quarta-feira, novembro 24, 2010

David Brooks sobre o futuro dos media


Há pouco mais de uma semana, a "Newsweek" anunciou que ia juntar-se à revista online The Daily Beast. Desde essa altura que os comentários pessimistas ao futuro da publicação ecoam pelo ciberespaço. Afinal que razões pode haver para pensar que duas organizações que estão a perder dinheiro vão passar a ganhá-lo simplesmente por se unirem?

A pergunta faz sentido, mas não vejo razão para sermos tão sombrios. Os pessimistas estão a subestimar a maneira como a cultura americana está a mudar no momento actual e como as mudanças recentes vão abrir novas oportunidades para a "Newsweek" e outras velhas revistas generalistas em papel na mesma linha. Não é por acaso que estas revistas resistem há muitas décadas. No fim de contas, as suas raízes vão beber a um veio profundo da cultura americana.

Se quisermos ser pomposos, esta torrente tem origem no século xix com Ralph Waldo Emerson e outras luminárias de menor calibre que ofereciam orientação ao público, ansioso por cultivar-se. O homem e a mulher de carácter, dizia-se, deviam ter uma mente bem preparada. Ao vendedor, ao agricultor ou à dona de casa cabia a responsabilidade de se familiarizar com o melhor que já fora dito e feito.

Para ser respeitável há que ocupar o tempo livre no convívio com as obras-primas da cultura. Para combater o materialismo grosseiro da cultura americana era preciso estar familiarizado com a filosofia, a teologia e os grandes acontecimentos da política internacional.

Foi este o ethos que deu forma à comunicação social nos EUA durante mais de um século. Várias famílias pobres uniam os seus parcos recursos para em conjunto comprar uma enciclopédia, fazer-se membros do Book of the Month Club, para comprar a série "Civilização" de Will e Ariel Durant ou a colecção Grandes Obras de Robert Maynard Hutchins.

Revistas como a "Harper''s", a "Saturday Review", a "Time" ou a "Newsweek" surgiram para satisfazer esta vaga de aspirações culturais. Ao longo de muitas décadas, a "Time" e a "Newsweek" dedicaram mais páginas à ópera, à arte ou à religião do que a Hollywood ou a temas de saúde. Uma pessoa até podia nunca ter posto os pés em Nova Iorque, mas, se quisesse ser respeitável na sua cidade no Wisconsin ou no Arizona, tinha de ter uma ideia das óperas que estreavam nessa semana ou dos livros lidos em Paris. Eram as revistas que proporcionavam esse conhecimento.

Além disso, estas revistas inflamavam a imaginação de milhões de leitores. Proporcionavam a rapazes e raparigas inteligentes a possibilidade de vislumbrarem o vasto mundo. Estava aqui implícito que as suas vidas de todos os dias eram banais, mas a contrapartida era o acesso às vidas de John Foster Dulles ou de Georgia O''Keeffe, e com ele os leitores entreviam um mundo de uma ordem superior à qual mantinham a esperança de um dia virem a pertencer.

Ao longo da última geração, esta ética que orientava as pessoas no esforço de se cultivarem ao longo de uma vida tem estado sob ataque cerrado. As pessoas deixaram de acreditar numa cultura geral que todos os americanos que quisessem ser considerados pessoas cultas devessem estudar e conhecer. Para o novo ethos o importante é sobressair, e não ter classe.

Além disso, o mundo foi varrido pelo furacão do amor-próprio. Não precisamos de ter lido ou ouvido coisas maçadoras para ter carácter. Somos maravilhosos tal como somos. As revistas generalistas passaram a prestar menos atenção ao mundo em que as pessoas sonhavam entrar para passarem a falar dos próprios leitores. Os media segmentaram-se e cada estilo de vida se tornou um nicho com tratamento à parte. A atenção estreitou-se, a tecnologia acelerou o mundo. No meio de tudo isto, as revistas de interesse geral tentaram adaptar-se. No entanto, por vezes os países são surpreendidos por acontecimentos que actuam sobre a cultura. Os EUA sofreram há pouco uma crise financeira e uma recessão. Agra começa a andar no ar uma certa sobriedade. A taxa de poupança aumentou, o consumo baixou, o mundo político parece centrado no défice e na austeridade. Os grandes todo-o-terreno começaram a parecer patetas. As sondagens mostram que os americanos estão profundamente preocupados com o destino do país a longo prazo.

Entretanto, também já chegámos a um veredicto quanto à época da bolha: esta parece deixar as pessoas com vistas mais curtas. Pressente-se um anseio de seriedade, de reflexão acerca do futuro a longo prazo, de regresso ao que é básico. Pressente-se uma nova atenção às coisas. Com este ambiente de fundo devia haver espaço para uma revista de carácter geral que reinventasse a velha fórmula, um pouco pomposa. Devia haver espaço para programas em contracorrente, contra a efemeridade radical oferecida pela maior parte do mundo online, para uma revista que oferecesse coisas que valha a pena recordar, que não viva da perseguição constante do espectáculo, que não sirva para os jornalistas das grandes cidades escreverem acerca uns dos outros, em que a cobertura política não seja alimentada pela corrida de bastidores aos últimos rumores, que não procure o mesmo público de classe média liberal urbana que as outras. Devia haver espaço para uma revista que oferecesse um ideal que correspondesse às aspirações dos quadros médios suburbanos, que servisse de abrigo à tendência das redes sociais para a vulgaridade, que transmitisse a herança cultural do país e o seu modo de vida, seleccionasse para as pessoas muito ocupadas as coisas que vão perdurar e as separasse das que não vão.

No negócio dos media, tal como na política, é importante saber em que ano estamos. E estamos em 2010, não em 1998 ou 1985. A seriedade anda no ar, em busca de um meio de se dar a conhecer.

[Exclusivo i/The New York Times]

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