quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Transa Atlântica

O título é muito bom, porque altamente sugestivo; a campanha melhor ainda, porque todo o séquito de Francisco José Viegas – e não é séquito pequeno – fala da coisa. E o texto da badana funciona na perfeição: “Esta é a história de uma mulher entre os 30 e os 40 anos com uma tendência natural para o abismo e para o pecado”. Homem de qualquer idade fica a babar-se na antecipação do exercício voyeurista; mulher de 31 pensa: “Ora aqui deve estar um livro desempoeirado”. Ainda por cima, a autora, Mónica Marques, jornalista (acho) portuguesa a viver no Brasil há uns anos, já tinha um blogue, Sushi Leblon, com alguma piada. A cereja aparece quando, por engano, alguém diz que o livro tem prefácio de Miguel Esteves Cardoso. O MEC será sempre selo de qualidade, mas não escreveu prefácio nenhum. Afinal, ele é só o único português que ela gostava que lesse Transa Atlântica. Como só descobri isso depois, um dia entrei na Fnac à maluca e lá gastei, de olhos fechados, 14.40 euros no livro. Dinheirinho que hei-de chorar enquanto me lembrar.

Não me lixem, este livro não é bom aqui nem na China. Nem, vá lá, no Brasil. E é pena, porque Mónica Marques, 39 anos, parece tão genuinamente humilde nas explicações que insiste em dar no desenrolar das quase 200 páginas (as conversas com o editor, os cortes do editor...), que quase se fica a gostar dela e com vontade de gostar da sua estreia literária. O que, no meu caso, foi completamente impossível. Numa entrevista à Ler, em Dezembro, ela explicou que “não ia conseguir ficcionar o tempo todo” e que “um primeiro livro tem muito de biográfico”. Pois, talvez. Mas se a maioria das vidas é mais interessante quando escrita, a dela, aparentemente, será bem mais empolgante apenas na sua vivência.

Escrever sobre orgasmos múltiplos, fétiches, vibradores cor-de-rosa, silicone, tesão, pau duro, foder à bruta, calcinhas de fio dental, pipis indecisos, maminhas, bundinhas (e todas os sinónimos de bundinha: cu, bunda, balaio, bumbum, blá, blá, blá...) ou, pelo menos, mencioná-los aqui e ali, não faz de um livro um livro arrojado. Hilda Hilst, só para referir uma brasileira (e bem sei que a comparação é injusta), consegue, com a mesma intenção desempoeirada, por-nos a ver tudo e a suar e a rir (e às vezes a chorar) sem ser tão vazia. (E sem ter que avisar a cada página que está a perder leitores.) Sem parecer um mágico que faz um truque e logo a seguir desata a explicá-lo para a eventualidade de alguém não o ter percebido. O problema de Mónica é que os seus passes de mágica nem sequer têm magia.

No mínimo, podia assumir-se ou reiventar-se como essa mulher avessa à normalidade, às convenções, como uma mulher à frente do seu tempo, o que faria, senão do livro, pelo menos dela uma personagem muito mais interessante. Mas, portuguesinha de sangue, ao mesmo tempo que discorre sobre práticas e aparelhos e posições e pecados de onde virá o prazer sexual, vem logo acautelar que nem tudo é biográfico: “Há coisas que gostaria muito de ter vivido, mas não posso e aí ficcionei porque sou casada, muito portuguesa e muito envergonahda”. No comments.

Finalmente, nessa mistura entre sexo e cultura, entre Lisboa e o Rio (não faltam as referências que todas as mulheres com medo de serem vistas como burras não resistem a fazer: na História, José Hermano Saraiva; na Filosofia, Kierkgaard; na Literatura, Ruben Fonseca, Flaubert, Saramago; na Música, Chico Buarque, Roberto Carlos, etc, etc), o livro poderia sobreviver na paisagem das duas costas do Atlântico e na forma cantada de contar dos brasileiros, e que ela tenta assimilar. Mas nem isso. Aliás, o primeiro capítulo lembra vagamente Luiz Ruffato (outra vez de outro campeonato, também sei), outro brasileiro.

Exercício de comparação. Diz ela, logo a abrir: “O Rio é uma cidade de passeadores de cachorros, pet shops, jornais deixados na porta logo de manhã, meninos pretos malabaristas nos sinais de trânsito cheirando cola, chauffers, lavadores de vidros, empregadas fardadas, mordomos de luvas brancas, empregadores de farmácias, drogarias, alfarrabistas, taxis imundos, livrarias, flamboyants, favelas.....”

A passagem nem é má. Mas agora leia-se Ruffato em "Eles eram muitos cavalos". Alto, de preferência:

“O Neon vaga veloz por sobre o asfalto irregular, ignorando ressaltos, lombadas, regos, buracos, saliências, costelas, seixos, negra nesga na noite negra, aprisionada, a música hipnótica, tum-tum tum-tum, rege o tronco que trança, o corpo, o carro, avançam, abduzem as luzes que luzem à esquerda e à direita...”

Não é prazer de mal dizer. É o que é. Quem escreve blogues com piada não tem que saber escrever um livro. Bom. Mas se ousa fazê-lo, por favor, não lhe chame romance.

2 comentários:

  1. Qual o seu problema???

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  2. É mesmo assim, quem não sabe escrever não escreve, para não fazer estas figuras ao escrever mal, por favor não escreva mais romances????

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