quinta-feira, novembro 04, 2010

Lobo Antunes: Sôbolos rios que vão


"Deixou de ser pessoa sem dar conta, era um peixe numa água mais espessa que a água, a que os outros chamavam ar e ele chamava ar igualmente antes da dor que não chegava a dor
- Garanto-lhe que não vai ter dores
e por não chegar a dor incomodava mais, queria a sua dor ali, achar-se vivo através do sofrimento e afinal ele um peixe movendo de quando em quando não um braço ou uma perna, uma barbatana vaga e a abrir a boca sem uma palavra, os outros
- Que disse ele?
e não dizia fosse o que fosse salvo bolhas mudas, nas bolhas
- Dêem-me a minha dor
e recusavam-lhe a dignidade da dor, acima da água o reflexo das luzes a decompor-se e a reconstruir-se para se decompor de novo, por um momento julgou ter-se afogado no poço e que a corda do balde o iria buscar mas faltavam o cheiro dos pinheiros e o bafo da serra, a dor aproximou-se a observá-lo e desapareceu sem lhe mexer, outrs formas na água além dele e da dor"

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