domingo, abril 10, 2011

Quantos votos vale um outdoor?


Os tempos de crise vão impor maior criatividade propagandística. Mas a que distância está a contenção da despesa da demagogia ou do fracasso eleitoral? Cavaco Silva deu o primeiro passo nas presidenciais de Janeiro. E pelo menos dois partidos prometeram seguir-lhe o exemplo nas legislativas de 5 de Junho. Outdoors serão carta fora do baralho na campanha eleitoral da Direita. Em nome da contenção e da sobriedade de meios a que o presidente da República fez apelo, CDS/PP e PSD não vão utilizar cartazes para fazer passar a sua mensagem propagandística ao eleitorado, esperando por isso e com isso passar uma outra: a de responsabilidade face ao momento de crise que o país vive.

Num mundo que mudou tanto, também ao nível das ferramentas de comunicação – sobretudo desde o aparecimento das televisões privadas e de notícias e, agora, das redes sociais, das quais Cavaco Silva é também o principal entusiasta –, a questão é saber de que está realmente abdicar-se quando se erradica da política a figura do outdoor popularizada nos anos 90. E aferir se no universo geral das despesas de uma campanha partidária, essa subtracção é realmente relevante ou apenas o primeiro tiro de partida para a demagogia. Racional ou demagógica, a opção poderá ser “perigosa”, defende José Manuel Diogo, director da empresa de comunicação Agenda Setting. Ou não. Contrapõe o publicitário brasileiro Edson Athayde, para quem os outdoors são já “anacrónicos”. Anacronismo sim, mas “com uma função específica”, defende Eduardo Camilo, professor da Universidade da Beira Interior e investigador nas áreas da persuasão e da análise do discurso publicitário. “Sendo suprimido, exige uma substituição que assegure iguais efeitos”. Os três agentes de comunicação tentam responder à pergunta: quantos votos vale, afinal, hoje, um outdoor?

“Ganham-se eleições a dizer às pessoas que vão sofrer?”

A política tem destas coisas, está carregada de ironia. A campanha eleitoral para as legislativas antecipadas ainda não começou e aos olhos dos portugueses já todos os partidos lutam pelo primeiro lugar no podium da contenção da despesa. Pelo menos, em outdoors. Em tempo de crise, poupar é ser responsável. É irónico, porque não deixa de ser o espelho do país, do Estado, das famílias, das empresas: primeiro gastaram mais do que podiam; agora, que remédio, vão gastar menos do que quereriam. Tal como o país precisa de mostrar à Europa que está disposto a fazer esforços para atenuar o castigo dos mercados, também os partidos políticos precisam de exibir ao país o seu desejo de sacrifício. Para atenuar o castigo nas urnas. Não é só responsabilidade; é solidariedade. Dizem.

Paulo Portas, o primeiro a anunciar que não vai gastar “um tostão” em outdoors, traduz a medida em três adjectivos: coerência (o CDS propôs na Assembleia da República que a publicidade comercial dos partidos não fosse subsidiada pelo contribuinte); exemplo (muitos portugueses sofrem hoje privações que exigem, dos políticos e dos partidos, respeito, austeridade, contenção); autoridade (a contenção de gastos eleitorais permitiu que o CDS fosse, nas eleições legislativas, europeias e autárquicas de 2009, o partido que gastou menos). A explicação foi dada, por escrito, no Facebook do líder centrista. O slogan “Coerência, exemplo, autoridade” cravado num outdoor teria o mesmo efeito viral que conseguiu quando todos os meios de comunicação lhe citaram a página da rede social? Talvez não. Tudo somado, deu Portas a palavra, não espera gastar mais de 700 mil euros.

Perante isto, o PSD não perdeu tempo e seguiu a linha do dominó: garantiu que irá poupar cerca de dois milhões de euros. Mas só em outdoors. Quem não quer abdicar dessas telas gigantes de propaganda, mas também não quer passar por despesista, conta a história de outra maneira: o Bloco de Esquerda diz que usará outdoors e que, mesmo assim, gastará menos do que os outros todos; o PCP promete reduzir custos; o PS jura não exagerar. Nas legislativas de 2009, os partidos políticos gastaram 5,5 milhões de euros em propaganda. Mas nesse ano, somadas também as eleições autárquicas e europeias, a factura ultrapassou os 20 milhões de euros. Para termos noção, é o valor aproximado do jackpot do Euromilhões da próxima semana. E não são os partidos políticos a poupar – ou a gastar. Somos nós, contribuintes.

Com mais ou menos golpes na despesa, a verdade é que os partidos esperam que o gesto, a disponibilidade para não usar outdoors, os beneficie. Ou, pelo menos, que os não prejudique. Mas Eduardo Camilo, com dezenas de trabalhos publicados sobre propaganda política desde o 25 de Abril, considera que podem estar enganados. “Os resultados obtidos por Cavaco Silva, em Janeiro, dependeram efectivamente da inexistência desse tipo de meio de comunicação? A votação teria sido maior (ou menor) da que efectivamente alcançou sem os outdoors?” Pergunta e responde, “talvez não”. E compara: “Manuel Alegre obteve um resultado muito inferior e explorou esse meio de comunicação.” Daí que, esclarece, “o outdoor pode ser suprimido quando é substituído por uma encenação de acontecimentos com o propósito de assegurar a cobertura jornalística. Dá lugar à arruada, à manifestação, à concentração da populaça.” Foi o que caracterizou a campanha do presidente da República. Em rigorosamente todas as aparições públicas, Cavaco Silva encenou uma imagem jovial, subindo para o tejadilho do carro. Com isso criou, para aquele momento, a imagem de marca que habitualmente é veiculada pelo outdoor.

José Manuel Diogo, há mais de dez anos a trabalhar em campanhas eleitorais, não apenas no domínio político, corrobora. “Há uma diferença muito grande entre as presidenciais de Janeiro e as legislativas de Junho: nas primeiras, o vencedor estava, com enorme grau de probabilidade, previamente conhecido. Nestas, todas as sondagens indicam que o resultado é imprevisível, não há um vencedor à partida”. O director da Agenda Setting não só considera “um erro a falta de comparência” dos partidos da Direita nos outdoors como não está seguro de que “irão manter a decisão até ao fim”. Por duas razões - uma delas, essencial. Por um lado, o custo dos outdoors não corresponde ao da poupança anunciada. “Mil estruturas, número que os partidos costumam comprar, com três trocas de mensagens, custa cerca de cem mil euros. Portanto, a questão do financiamento é um falso problema”. Por outro lado, e mais importante, “o outdoor é menos anacrónico do que possamos pensar, sobretudo nos meios rurais, onde as novas tecnologias, as redes sociais como o Facebook, têm ainda muito pouca expressão”.

A ideia não é completamente partilhada por Edson Athayde, o publicitário brasileiro que ousou introduzir os afectos na campanha eleitoral de 1995. Quem não se lembra do slogan de António Guterres, “Quem vota com a cabeça vota com o coração”? O PS ganhou essa eleição com 43,76% dos votos contra 34,12% do PSD encabeçado por um insignificante Fernando Nogueira. Insignificante porque era ainda de uma década de cavaquismo que os socialistas estavam a querer demarcar-se e não da personalidade de qualquer que fosse o candidato que sucedesse o primeiro-ministro social-democrata. “A sociedade está sempre a mudar e a querer coisas diferentes. Na campanha de Guterres, havia um candidato muito adequado aos anseios da sociedade e a campanha nada mais fez do que tentar ajudar a passar os seus valores. Mas uma campanha só funciona se o candidato funcionar.”

Dito isto, 16 anos depois, o publicitário não deposita qualquer expectativa nos outdoors: “Não usar cartazes pode ser uma decisão racional (se os candidatos já tiverem atingido a notoriedade desejada através de outros meios), demagógica (se calhar, não têm mesmo nada para dizer, e assim poupam dinheiro e ainda fazem o papel de bonzinhos) ou as duas. De qualquer forma, já era hora de alguém reparar no anacronismo desse meio de comunicação”, observa. E vai mais longe. “Os cartazes são um meio de síntese, não explicam nada – apenas sublinham. Resultavam bem num mundo a preto e branco, quando um candidato era claramente diferente do outro. Num mundo onde tudo se mistura, como hoje, é muito difícil imaginar o cartaz certo para cada proposta ou candidato”.

Não é novo. Mas Paulo Portas vai voltar às feiras e aos mercados, ao beijo e à palavra personalizada. É uma estratégia que Edson Athayde compreende. Sendo a comunicação intermediada (os telejornais, os debates, as entrevistas) muito importante em qualquer campanha (há quem jure que Sócrates percebeu que ganharia as eleições de 2009 quando ganhou o debate televisivo a Francisco Louçã, quando fez xeque-mate com os PPR), tem dois problemas, elenca o publicitário: “não chega a toda a gente e é a forma menos controlada de o político comunicar. Os candidatos querem dizer coisas e não necessariamente ser questionados sobre elas.” Além disso, insiste, “o grau de alcance das redes sociais ainda é limitado. Achar que por estar lá a coisa está resolvida é arrogância e falta de bom senso”.

“Actualmente, é tudo mais asséptico. Em dois dias, Portugal está decorado de badanas e de outdoors. Mas esta acção de comunicação pouco se distingue da publicidade comercial. A marca de um chocolate está para o PSD como a de um perfume para o PS”, considera Eduardo Camilo.” Ainda assim, e justamente porque o acesso do país à informação é desigual, abdicar dos outdoors é “um erro de palmatória”. Mesmo considerando que ainda sobram os comícios e as arruadas, estaremos perante um novo paradigma de comunicação ou perante a impotência de qualquer meio de comunicação para combater a descredibilidade de que generalizadamente padece a classe política? Onde se ganham, ou perdem, hoje umas eleições?

“A conjuntura actual não remete para intervenções delicodoces na linha das campanhas de António Guterres, mas de um blitzberg propagandístico, de murro na consciência da sociedade protagonizado simultaneamente por todos os meios de comunicação”, torna Camilo. Reconhecendo que o mundo mudou, a dificuldade do professor é perceber se, no que ao marketing político diz respeito, evoluiu ou regressou às abordagens do Maio de 68. Fica-lhe a sensação de um regresso ao Agitprop (agitação e propaganda) através da canção política/hino (não será despicienda, mesmo se noutro contexto, a cantiga dos “Homens da Luta”, que venceu o Festival da Canção), ao slogan entoado, ao meeting político, à encenação de eventos com o propósito de impor a agenda mediática, a paródia iconográfica”.

José Manuel Diogo afirma que a política de “olhos nos olhos” chega tarde. “Houve um tempo em que as pessoas queriam ouvir os políticos, queriam ser esclarecidas, mas partidos e políticos desperdiçaram esses anos e caíram em descrédito. Querem vir agora explicar, aplicar o exercício da proximidade. É tarde. Os políticos andam sempre em contraciclo com a realidade”, critica. As eleições, diz, continuam a ganhar-se, ou a perder-se, essencialmente na televisão em canal aberto. De certa forma, numa campanha à moda antiga, se grandes malabarismos de inovação. A incógnita reside apenas numa equação que, na opinião do director da Agenda Setting, será também a única coisa realmente nova neste acto eleitoral: “saber se a campanha à moda antiga, ou seja, uma mensagem que tende a encobrir a verdade, funciona no novo estado de espírito das pessoas”. Sem ilusões, conclui: “Se eu fosse director de campanha, aconselhava o meu candidato a dizer a verdade aos cidadãos: que vão empobrecer, trabalhar mais, descansar menos”. Talvez seja esse o novo paradigma, saber se se ganham eleições prometendo às pessoas… que vão sofrer.”

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