domingo, fevereiro 01, 2009

Jacarandá e Mulemba


Não sei se teria gostado da mesma forma de Jacarandá e Mulemba se não tivesse ouvido Jacarandá e Mulemba dito por quem o escreveu, por quem o viveu. António Costa Silva e Nicolau Santos, os dois autores dos poemas que não são poetas, são "fazedores de versos", e que à boleia desse conforto que os esvazia da responsabilidade que a pompa dos títulos confere, publicaram o livro. Sobre África: Angola.

Angola é ali uma mulher, a única que os homens, aqueles e outros, não se importam de partilhar. Pelo contrário, ela é tanto mais celebrada, tanto mais deles quanto mais a derem a conhecer aos outros. Angola de rara equação: multiplica-se na divisão. Angola é ali mãe, amiga, irmã, amante. A mulher que não queriam deixar, mas deixaram. A mulher que não os queria abandonar, mas abandonou. A mulher que nunca poderão esquecer. E que não resistem a procurar em todas as mulheres, sabendo que nenhuma mulher é aquela. E que aquela nunca poderá voltar. História de amor que não se apaga nem se atenua e a que se volta sempre. Na reconstrução da memória. "Angola/ Não é normal que / passados tantos anos / eu me continue a lembrar de ti."

A forma como um e outro, por baixo ou por cima de um extraordinário quarteto de jazz, leram os poemas, ontem, na Cooperativa Árvore, no Porto, não deixa grande margem para que outra leitura possa ser feita a partir daquela. Leio os poemas outra vez, e outra, e outra, e ainda é a voz deles que ouço. A voz de António, serena, às vezes sussurrada, às vezes magoada (esteve preso durante três anos sem saber se dali sairia a tempo de partilhar a poesia), essa voz a vir de mansinho como quem ressuscita da dor ("Eu conto as feridas vivas/ As rugas da palavra/ Colecciono as ruínas") e escolhe viver do amor. Essa voz a dizer: "Amo a vida/ como a uma irmã/ O importante é não perder/ nenhum dos dias que sobram". E a voz de Nicolau exaltada, quase cantada, dançada, a percorrer as ruas da infância, olhos de menino, de gula ("Eu sabia lá o que era lânguido/ Aos 15 anos!"), a descobrir os sabores do mundo, "fascinado, espantado", essa voz gritada, a ir para lá, como se precisasse, qual declaração de amor gritada ao mundo em cima de um banco, de ser ouvida lá. "Nessas sílabas, camarada/ Marcarei/ Que só acredito em vós/ E por vós acreditei".

É como se um chorasse para a vida porque esteve lá e outro sorrisse para a vida porque lá esteve. E, no entanto, háverá lagrimas e sorrisos nos dois. E nos dois há sobretudo a generosidade imensa de uma partilha tão íntima. Obrigada.

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