O Público de ontem contava a história de Alfredo Mendes, jornalista do DN há mais de 30 anos despedido "num minuto e meio, vá lá, dois". O Público de hoje, tal como todos os jornais, dá conta do aumento de vendas dos cinco diários generalistas em 2008. No entanto, o Público é o único jornal que faz esta pertinente leitura: "A subida de vendas do JN, quase 10 mil exemplares, não impediu o processo de despedimento colectivo de 123 trabalhadores..."
Em nenhum jornal saiu a história de Denisa Sousa, jornalista do JN, em Braga, também ela dispensada nesta vaga. Não a conheço, mas não resisto a partilhar o mail que, por portas travessas, chegou à minha caixa de correio. Partilho-o porque vale mesmo-mesmo-mesmo a pena ler. E espero com isto não estar a cometer nenhuma inconfidência.
"O JN é um senhor de idade. Respeitável. Pode não ser iluminado, mas não é burro. Pode não ser cosmopolita, mas não é parolo. Mas querem eutanasiá-lo. Pô-lo num lar, primeiro. Depois entubá-lo. Dar-lhe a sopa à boca. E ele cheio de vida, grita que ainda é activo. Tem o seu lugar num País que será sempre rural, por menos que lhes reneguem as origens.
O velhote, idóneo e sábio, é um vínculo vivo à comunidade, num mundo onde a globalização faz (já) as suas vítimas. O JN tem um filho bastardo. É o Jninho. Tem a mania que as edições em papel vão acabar. Que é o multimédia, o multimédia, o multimédia. E as gentes do campo, que somos (quase, quase) nós todos, não querem saber de internetes. Contas feitas pelos médicos mais ilustres, apontam ainda ao JN uma longevidade de mais ou menos 50 anos. Na pior das hipóteses. O tempo em que as gentes do campo dispensarão o cheiro do papel, as notícias frescas, os dedos sujos de tinta, o fio de terra que os liga ao que é seu. Meio século até que esta geração morra.
Depois desta, não se sabe o que virá. "Olha o Zé apareceu nas notícias. Compra lá o JN ou vamos ao café lê-lo entre um copo de tinto e uma enguia de escabeche". Ou o velhote do Porto, de Viseu, de Coimbra, de Aveiro, de qualquer parte de Portugal, parcimonioso, que pega no seu companheiro das manhãs e ali fica a esfregá-lo. Os dois unidos, um todo papel, o outro todo olhos, enquanto o café se esconde garaganta abaixo. Há amor naquela união. Cumplicidade.
Mas o Jninho pensa-se mais visionário. Quer dinheiro fácil. Ele que até dança na discoteca de meias brancas. Escreve sms com muitos kapas e xis. Ele que se recusa a admitir que também é povo. "Português, eu não! Tenho uma mentalidade europeia".
Vai daí, o filho do JN, contrata uma equipa de enfermeiros e médicos para cuidar do cota. E, todos os dias, faz questão de lhe relembrar que não é grande equipa. Cuidar deste velho é privilégio, senhores. Conseguia arranjar melhor. Há mais quem queira. Não há insubstituíveis. Quem está mal, mude-se. E o velhote, contorcido, esconde a vitalidade, o nome, o orgulho de ser quem é do carinho que aquela equipa lhe empresta, a medo, já com pudor e vergonha.
O JN ainda quer voltar ao Norte. Às pessoas que o lêem e respeitam. Quer ser legado do Norte. Património, alma. De novos e velhos. Sedem o gajo, eu é que mando. Desde quando é que o velhote manda? Shiu, estás ultrapassado, pai! O Jninho, implacável, diz que as terras pequenas não interessam a ninguém. Nem o Zé, nem a Maria, nem a Serafina. Que se lixe Penedono, Freixo de Espada à Cinta e Póvoa de Lanhoso. Interessam os universitários e os adolescentes. Esses que nem lêem ainda. Que não honram nem sabem o Português. E os doutores, políticos, chefias, instituições. As grandes metrópoles, a massa crítica. O velho esvazia-se de desgosto, já não sabe o que é. Ele que não é visionário, mas é libertador. Que não ordena, mas opina. Ele que é um grande senhor do Norte.
O Jninho caga nisso. O futuro é o caminho. Quem rima sem saber, trai lai lai lai. Agarra-se ao monstro dos tempos, fica adicto dos recibos verdes. "Eu quero é letras, senhores. Produzam em série. Um dia, hei-de montar uma fábrica de letras, vocês vão ver. Uma pessoa atira-as para um contentor e sai tudo escrito. E depois rua, com todos vocês. Rua, que vocês são chatos, exigentes, querem sempre mais, falam em direitos. Estou farto, farto de vos aturar. Contentem-se! Trabalhem! Ainda vos baixo o preço da linha!".
Aquele ali na prateleira? Deitem-no fora. Está velho. Aquele ali, na gaveta? Quantas peças escreveu esta temporada? Arrumem com ele, se for para Tribunal desiste. E o fotógrafo que não atende telefones? Tirem-mo da frente, quero lá saber que tenha 20 filhos e três mulheres para sustentar. A equipa, quase em hipnose colectiva, questiona o próprio talento. Não deixa o JN morrer, mas cuida dele, já automaticamente. Sem paixão. Mudar fralda, pôr garrafa de oxigénio, pomada para as chagas, dar colherinhas de Cérelac, um beijinho perdido e tal.
Um dia, o Jninho caiu da cadeira. Ele e todos os Jninhos parecidos. A equipa, no mesmo silêncio do costume, abre portadas e janelas à volta do moribundo. Vai-se o cheiro a éter, a mofo, a caruncho das paredes. Alguém diz, ainda a medo : Deixem o Homem respirar, deixem o Homem respirar, deixem o Homem respirar".
O velhote, idóneo e sábio, é um vínculo vivo à comunidade, num mundo onde a globalização faz (já) as suas vítimas. O JN tem um filho bastardo. É o Jninho. Tem a mania que as edições em papel vão acabar. Que é o multimédia, o multimédia, o multimédia. E as gentes do campo, que somos (quase, quase) nós todos, não querem saber de internetes. Contas feitas pelos médicos mais ilustres, apontam ainda ao JN uma longevidade de mais ou menos 50 anos. Na pior das hipóteses. O tempo em que as gentes do campo dispensarão o cheiro do papel, as notícias frescas, os dedos sujos de tinta, o fio de terra que os liga ao que é seu. Meio século até que esta geração morra.
Depois desta, não se sabe o que virá. "Olha o Zé apareceu nas notícias. Compra lá o JN ou vamos ao café lê-lo entre um copo de tinto e uma enguia de escabeche". Ou o velhote do Porto, de Viseu, de Coimbra, de Aveiro, de qualquer parte de Portugal, parcimonioso, que pega no seu companheiro das manhãs e ali fica a esfregá-lo. Os dois unidos, um todo papel, o outro todo olhos, enquanto o café se esconde garaganta abaixo. Há amor naquela união. Cumplicidade.
Mas o Jninho pensa-se mais visionário. Quer dinheiro fácil. Ele que até dança na discoteca de meias brancas. Escreve sms com muitos kapas e xis. Ele que se recusa a admitir que também é povo. "Português, eu não! Tenho uma mentalidade europeia".
Vai daí, o filho do JN, contrata uma equipa de enfermeiros e médicos para cuidar do cota. E, todos os dias, faz questão de lhe relembrar que não é grande equipa. Cuidar deste velho é privilégio, senhores. Conseguia arranjar melhor. Há mais quem queira. Não há insubstituíveis. Quem está mal, mude-se. E o velhote, contorcido, esconde a vitalidade, o nome, o orgulho de ser quem é do carinho que aquela equipa lhe empresta, a medo, já com pudor e vergonha.
O JN ainda quer voltar ao Norte. Às pessoas que o lêem e respeitam. Quer ser legado do Norte. Património, alma. De novos e velhos. Sedem o gajo, eu é que mando. Desde quando é que o velhote manda? Shiu, estás ultrapassado, pai! O Jninho, implacável, diz que as terras pequenas não interessam a ninguém. Nem o Zé, nem a Maria, nem a Serafina. Que se lixe Penedono, Freixo de Espada à Cinta e Póvoa de Lanhoso. Interessam os universitários e os adolescentes. Esses que nem lêem ainda. Que não honram nem sabem o Português. E os doutores, políticos, chefias, instituições. As grandes metrópoles, a massa crítica. O velho esvazia-se de desgosto, já não sabe o que é. Ele que não é visionário, mas é libertador. Que não ordena, mas opina. Ele que é um grande senhor do Norte.
O Jninho caga nisso. O futuro é o caminho. Quem rima sem saber, trai lai lai lai. Agarra-se ao monstro dos tempos, fica adicto dos recibos verdes. "Eu quero é letras, senhores. Produzam em série. Um dia, hei-de montar uma fábrica de letras, vocês vão ver. Uma pessoa atira-as para um contentor e sai tudo escrito. E depois rua, com todos vocês. Rua, que vocês são chatos, exigentes, querem sempre mais, falam em direitos. Estou farto, farto de vos aturar. Contentem-se! Trabalhem! Ainda vos baixo o preço da linha!".
Aquele ali na prateleira? Deitem-no fora. Está velho. Aquele ali, na gaveta? Quantas peças escreveu esta temporada? Arrumem com ele, se for para Tribunal desiste. E o fotógrafo que não atende telefones? Tirem-mo da frente, quero lá saber que tenha 20 filhos e três mulheres para sustentar. A equipa, quase em hipnose colectiva, questiona o próprio talento. Não deixa o JN morrer, mas cuida dele, já automaticamente. Sem paixão. Mudar fralda, pôr garrafa de oxigénio, pomada para as chagas, dar colherinhas de Cérelac, um beijinho perdido e tal.
Um dia, o Jninho caiu da cadeira. Ele e todos os Jninhos parecidos. A equipa, no mesmo silêncio do costume, abre portadas e janelas à volta do moribundo. Vai-se o cheiro a éter, a mofo, a caruncho das paredes. Alguém diz, ainda a medo : Deixem o Homem respirar, deixem o Homem respirar, deixem o Homem respirar".
Denisa Sousa
26/02/2009
Adeus a todos, foi verdadeiramente uma honra.
26/02/2009
Adeus a todos, foi verdadeiramente uma honra.
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