Robert Fishman é professor de sociologia na universidade de Notre Dame, nos EUA. As suas investigações incidem sobre o euro e as implicações da moeda única sobre os países ibéricos. Defende que Portugal não precisava da ajuda internacional, tal como referiu num artigo de opinião publicado no The New York Times (terça-feira), e que o país foi vítima dos especuladores, das agências de rating, mas também da inoperância do Banco Central Europeu (BCE).
Visitou Portugal quantas vezes?
Muitas, a maioria em trabalho. A minha mulher é espanhola pelo que passo parte do ano nos EUA e a restante em Espanha. A primeira vez que entrei em Portugal era ainda estudante de liceu. A trabalho, foi em 1978, durante uma semana. Voltei quinze anos depois. A partir de 2002 comecei a visitar o país regularmente, no mínimo duas vezes por ano.
Quando está em Portugal, encontra-se com quem?
Falo com professores universitários, políticos de vários partidos, alguns ainda estão no activo, líderes sindicais, elementos da sociedade civil, do centro-direita ao centro-esquerda e vários jornalistas. Um deles é o fundador do jornal em que trabalha, Francisco Pinto Balsemão.
Conhece José Sócrates?
Não, mas já entrevistei Aníbal Cavaco Silva, depois de ele ter abandonado o Governo, quando estava no Banco de Portugal, antes de ser eleito Presidente.
Diz que Portugal não precisava da ajuda internacional. Acha que o país foi sequestrado pelos especuladores financeiros?
São as suas palavras, não as minhas, mas, conceptualmente, essa é uma forma muito razoável de olhar para a questão.
Mas porquê Portugal, uma economia tão pequena?
Há uma hipótese que várias pessoas sugerem, que é a de que alguns negociadores de obrigações, especuladores e agências de rating estavam interessados em especular contra Portugal com o objectivo de fazer dinheiro, convictos de que com a sua aposta os juros subiriam. Outra hipótese é o cepticismo ideológico em relação a Portugal. O centro gravitacional da política em Portugal situa-se algures na esquerda, à esquerda de vários países europeus. E os fundamentalistas do mercado, que acham que o mercado deve ser livre de regulações, e que sozinho resolve os problemas do mundo, não gostam de Portugal. Vêem a política de uma maneira muito diferente da maioria dos portugueses. Pensam que são os maiores amigos do capitalismo, mas na verdade são os que lhe criam mais problemas. Em Portugal, a ideologia dominante está perto do Keynesianismo, com base na ideia de que o Estado pode intervir na economia. Eles detestam isso.
Que problemas criam ao capitalismo?
Criam enormes desigualdades sociais, conduzem a uma enorme instabilidade nos sistemas capitalistas. E mais, foi esta corrente que contribuiu, enormemente, para a recessão mundial que começou em 2007. Para crédito de Portugal, o país foi abençoado pelo facto de que os principais partidos, de centro-esquerda e de centro-direita, perceberem que uma economia moderna requer um mercado, mas também necessita de regulações e envolvimento do Estado. Isso funcionou em benefício de Portugal e é uma das razões pela qual Portugal teve muito sucesso entre 1974 e 2000. A visão de que Portugal é um falhanço económico centra-se entre 2000 e 2006.
Não acha que eles olham para Portugal como um empecilho que lhes impede de fazer dinheiro?
Há muitas oportunidades para o mundo dos negócios fazer dinheiro num país com economia mista e com orientações sociais-democratas. Eles não olharam para a história do país de uma forma correcta. Se o tivessem feito nunca teriam sugerido que Portugal tem problemas graves de crescimento. O país teve períodos de enorme expansão económica, guiado por políticas económicas parecidas com as que estão nesta altura em vigor.
Mas se estes fundamentalistas do mercado são assim tão poderosos, a ponto de derrubarem governos, quer isso dizer que a democracia está em risco?
Espero que não, mas parece que a capacidade das democracias de tomarem decisões fundamentais está a ser desafiada. Espero que no final disto tudo a democracia saia reforçada, mas não é claro que esse venha a ser o caso. É muito importante que as forças democráticas, partidos, cidadãos e líderes estejam atentos a esse perigo.
O governo do país mais poderoso do mundo, os EUA, não consegue resolver este problema. Porquê?
Podia fazer algo mais. Gostaria que ele fizesse, mas note-se que o banco central americano, a Reserva Federal, está a fazer muito mais do que BCE. Está activamente, envolvida na compra de obrigações do Governo americano. O BCE também compra obrigações de estados europeus, mas em muito menor quantidade, o que induz um estímulo muito menor na economia. Agora mesmo, o défice orçamental dos EUA é muito maior do que em Portugal, mas os juros são muito mais baixos. Isto acontece porque a Reserva Federal está a comprar obrigações o que possibilita ao Governo americano continuar a estimular a economia. O BCE não está a comportar-se de uma forma responsável.
Ao contrário dos europeus, a Administração Obama não pára de estimular a economia. Essa atitude tem feito a diferença na recuperação dos EUA, mais vigorosa do que na Europa?
Essa é uma das causas da crise que se arrasta. A zona euro está a ser exposta a uma política económica, essencialmente desenhada pela Alemanha. Pode funcionar para a Alemanha, mas não funciona para o resto da zona euro.
Porquê?
Diferentes partes da zona euro têm diferentes problemas económicos e desafios. A Alemanha tem uma especial e invulgar aversão ao estímulo monetário e está mais preocupada com a inflação, tem um medo exagerado da inflação. Esta mentalidade tem exercido uma influência muito negativa na periferia da zona euro - Espanha, Portugal, Grécia, Irlanda. O euro trás mais vantagens à Alemanha do que a Portugal ou à Espanha.
O euro foi bom para Portugal?
Neste momento, a resposta parece ser não. Dentro de dez anos, não sei. Hoje, o euro é a razão por que Portugal é incapaz de definir a sua política monetária, de uma forma que serviria o país. Se Portugal tivesse ainda o escudo podia desvalorizá-lo e prosseguir com uma política monetária que estimulasse a economia. Mas também há virtudes no Euro. O veredicto final sobre o euro ainda não foi escrito. Nesta altura diria que é um problema.
Há responsabilidade por parte dos governos portugueses por terem conduzido o país a um endividamento elevado?
Não sou político e o meu papel não é dizer o que é que os políticos portugueses deviam ter feito. Portugal, como qualquer democracia, precisa de partidos e políticos com visões, opiniões e programas diferentes. Não concordo com a ideia de que esta crise tenha sido criada pelos políticos portugueses. É normal os políticos discordarem uns dos outros.
Considera que o Executivo de José Sócrates estava no bom caminho. Acha que a oposição errou ao ter derrubado o Governo?
A oposição sempre acreditará que se podia ter feito melhor e, em abstracto, é claro que as coisas podiam ter sido feitas de outra forma. Mas quer o Governo quer a oposição comportaram-se razoavelmente. Não têm a mesma filosofia de governação? Tudo bem. Governo e oposição foram razoáveis. Os que não foram razoáveis estão fora de Portugal – BCE, União Europeia e agências de rating.
Estamos a assistir a um lento processo de eliminação das economias mais fracas da zona euro, de maneira a minar o projecto europeu, a União e o euro?
É muito possível que este processo mine a União Europeia e o projecto europeu.
Qual o interesse dos especuladores em destruir o projecto europeu?
Não tenho conhecimento sobre o que lhes vai na mente e embora não acredite que esse seja o objectivo, acredito que esse seja o resultado das suas acções. Mas o que é claro até agora é que as agências de rating têm de ser mais reguladas.
Além de Portugal, Irlanda e Grécia, os especialistas também falam da Itália, Espanha e Bélgica. Qual é o país que se segue?
É muito difícil de perceber. Se olhamos estritamente para a economia diríamos que a situação estará muito pior em Espanha (tem um desemprego muito maior) do que em Portugal. A dívida acumulada da Itália é muito superior à de Portugal, logo depende do que é que estamos à procura. Se a ordem tivesse sido determinada pelas circunstâncias económicas objectivas, Portugal não teria sido o alvo depois da Irlanda porque os problemas económicos portugueses são menos severos do que noutros países. As agências de rating podem ter sido desleixadas ou preguiçosas. Quando apostaram contra Portugal, tiveram em conta apenas a história recente, da última década, sem perceber que antes disso o modelo português criou riqueza e desenvolvimento.
Se tudo continuar na mesma, pensa que os EUA podem ser um alvo?
É possivel que os EUA seja alvo dos especuladores. Se os especuladores impossibilitassem o governo americano de continuar a estimular a economia, então a esperança mundial numa recuperação económica desapareceria.
[Hoje, suplemento de Economia do Expresso]
detesto que tenha que ser um (pseudo)economista americano a dizer o que todos os economistas europeus, em particular os portugueses, deveriam estar a bradar aos céus
ResponderEliminar