segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Hunger


De repente, lembro-me do Irréversible, o filme que o realizador argentino Gaspar Noé estreou em 2002. E lembro-me do aviso na bilheteira: "Este filme contém imagens chocantes. Não devolvemos o dinheiro se desistir a meio". E lembro-me de ver muita gente a não aguentar as imagens cruas daquela vingança, daquela violação, muita gente a desistir logo no início. Não subestimo a violência, aquela, mas resisti.

Passaram muitos anos ou os anos suficientes para que tenha deixado de ver cinema no Cinema. Por isso, não sei se Hunger, o filme com que o inglês Steve McQueen decidiu abalroar-nos no ano passado, motivou, ou não, o emagrecimento repentino das salas (no DocLisboa, não conta). Mas sei que, entre um e outro, estive muito mais perto do ataque cardíaco neste.

Vi quase metade do filme de olhos fechados. E de olhos fechados vi tudo o que não queria ver. E sobretudo tudo o que o realizador nem precisou mostrar - é aí, também aí, que o filme é absolutamente incrível. A Irlanda do Norte, apesar de não haver uma única imagem do país ou sequer exterior à prisão de Maze, em Belfast; a dama de ferro Margareth Tatcher e sua insistência no castigo de quem não queria manter essa parte da Irlanda anexada ao Reino Unido; as motivações do IRA pela igualdade... Consegui até ver, tão longe dali, tão perto no que de pior pode existir na Humanidade, a prisão de Guantanamo.

Hunger é sobre a greve de fome que os militantes dos IRA detidos encetam na prisão para reclamar os seus direitos. É, com aguda precisão, sobre os sessenta e tal dias de Bobby Sands, membro do INLA, Irish National Liberation Army, em contagem decrescente até à morte. É escuro e triste e violento até dizer "basta". Mas é, ao mesmo tempo, uma extraordinária obra de arte. Terrível, mas extraordinária.

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