sábado, novembro 27, 2010

Yasunary Kawabata: A beleza e a tristeza


O que eram as memórias? Qual era o passado de que se lembrava tão claramente? Quando Otoko se mudara para Quioto com a mãe, Oki teve a certeza de que se tinham separado. Mas teriam mesmo? Ele não conseguia fugir à dor de lhe ter arruinado a vida, de possivelmente lhe ter roubado todas as suas hipóteses de felicidade. Mas o que é que ela pensara a seu respeito, ao passar todos aqueles anos sozinha? A Otoko das suas recordações era a mulher mais apaixonada que ele alguma vez conhecera. E mesmo agora, a nitidez dessas memórias não significava que ela nunca se separara dele? (...)Oki sabia que aquilo que ela sentira por ele fora o amor desesperado de uma menina. Também ele avançara para outras mulheres. Mas nunca mais voltara a amar com tanta dor.

(...) - No fundo do teu coração, ainda estás apaixonada por ele. E ele também te mantém escondida no fundo do seu coração. (...) Mas não vale a pena pensares no senhor Oki. Esperares pelo senhor Oki é como esperares pelo passado. O tempo e o rio não fluem para trás.
- És mais do que aquilo que mereço. É um amor que nunca sonhei encontrar. Vale a pena morrer por uma felicidade como esta.
Mesmo agora, as palavras de Oki não lhe tinham desaparecido da memoria. Talvez os antigos amantes já não existissem, mas por entre a sua tristeza, Otoko tinha a consolação nostálgica de que o amor de ambos fora para sempre imortalizado numa obra de arte.

(...) Um dia, ao escrever uma carta, aconteceu que Otoko abriu o dicionário no caracter para "pensar". Ao ler os outros significados ("anseio por", "ser incapaz de esquecer", "estar triste"), sentiu o peito a apertar-se. Tinha receio de tocar no dicionário - até ali encontrara Oki. Inúmeras palavras faziam-na recordar-se dele. Associar tudo o que via e ouvia com o seu amor era o mesmo que estar viva. A consciência que tinha do próprio corpo era inseparável da memória do seu abraço.

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