domingo, novembro 21, 2010

De quantos ingredientes é feita uma coligação?

Num cenário cada vez mais imprevisível para Portugal, sem sabermos ainda se para nos salvarmos será necessária a entrada do FMI e imperiosa a saída do Euro, uma única certeza parece fazer parte do futuro: o actual primeiro-ministro não fará parte dele. Esta legislatura, que leva pouco mais de um ano, há muito se percebeu que não chegará a 2013. E mesmo que no início do próximo ano, cumpridas as presidenciais, muito provavelmente reeleito Cavaco Silva, reaberto o período eleitoral, e com congresso do PS agendado para Março, José Sócrates volte a recandidatar-se a secretário-geral do partido, e possa até ganhar, perderá sempre depois na corrida antecipada das legislativas.

Sem ida às urnas, dando largas à hipótese de entendimento político avançada há uma semana, ao Expresso, por Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros, Sócrates continuará a ser carta fora do baralho, porque é visto como causa da dimensão de fragilidade que o país atingiu e como obstáculo para ultrapassar a situação. Paulo Portas já antes propusera, num debate parlamentar, um governo de salvação nacional que incluísse PS, PSD e CDS, e logo nessa altura o líder do CDS/PP apontou como condição para a coligação a eliminação de Sócrates.

É facto que Portugal precisa de estabilidade, de executar o plano de austeridade, de acalmar os credores internacionais, de cumprir a redução do défice (de 7,3% para 4,6%), de fazer reformas determinantes, mas é improvável que Sócrates, com ou sem FMI, saia do poder pelo seu pé. E o PSD, imparável nas sondagens, também não quer ouvir falar de coligações. “É extemporâneo, descabido e insensato”, avisou Miguel Relvas, secretário-geral dos sociais-democratas, em reacção “ao estado de alma” de Amado. Assim sendo, para já, uma aliança não passará de uma hipótese teórica com poucas pernas para andar, concordam os analistas políticos ouvidos pelo JN. Mas a partir do próximo ano, a história é outra.

“De momento, o cenário é impraticável: Sócrates não sai, Passos Coelho não entra”, resume João Pereira Coutinho. O comentador político não exclui, no entanto, “que a possibilidade de um governo de coligação seja uma inevitabilidade em 2011, caso o país recorra ao fundo Europeu e ao FMI – e precisar, aí sim, de um largo consenso parlamentar e governamental para aprovar as medidas impostas pelo exterior”. Numa situação dessas, justifica, “e tendo em conta o evidente fracasso deste governo e deste primeiro-ministro, a decência mandaria que Sócrates fosse substituído na chefia do governo, antes mesmo de haver eleições, por outro nome da maioria parlamentar. Mas com Sócrates”, ressalva, “nunca se sabe, e o mais provável era termos a situação aberrante de um primeiro-ministro que nos trouxe o FMI e que continuaria a governar-nos com o FMI.”

O politólogo António Costa Pinto também não vê como possível uma aliança nesta altura e faz depender a sua concretização da evolução do cenário internacional. “O passado das coligações, em Portugal, remete para uma situação de emergência perante o exterior e para uma necessidade mínima de estabilidade. As variáveis fundamentais para um pacto são a dívida soberana e o Euro, questões de que ninguém falava há um ano. Mas se tudo se mantiver estável”, alerta, “há um problema inultrapassável para uma coligação, que é a expectativa do PSD em transformar-se em alternativa de poder.” Ou seja, para o PSD, quanto pior agora melhor para cumprir esta ambição.

“Em termos puramente partidários, uma coligação sem o FMI seria um suicídio para o PSD e um brinde para o PS, que teria finalmente um cúmplice”, corrobora Pereira Coutinho. José Adelino Maltez vai mais longe e afirma que “o PSD, tendo decidido apoiar Cavaco Silva nas presidenciais, não pode mostrar o seu plano de mudança – tem soberania condicionada.” Pelo que tudo se decidirá na fase pós-Cavaco e pós-Sócrates. Ou, como ele diz, “na fase pós-eucaliptos”. E nunca a correr, como também frisou, esta semana, na Trofa, Mário Soares. “Sei o que é um governo de bloco central, necessita de meses de negociações prévias e de avanços. Eu andei a negociar isso com o professor Mota Pinto muito antes das eleições”.

Mas se para Costa Pinto, um eventual entendimento entre PS e PSD seriam “mais do que suficientes”, já para Adelino Maltez “a coisa é de tal monta”, que já não vai lá com o que designou como “Bloco Central sem dor”. O professor e politólogo, sugere um entendimento de espectro muito mais alargado. Até porque, considera, “se houvesse uma coligação agora, para os mercados era igual ao litro, uma vez que só representamos 2% da população da União Europeia.” E com isto, o professor quer dizer que “um país que tem apenas este poder tem de defender melhor a sua independência – e não é com pactos com os bancários que o vai conseguir”, critica.

Na convicção de que só “só haverá salvação com um grande pacto de regime”, Maltez defende que ele deve representar um “acordo moral e social”, e, para isso, “incluir sindicatos, Igreja, maçonaria e PCP”, disse, recordando os governos provisórios integrados pelos comunistas. “A democracia está suficientemente madura para celebrar este tipo de contrato”. Pereira Coutinho discorda. “O PCP não é parceiro de coisa nenhuma, como se percebe pelo irrealismo das suas propostas. À esquerda do PS, é o deserto.” E Viriato Soromenho-Marques, politólogo, corrobora. “À esquerda do PS, os partidos querem tudo menos ser opção.”

De resto, o professor está mais preocupado com os factores que não podemos antecipar nem controlar. “Mesmo no quadro de uma boa execução orçamental, 95% da situação económica e financeira não depende de nós, mas dos mercados.” Recorde-se que os títulos da última emissão de dívida pública portuguesa chegaram ao mercado com uma taxa de 6,8%, o que significa que, enquanto bálsamo, a viabilização do Orçamento de Estado teve um efeito praticamente nulo.

Os olhos ficam, portanto, todos postos na Alemanha de Angela Merkel, de quem parece depender não só a absolvição de Portugal, mas de boa parte da Europa. Soromenho-Marques traça três cenários possíveis: “O ideal seria aquele em que a Alemanha assumiria a defesa política do Euro, fazendo da generosidade uma estratégia e transformando a chanceler alemã numa heroína Europeia; uma segunda hipótese passa pela restruturação do Euro, expulsando países da UE como a Irlanda, a Grécia e, quem sabe?, Portugal; por fim, há a possibilidade de a Alemanha entrar em pânico por razões histórias (basta que para isso se lembre da hiperinflação de 1922), decidir salvar-se sozinha e esquecer o projecto Europeu.”

Sendo impossível, hoje, pensar Portugal de forma isolada, este quadro mostra, conclui o professor, duas coisas: “que as pessoas ainda não perceberam o momento único – e grave, muito mais grave que o PREC de 1975 - que estamos a viver; e que a Alemanha, aconteça o que acontecer, salvar-se-á sempre.” Isto conduz-nos aos 5% de responsabilidade que nos cabem. “Os 100% desses 5% têm de ter sucesso. E isso passa pelos sinais que serão dados para o exterior e por deixar de tomar medidas de curto prazo, como todas aquelas a que temos assistido ultimamente”.

Costa Pinto vem ao encontro de Soromenho-Marques neste aspecto. “Sob pena de assistirmos a uma estagnação ainda maior do país, é preciso que exista um programa de reforma”. E lamenta que tenham havido “medidas de urgência aquando do OE, mas nenhuma reforma na Administração Pública nem mesmo sobre o fim dos governos civis”. Pereira Coutinho subscreve a urgência reformista, mas não acredita “que exista ‘cá dentro’ capacidade ou vontade políticas para isso”. Daí que, insiste, “a intervenção do FMI seria uma oportunidade para que a classe política fizesse as ditas reformas tendo o FMI como bode expiatório. E é por isso que uma eventual coligação, sem o FMI, não resolve coisa nenhuma”. 

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