Parece um filme, mas é um documentário. E não documenta exactamente a vida daquele rapaz de Harvard que se tornou bilionário aos 20 anos por ter percebido que o buraco da fechadura é tanto mais apetecível quanto menor for a distância do alvo. O filme de David Fincher não documenta a vida de Mark Zuckerberg; documenta a nossa própria vida neste tempo. É isso que é terrível e magnitizante em The Social Network, que está longe de ser, como dizem, o melhor filme do ano, mas que é de uma pertinência absolutamente avassaladora. Muito mais pelas questões que levanta do que pelo mais-ou-menos-furto da ideia que já gerou mais de meio milhão de adictos. De que serve ser um génio como será o autor do Facebook se não aprendeu os valores que devem ser intrínsecos às pessoas bem formadas? De que serve criar uma máquina de multiplicar amigos imaginários se não se é capaz de ser leal a um amigo real? E porque temos todos tanta necessidade de pertencer a algum lugar, a um grupo, a uma comunidade? E porque achamos todos que as nossas opiniões são tão importantes que devem ser públicas? Ou por que razão pode ser a necessidade de partilha tão ambígua? E a que distância fica o nosso comportamento da vida adulta do nosso comportamento da adolescência? Há milhares de questões que ficam a ressoar muitas horas depois de o filme ter acabado... Muitas das que me passaram pela cabeça levaram-me quase automaticamente para Ortega Y Gasset n'"A rebelião das massas". O Facebook não é bem uma rede social que alarga o leque das relações; é um mecanismo preguiçoso para enganar a solidão e outros medos e ambições mais ou menos comuns a todos. O rapaz que o criou é o mais sozinho de todos.
(Clara Ferreira Alves escreveu crónica excelente sobre o filme ontem no Expresso.)
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