sabem isto: as obrigações gregas estão hoje a desconto de 70%. Além disso, com o empréstimo internacional a Grécia quase duplicou a sua dívida pública, estando a passar a mesma dor de ajustamento, mas sem reestruturação.

Fala de reestruturação quase como se não houvesse efeitos negativos...
Eu conduzi um estudo para as Nações Unidas onde chegámos a duas grandes conclusões. Por um lado, não há assim tantos efeitos negativos. Por outro, o mercado distingue claramente quando um "default" é oportunista/político - como o do Equador em 2009 - ou se é o resultado de uma situação de elevado "stress" económico e financeiro - como acontece na Grécia e em Portugal. Nestes casos, há um efeito reputacional, mas não é assim tão elevado.

Acha que a Irlanda e Portugal deveriam reestruturar a dívida?
A Irlanda é um caso muito diferente, pois o problema está muito centrado no sector bancário. Em relação a Portugal, que está mais próximo da Grécia, sem dúvida.

Há exemplos que podem ser tidos como de referência?
As crises grega e portuguesa têm os mesmos elementos de base de qualquer outra crise: tentam evitar o inevitável, e no fim acabam por reestruturar, passam por um grande "stress" durante algum tempo e passado um ano ou dois voltam a crescer. O que sugiro à Grécia e a Portugal é que façam uma reescalonamento da sua dívida. Isto é, antes de um "default", deveriam chamar os credores e convencê-los que este é o momento para negociar novas condições. Os credores percebem quando as decisões são inevitáveis.

Mas quem já fez isso?
O Uruguai propôs um reescalonamento da sua dívida, com uma adesão voluntária de 93%, conseguiram reduzir a sua dívida e poucos meses depois estavam no mercado com taxas de juro baixas.

Portugal tem também muita dívida privada ao exterior: faria sentido um "default" por parte do sector privado? Como é que isso aconteceria?
Há uma grande diferença entre incumprimento público e privado: no sector privado há empresas, e aí há leis de insolvência, o que torna o assunto mais simples. Sendo preferível reestruturar uma empresa do que colocar uma empresa em insolvência, esta é, por vezes, inevitável e é até uma forma de tornar os mercados mais eficientes. Aliás, a dimensão do "default" privado é uma boa medida da dimensão crise. Em casos limite, o Estado pode ser chamado para evitar um descalabro. Na Argentina, na crise de 2001, 95% das grandes empresas tiveram de enfrentar uma reestruturação.

Em caso de incumprimento do país, o FMI tem prioridade?
Sim, tem. O FMI tem um papel muito importante no sistema financeiro internacional: garante financiamento quando ninguém mais o faz ou quando os mercados pedem juros proibitivos. Ora, uma vez que o FMI empresta dinheiro para evitar uma crise mais profunda, acaba por ter prioridade nos pagamentos.

Mas de onde vem essa prioridade?
Não há nada legal que assim o defina, não há um tratado, um contrato, uma Lei. É prática comum internacional.

E o que acontece com os empréstimos da UE?
Com os empréstimo da UE, de forma talvez um pouco injusta por credores já existentes, criou-se uma segunda camada de prioridade, se assim se pode chamar. Primeiro está o FMI, depois os empréstimos da UE e só depois os restantes credores. Novamente nada na Lei diz isto e, no caso da UE, não se sabe como funcionaria muito bem.

Como ser feita uma reestruturação da dívida?
Não conheço em detalhe a dívida pública portuguesa, mas com elevada probabilidade é emitida ao abrigo de Lei do país. Nesse caso, uma extensão de maturidade, uma diminuição do valor da dívida ou qualquer alteração dos contratos pode ser feita simplesmente por uma Lei que assim o defina.

O mesmo não acontece com os empréstimos da UE e FEEF?
Não. Nesse caso o empréstimo será muito provavelmente sujeito à Lei inglesa.

Não se trata portanto de um empréstimo com a mesma natureza jurídica que a dívida pública já existente?
Não do ponto de jurídico. Mas também não do ponto de vista político. Este deve ser visto como um empréstimo político que acontece com grande interesse da França, Alemanha, Áustria ou Holanda que pretendem manter a crise controlada.

[Jornal de Negócios, na última sexta-feira]

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