quinta-feira, novembro 25, 2010

Maximo Gorki: Os Vagabundos


- As minhas palavras são frias como os raios de sol no inverno; raramente os homens as utilizaram, mas quando o fizeram, elas serviram para criar grandes obras. Os autores dessas obras já estão mortos e os monumentos que lhes foram erguidos desmoronar-se-ão em breve sob o insulto do tempo; mas tu vês a vida, conheces os homens e sabes que tudo se mantém igual ao tempo em que cantava o grande Wolfgang, e mesmo ao tempo anterior a ele. Devo lembrar-te isso dado que sou verídica e que para mim não há dor ou alegria, bem ou mal; sirvo a beleza e ela é a verdade suprema, a que não será destruída quer por séculos quer por milénios. Queres apossar-te das minhas palavras sublimes e aceitar-me por tua companhia?
- Para quê?, perguntou o meu poeta com tristeza.
- Para quê, quando tu e ela possuem tão pouca influência sobre a vida. Amo os homens e, nos meus sonhos, quero a felicidade de todos, quero que a vida seja tão bela, tão viva, como o rebentar fragoroso das vagas num dia claro, cheio de sol, e que seja igualmente leve e melodiosa. Quero ensinar os homens a desejar uma única felicidade: a de se respeitarem a si mesmos pela pureza e grandeza dos seus pensamentos e dos seus actos. Queres ajudar-me? 
- A vida é igual a um rio, mas as suas nascentes são turvas porque jorram do seio da terra e é à superfície que lhe correm as águas. Queres purificar as fontes da vida? Transporta-as para os céus. Mas eu sirvo a beleza e sei que o mal é frequentemente mais belo do que o bem. E penso que se o bem fosse tão forte e tão espalhado como o mal, seria o mal o objecto dos teus desejos. Tudo o que abunda é vulgar e aborrecido. E o que vence corrompe-se sempre e perece por orgulho, esgotado pela luta, empanzinado pela vitória. Olha para o sol: é eternamente jovem e brilha com uma luz forte onde quer que os seus raios penetrem; para ele bem e mal não existem... É o que se chama ser objectivo, e nisso consiste a equidade mais elevada que nos é dado atingir sobre a Terra.
Mas a isto o meu poeta exclamou, indignado:
- Em tudo isso não há alma. Já se pensou bastante, o que nos falta é a reaprender a sentir! Na vida não há sentimentos de uma só peça, como de resto não há, geralmente, que seja de um só bloco. Tudo é quebrado e abanado pelos golpes possantes da inteligência, e o espírito humano, penetrante como uma agulha, profundo como uma serpente, já verteu demasiado veneno na taça da vida. Repara, não faltam na vida grandes espíritos, mas onde há - mostra-mas - grandes almas? E a sede de viver desaparece. Como recifes de coral no oceano tais ou tais homens emergem da vida, mas ela, fervilhando à volta deles, quebra contra a sua dureza os nadadores que aspiram a agarrar-se a qualquer coisa. Todos os homens desejam apenas uma coisa, a felicidade, mas procuram-na em sítios diferentes... É necessário abrir-lhes os olhos e mostrar-lhes a verdadeira felicidade. 

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