quinta-feira, fevereiro 05, 2009

V.I.P.

Se generalizar é pecado, e eu também acho que é, vou pecar: vou generalizar. Os artistas são figuras vagamente sinistras, perturbadas, a braços com uma espécie de esquizofrenia que, de alguma forma, até entendo, mas que não me impede de dizer o que vou dizer. Encenar sempre o mesmo número cordato deve dar trabalho e mexer com o sistema nervoso. Se eu fosse artista, daqueles que as pessoas chateiam na rua, perderia os fãs ao primeiro contacto. Melhor, ao primeiro olhar: fulminava-os mal se aproximassem.

Há uns meses subi uma rua da Apúlia com o Sr. Markl, coisa de três minutos, e fiquei a morrer de pena do homem que mordeu o cão. "Ó Markl, és o maior!"; "Ó Markl dá-me um autógrafo!" Dois, dez. "Ó Markl, diz uma piada. Podem ser duas?" E o senhor Markl, imperturbável, educadíssimo, a cumprimentar à esquerda e à direita, lá ia subindo a rua, a custo, mas com genuína simpatia. Não é para todos. Também não podia ser companheira de um destes artistas, que a minha paciência é figurinha anoréxica. Também fiquei a morrer de pena da grávida mais bonita de Portugal, Aninha de algodão doce. Também ela, qual primeira dama do humor português, a acenar e a sorrir.

Entendo que deva ser custoso ser lobo sem querer estar sempre com a pele vestida, sou até solidária. O que já não entendo tão bem é quando um desses artistas da praça partilha esta minha costela, digamos, pouco amistosa, mas também não acha piada se não repararmos neles, se não se criar um certo burburinho a denunciar que ali estão. Preso por ter cão e preso por não ter. Há uns meses, no dermatologista, estava um desses. Hesito em revelar o nome. Hmmm, é melhor não. O senhor fixava os pacientes que, como ele, como eu, estavam ali na sala de espera do consultório à espera da sua vez. Sorria como quem diz: "Eu sei que você sabe quem eu sou". E depois levantava-se, sentava-se, voltava a levantar-se. E voltava a sorrir, quase-quase a dizer: "Olá, olá, sim, sou eu, o do bacalhau." A sorrir quase de caneta na mão a postos para dar o autógrafo que ninguém lhe pediu. Como aqueles artistas que já trazem o encore de casa preparado sem saber se o vão requerer ou não. Bem, mas pelo menos este não abriu a boca.

Há uns dias, entrei num SPA aqui do burgo para levantar um presente. Enquanto as raparigas do balcão desafiavam a minha ira com um laço que teimava em não dar o nó, eis que surge um desses figurões mediáticos, dos mais mediaticamente mal dispostos. A malta mal disposta tem sempre a minha simpatia, quase a minha rendição. Mas tem que ser coerente, tem que ser mal disposta com convicção, assim como se não soubesse ser de outra forma, mesmo que o desejasse muito. Não pode, nunca!, num momento de distracção ou fraqueza, desatar a dizer: "Olá, por aqui?", ao primeiro palerma que encontra. Sobretudo se o palerma for eu.

Mas aconteceu-me, é verdade. O homem a sair da sua ginástica, ou das suas massagens, ou do que quer que seja que lá foi fazer, óculos escuros na cara dentro de um salão a meia-luz - SPA oblige - para não ser, suponho, reconhecido e depois desata a tagarelar. Não havia necessidade! Eu nunca o vi (na televisão não conta); ele seguramente nunca me viu e aquilo foi bastante embaraçoso, para não dizer deprimente.

Sou solidária com artistas de mau feitio. Não sou solidária com artistas carentes.

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