quarta-feira, janeiro 31, 2007

Jay-Jay Johanson


Assistir à falta de competência de alguém que tem para comunicar alguma coisa manifestamente má e não tem capacidade para a transformar numa coisa boa, relevando o que haverá de melhor no que não presta, é frustrante. Num departamento de comunicação ou de relações públicas ou de assessoria, este desempenho nunca poderá ser visto como honesto, porque obviamente ninguém de qualquer um desses departamentos é pago para ser honesto. É pago e educado para fazer brilhar o que poderá ser baço.
Mas quando se assite ao desempenho de alguém que tem nas mãos uma coisa verdadeiramente genial e revela igual incapacidade para a comunicar, a frustração transforma-se numa gritante irritação!
A Casa da Música - quantos assessores e consultores de assessoria tem o raio do equipamento? Cinco? Mais?... - vai ter, no próximo sábado, o imperdível Jay Jay Johanson do magnífico Whiskey de estreia, em 1996 - álbum seguido a espaços mais ou menos longos de Tatto, Poison e Antenna (trabalho mais electrónico) e agora The long term physical effects are not yet know. O sueco esteve no Porto, há dois anos, para um concerto no Teatro Sá da Bandeira. Mas o precioso bónus foi oferecido na discoteca Act, onde o nórdico fez literalmente o que quis com a pista - improvável pista, é certo, de quem claramente desconhecia a luz daquele altar, mas ainda assim, receptiva -, com um DJ set absolutamente efervescente. Único. Com um travo a inacabado. Confesso: há dois anos que espero o regresso do homem. Ele volta daqui a três dias e ninguém disse nada! Devia ser crime. "So tell the girls that I am back in town".
O concerto de Jay Jay (aliás, concerto ou DJ set? Ninguém diz...) insere-se na segunda maratona do Clubbing, potencialíssimo formato que a Casa da Música inaugurou o mês passado... mas em segredo. Vá lá saber-se porquê. Será como o resto da programação que, no curso deste ano, é toda dedicada a Espanha, embora eu desconfie seriamente que o país vizinho desconhece a ilustre dedicatória.
O Clubbing de 3 de Fevereiro começa às 22 horas, é dedicado aos eighties e terá ainda @c+Lia (projecto de Pedro Tudela e Miguel Carvalhais), Phantom Ghost, WhoMadeWho, Rui Pregal da Cunha (ex-vocalista dos Heróis do Mar) e Hang The DJ. A noite custa 20 euros.

terça-feira, janeiro 30, 2007

Raul Brandão


Não é novo: é verdade que não me conformo com a falta de popularidade de Raul Brandão, espécie de Dostoievsky português. Por estes dias, a Relógio D'Água fez de mim uma pessoa mais feliz ao reeditar, na colecção "Obras Clássicas da Literatura Portuguesa - Séc. XX", um dos meus livros de eleição, que nunca consegui ter senão por fotocópias: "A morte do palhaço e o mistério da árvore". Com um bónus precioso: "História dum palhaço (A vida e o diário de K. Maurício). A edição, na verdade, é de Novembro de 2005. Por alguma estranha razão, só a descobri agora.
História dum palhaço
"Vi que a multidão é má e se ri e se despedaça, indiferente, criaturas; vi que há homens tão desgraçados que, se têm dores, são ridículas. As suas amarguras fazem rir a multidão. Nascem para sofrer, eternamente perseguidos, encolhidos, habituados até á desgraça... Outros têm na vida um método e vão por aí fora e tudo subordinam às suas ideias, torcendo a vida para que ela caiba dentro de regras. Riem, choram, atropelam-se. Sofrem e fazem sofrer".
A morte do palhaço
"Encontro a dor no fim de tudo. Não vou para um prazer sem pensar no fim, na desgraça em que tudo se aninha, no tédio de ter realizado... E na minha alma se fez pouco a pouco um grande vácuo, um amargo tédio por a vida ser só isto, por o sol brilhar de uma só forma e por já ter imaginado todas as coisas... E no entanto eu não vivi senão por imaginação... Deixa-me explicar-te isto melhor: é como se eu fosse composto de diferentes seres, cada um com as suas ideias, os seus sonhos e as suas ilusões, e por cada tarde que finda, na luz que cerra os olhos, um desaparecesse para sempre, levando-me uma parte de ventura e de tristeza... Eu nunca estou só. Quando me isolo é que estou mais acompanhado."

"O que é que tu sabes?"

(Foto:JMG)

Sei que vais casar. Sei que é daqui a quatro meses. Sei que ainda não me disseste. Mas não sei porquê. Sei que prometemos casar um com o outro se aos 30 anos ainda não tivéssemos casado com alguém. Sei que dizíamos isso para irritar as pessoas. E sei que gostávamos de as irritar. Sei que ainda não casei. E sei que tu vais casar no mês em que completas 30 anos. Não sei o dia.
Sei que falamos de tudo. Sei que tu, sendo homem, és a minha melhor amiga. E sei que não precisamos falar para nos entendermos. Sei que preferias viver seis meses, talvez mais, sozinho antes de casares. Porque nunca viveste sozinho e gostavas de experimentar. E sei que isso não vai acontecer porque achas que os argumentos do outro lado são mais válidos que os teus. Não sei se serão; mas tu sabes e eu confio em ti.
Sei que gostávamos de trabalhar juntos. Sei que o meu mau feitio anula-se no teu e vice-versa. Sei que talvez isso nunca venha a acontecer porque optámos por carreiras diferentes. Outra vez porque achaste que os argumentos do outro lado eram mais válidos que os teus. Não eram. Isso, eu sei. Sei que gostavas de ter ido por onde fui. E sei que se tivesses ido serias melhor do que eu - és melhor do que eu de qualquer maneira. Mas sei que não achas mesmo que sou burra e gorda e feia quando dizes que sou burra e gorda e feia. Sei que quando estamos juntos somos insuportáveis. Sobretudo em grupo. Sei que fazemos de propósito.
Sei que me ligaste hoje. E sei que hoje não me apetecia nada falar (desculpa!). Sei que não disseste nada do que querias dizer. E sei que o meu silêncio abreviou a conversa. Mas sei que entendeste o que quis dizer quando disse que hoje me sentia com 15 anos.
Sei que vais casar. E sei que tu sabes que eu sei. Era isso que querias saber?

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Importa-se de repetir?

"Se os outros esqueceram porque hei-de eu lembrar-me?"

Teresa Costa Macedo, ouvida no processo Casa Pia, jurando não reconhecer o homem da fotografia depois de anteriormente ter afirmado o contrário.

Passos Manuel


- Até quando vamos andar aqui a beber cervejas?
- Até sempre!
- Até sempre?
- Até já.

Quiz VII

Porque é que há gurosan para a ingestão excessiva de álcool e não há gurosan para a ingestão desmedida de afecto? Porque é que é possível solicitar de urgência uma lavagem ao estômago e não é possível fazer uma lavagem ao coração? Porque é que uma noite de sono cura tudo e ainda não curou isto?

"It's about time"

Assim, de repente, nada contra as instalações que têm sido apresentadas na Casa da Música, no Porto. Primeiro, a de Nuno Grande; na sexta, a de Ricardo Jacinto; até ao fim do ano, serão apresentadas outras nove. Mas o empenho de Guta Moura Guedes em apresentar no edifício de Rem Koolhaas uma espécie de extensão da sua Experimenta Design sempre me pareceu, no mínimo, deslocado. Sobretudo se se considerar que no âmbito específico dos objectivos que o equipamento visa cumprir - a música -, ainda há muitas prioridades por materializar.
O mistério foi entretanto desvendado: a quinta edição da bienal, cujo tema já estava definido - "It's about time" -, foi cancelada "por motivos profundos", explicou a responsável. Suponho que tão profundos como aqueles que ameaçam transformar a Casa da Música numa casa de acolhimento de quem não poderá expor o seu trabalho em Lisboa. We'll see.

sábado, janeiro 27, 2007

Grandes Portugueses

Quem ainda não está farto da eleição do alegado melhor português de sempre que ponha o dedo no ar!

sexta-feira, janeiro 26, 2007

A voz. E o clone.

Falas-me sempre da voz. Sempre, desde o primeiro dia. É a primeira coisa que dizes quando digo olá, sou eu. E és o único a falar dela, da voz. Da voz sem ser para referir a má dicção ou a pronúncia daqui ou dali. Falas da voz com adjectivos insuflados. E lês-me uma crónica de Eduardo Prado Coelho, ao telefone: "Se alguma coisa se incorpora na matéria das vozes que as torna recalcitrantes a quase todas as palavras com que as tentamos definir, essa resistência tem por contraponto o estranho mistério de elas parecerem inesquecíveis - e por vezes, ao atender um telefonema, ao ouvir um programa de rádio, ao encontrar alguém na esquina de uma rua,é uma antiquíssima voz que vem segredar-me ao ouvido que a memória tem mais voltas, estragos e volutas do que possamos imaginar". Falas da voz primeiro e da gargalhada depois. É a segunda coisa que fazemos depois de dizermos olá, sou eu. Invariavelmente. Da gargalhada da saudade. Da saudade de sempre. Sempre incumprida. Parecemos tontos!...
Criámos um ritual de pretextos: tu ligas-me quando tropeças em qualquer coisa escrita sobre o poder da voz ou, mas menos, quando vês um cabelo "a arder". Eu ligo-te quando ouço uma música que descobrimos os dois ou, cada vez mais, quando encontro aquele que me parece ser um clone teu. E voltamos a rir. Dos pretextos. Sempre iguais. Devolvo-te o Prado Coelho por correio: "Há um dia em que sentes que o essencial ficou para trás, que a partir de agora tudo pode ser igual ao anterior mas nada terá a tonalidade que o distinguia, porque nenhum desejo investe o que acontece, porque ultrapassámos uma linha invisível, e aí experimentámos essa forma de morrer que é o puro derrame do sentido, a desolação sem resgate, o declive sereno mas inexorável, a impiedosa expansão de um depois". Seremos tontos?...
Nem a minha voz é como dizes ser, nem o clone é como tu. E também não há caminhos que nos conduzam ao passado, mas "um dia, vamos juntos a Nova Iorque". Promessas para o futuro. Somos tontos.

Beckett


"O ar está cheio dos nossos gritos, mas o hábito é um grande amortecedor".

terça-feira, janeiro 23, 2007

Triplex

Saio de casa como um homem para um encontro de homens que vejo, no máximo, duas vezes por ano. Quando chego, os homens estão a ter uma discussão de mulheres. Usurpo-lhes o tempo de antena. Despejo em catadupa dois ou três assuntos pendentes como quem deposita casacos e carteiras em cima de uma mesa anoréctica, roubando espaço para copos e tabaco. Os interlocutores sorriem, fingem agradecer a aparição súbita. No momento certo para abortar a discussão, disfarçam. Mas quando termino, voltam ferozmente a ela. E já não conseguem sair dali. Não é futebol, nem política, nem a profissão, nem propriamente gajas. É só a versão de uma história que não encaixa. Uma história com bolor ressuscitada numa sala sem aquecimento do Triplex, vá lá saber-se porquê. "Tu sabes que querias que eu contasse"; "Tu sabes que não era para contar"; "Afinal não te conheço como julgava"; "É melhor ficarmos por aqui"; "Mais uma cerveja? Não, estou cansado, quero dormir"; "Fica tu"; "Não, ok, vamos todos".
E fomos. Eu, muda, também. Eu, que nem sequer paguei bilhete para assistir à peça, aceitei desligar os Band of Horses com a St Augustine em repit [we're dancing on the poison in their graves, at the end of the night, we'd all seen better days] e abandonar o calor cansado da lareira só para, por eles, mergulhar no nevoeiro orvalhado da cidade. Encomendei uma daquelas conversas de pessoas que nunca se vêem; serviram-me uma discussão por-pouco-mais-do-que-quase-nada. Ter-me-ía enganado no sítio? Não consegui evitar sentir-me uma criança na cama de um casal, com o olhar em incessante e incrédulo pingue-pongue. Impôs-se o clássico silêncio, sim, matrimonial. Entrecortado a espaços. "Está frio, não está?".
Foi mais comovente do que parece. São amigos de verdade. O telemóvel não precisava tocar. Não passaram dez minutos desde que entrei no táxi. "É só para te dizer que já fizemos as pazes. Vai um copo?"

domingo, janeiro 21, 2007

Otelo

(Foto: Estela Silva)

Otelo, a tragédia de William Shakespeare, é Iago, o personagem. Se a interpretação do inóspito cão-de-guarda do general negro não convencer, a peça fica irremediavelmente manca; se é boa basta para arrastar consigo a ansiedade de uma história que deposita na consciência do espectador uma estranha empatia com o vilão, que o faz quase desejar que ele se salve. Otelo da visão assumidamente pessoal de Nuno M. Cardoso, e centrada no intervalo de tempo em que a opção entre dizer ou calar poderia mudar o desfecho da vida, é irrepreensível.

Os papeis inverteram-se e Nuno Cardoso (sem M) volta ao palco pelas mãos de um dos actores que mais vezes dirigiu nos últimos anos: Nuno M. Cardoso, agora, também, no lugar -conseguido - de encenador. A última vez havia sido em Gretchen, a partir de «Fausto», de Goethe (2003), numa interpretação morna. Desta vez, Nuno Cardoso/Iago mostra que não é só o melhor encenador que Portugal descobriu nos últimos anos ["Parasitas", de Marius von Mayenburg; "Woyzeck", de Georg Büchner; "O Despertar da Primavera", de Frank Wedekind; "Plasticina", de Vassili Sigarev...]; é também um dos actores mais consistentes, versáteis e absolutamente inatacáveis. É ele que conduz a peça, que a faz avançar e travar, suster a respiração e rodopiar até à apoteose final.

Iago tem tantas caras quantos os personagens com quem se cruza; talvez mais. É ríspido e frio com Emília (Sara Barbosa), sua mulher e única a saber que ele não é o que parece ser; é solícito e (des)leal com Otelo (Ângelo Torres), o ingénuo general de quem consegue uma ansiada promoção; é ombro amigo de Desdémona (Rita Loureiro), cândida companheira de Otelo que renuncia a tudo, a Veneza, à nobreza, e também à vida, por amor; é o parceiro de sempre de Cássio (Daniel Pinto), supostamente, seu melhor amigo; e força instigadora das ambiçoes amorosas de Rodrigo (Carlos António). Iago é isto tudo. E não é nada disto. É manipulador, cínico, traidor, cruel até à morte.
Otelo, inspirado na novela “Mouro de Veneza” de Giraldo Cinthi, é uma síntese do pior e do melhor que existe em cada um de nós. Do que somos cegamente capazes quando confrontados com o ciúme e a hipótese de infidelidade. E, inversamente, da abnegação quando imbuídos de uma consciência nítida e de amor verdadeiro. Também, e sobretudo, do que o desmedido desejo de poder nos faz fazer. Otelo joga com todas as contradições, todos os desejos, todas as crises, todas as armas. Quem sobreviverá à culpa?
A peça está em cena, hoje, pela última vez, no Teatro Nacional S. João, no Porto.

sábado, janeiro 20, 2007

Paulo Pimenta

(Bloc Party no Festival de Paredes de Coura, em 2006)

Imperdível exposição de Paulo Pimenta, um dos melhores fotojornalistas do panorama nacional, na Galeria da Fnac, em Santa Catarina, no Porto. "As três primeiras músicas" é um álbum de memórias pelos concertos indizíveis de Caetano Veloso, Moonspell, Bloc Party, etc, etc, etc... Até 15 de Março.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Troféu para a analogia mais ridícula

Depois de Sua Santidade o Papa ter comparado o aborto a um "acto terrorista" e D. António Montes Moreira, bispo de Bragança, ter afirmado que o aborto é "uma variante da pena de morte", chegou a vez do economista João César das Neves, segundo o qual a despenalização tornará o aborto "tão banal como um telemóvel".

Deveria haver um prémio para a comparação mais ridícula sobre o tema. Daqui até 11 de Fevereiro hão-de aparecer mais. Pessoalmente, a questão continua a parecer-me tão elementar quanto isto: que direito tenho de decidir a vida da vizinha do lado?

domingo, janeiro 14, 2007

O Porto visto de Lisboa

"Quem espera quatro horas, ao frio, noite dentro, para ver uma exposição de pintura?", pergunta José Manuel Fernandes (JMF), hoje, no editorial do Público. "Os portugueses", responde. À última hora, deveria ter acrescentado. Há quem só tenha acordado para a retrospectiva de Amadeo de Souza-Cardoso, patente na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, desde 14 de Novembro, no último dia e depois de os media terem sucessivas vezes alertado para o acontecimento. Inclusive com aberturas de telejornal. Ainda assim, é um facto: mais de cem mil pessoas em dois meses é, no mínimo, motivador.

"Quem esgota os espectáculos de qualidade, da ópera à dança, que passam pelas nossas grandes cidades? Os portugueses. Quem transformava um longo fim-de-semana numa maratona familiar em que se saltitava de sala de concerto em sala de concerto no Centro Cultural de Belém para não perder pitada da defunta Festa da Música? Ainda os portugueses. Quem torna num sucesso, esgotando sessões, um festival de documentários? De novo os portugueses".

Tal dose de optimismo é quase contagiante! No entanto, é toda relativa à agenda cultural da capital. É lá que se realizam todos os acontecimentos citados por JMF. Agora, atente-se na perigosa diferença quando o olhar do director do Público se inclina sobre o Porto (com excepção da sempre elogiada Serralves).
Depois de afirmar que "o nosso problema não é "criar públicos para a cultura" (...); o nosso problema é responder à solicitação dos públicos que existem e que só não aparecem porque muito do que lhes é oferecido pura e simplesmente não tem qualidade", atira esta pérola: "Protestamos menos pelo desaparecimento de uma Festa da Música (quantos miúdos tiveram naqueles dias, nestes últimos, o seu baptismo da grande música? quantos se começaram a interessar pelo que desprezavam?) do que por um teatro municipal do Porto deixar de acolher espectáculos para 30 pessoas quando tem lugar para centenas.
Pergunto-me quantas vezes JMF esteve no Rivoli e se tem noção de que nos últimos anos (não exactamente nos últimos-últimos) também lá houve meninos "a interessar-se pelo que antes desprezavam". Pela convicção com que escreveu, sou levada a crer que sim, que JMF era um assíduo espectador do Rivoli (apesar de também me considerar e, curiosamente, nunca me ter cruzado com ele). Gostava de saber em que se baseia a afirmação da lotação para 30 pessoas: observação directa? Duvido. Para um líder de um jornal que preza acima de tudo a confirmação e cruzamento de fontes parece-me, no mínimo, um mau exemplo.
Pergunto-me ainda se JMF tenciona vir ao Porto quando Filipe La Féria começar a programar o Teatro Municipal. E finalmente, muito gostava que esclarecesse em que lugar do Porto encontra festivais de documentários, festas da música, arias de ópera e espectáculos de dança... de qualidade.

Fico com a impressão que JMF perdeu uma excelente oportunidade de estar calado.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Preview La Féria

Peles verdadeiras, falsas, às cores - castanhas, pretas, matizadas, brancas; luvas curtas, compridas, sem dedos, de cetim, de pêlo; xailes, echarpes, estolas; tacões-agulha, tacões-régua, todos altos; carteiras e cintos da colecção; sobretudos caxemira e lencinhos-ao-tom no bolso superior direito; madeixas das modalidades todas, extensões, cabelos brancos, muitos, louros também, platinados; uma palete inteira de odores. E Carlos Castro, importado da capital. Passadeira vermelha, claro. E castiçais esguios com velas acesas nas laterais. Casa cheia!
Eis o preview Filipe La Féria exibido hoje na ante-estreia (no Porto; em Lisboa já saiu de cena) de Miss Daisy, peça encenada por Celso Cleto, no Teatro Rivoli, no Porto. Lá dentro, Eunice Muñoz é a estrela da companhia. Atrás dela, na parte que não se vê, uma equipa inteira de pessoas despedidas de fresco. Talvez alguém, no fim, as possa aplaudir. A cada uma das que ajudou a montar o espectáculo. Ou talvez não. Talvez o público seja impedido de o fazer pela dúzia de polícias disfarçada de ninguém. Sim, esses que com ar de lobo-mau e punho fechado afugentavam os arrumadores que pediam à porta do edifício.

Descansa, as estrelas estão lá



"Uma espécie de blog a partir de imagens", de Renato Roque. Vale a pena visitar.

"Vanitas"


Paula Rego está na moda em Portugal. Desta vez, foi a Gulbenkian a encomendar-lhe uma obra. O tríptico "vanitas" celebra o 50º aniversário da Fundação. Teve como ponto de partida um conto de Almeida Faria, agora reeditado, e vai ficar em exposição no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão.

O tríptico de Paula Rego é uma “reflexão visual acerca do próprio conceito de vanitas enquanto precariedade da nossa frágil existência humana”, disse o autor da história. Eduardo Lourenço, administrador da Fundação, escreve na introdução do conto agora reeditado: “É nas nossas mãos que está a folclórica foice, sem a sombra temerosa de Goya, rodeada de todos os brinquedos do nosso divertimento, indiferente ao tempo e à sua música mortal”.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Rui Rio: obsessões, fobias, traumas

Há qualquer coisa de perverso (deveria dizer sórdido?) e quase masoquista na cabeça de Rui Rio, que o leva a actuar quase sempre da forma errada. Não são só os fins - obviamente discutíveis -; são os meios para os atingir. Se a Cultura parece ser uma fobia, a forma de a suprir é tanto mais insólita quanto o facto de nunca a conseguir concretizar sem o recurso a um circo que nunca prescinde de um batalhão da polícia municipal. Foi assim na substituição da Associação de Gabinete de Desporto do Porto pela Porto Lazer; foi assim quando decretou a privatização do Teatro Rivoli; foi assim hoje com a alegada extinção da Culturporto.
Pergunto-me: para lá da esfera estritamente legal, não encontrará Rui Rio, na sua concha ética, uma forma decente de concretizar as suas medidas? Sem atropelar funcionários ou sem encontrar, posteriormente, na comunicação social a causa do mal da sua desventura?
A esta altura, reler o capítulo do seu programa eleitoral dedicado à Cultura assemelha-se à leitura de uma manual de anedotas. O presidente da Câmara do Porto afirmou, há menos de meio ano, que "o futuro da cidade passa por uma aposta na cultura e por um esforço do sentimento de cidadania e da integração na comunidade". Nota-se.
Acrescentava ainda, para justificar a importância na aposta, que "o Porto 2001 foi uma oportunidade perdida, cujos efeitos se esgotaram no momento, não tendo conseguido criar novos públicos que ajudassem a construir mais facilmente o futuro". Curiosa afirmação quando a ele se deve a falta de continuidade do projecto. E de todos os projectos filhos desse projecto maior. Assim, de repente, em que estado estão os caminhos do romântico? Que foi feito dos ateliers da lada?
Rui Rio comprometia-se também a "ouvir as necessidades sentidas pelas instituições culturais e pelas associações/fundações e participar numa reflexão sobre a importância da cultura para a cidade, pedindo uma programação, com projectos de qualidade, estimulando a inovação". Alguém foi ouvido?
Dizia querer "reafirmar a importância da cultura na cidade, aproximá-la das pessoas, divulgando bem o conceito de cultura que está subjacente a este novo projecto (melhoria das competências, condição para melhor obtenção de emprego, factor de melhoria de vida e de ascenção social) (...), restabelecer uma relação orgulhosa e civilizada dos portuenses com a sua cidade, equilibrar as produções efémeras com o desenvolvimento de projectos estruturantes, remodelar toda a estrutura de divulgação, a começar pela Culturporto, que tem que ser restruturada".
Se isto não é mentir descaradamente, o que é?

terça-feira, janeiro 09, 2007

Importa-se de explicar?

"O Nuno Cardoso foi o jovem encenador mais privilegiado em Portugal nos últimos 30 anos".

Ricardo Pais, hoje, em entrevista ao Diário de Notícias

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Do aborto. E da hipocrisia.

Um problema de saúde obriga-me há alguns anos a visitar o ginecologista com apurada assiduidade. Aliás, os ginecologistas, no plural - quando um está de férias em qualquer lugar exótico tenho sempre o outro. Não é um capricho; é o que tem que ser. Dois homens, amigos de longa data, a trabalhar em cidades diferentes. Médicos irrepreensíveis cuja longevidade do acompanhamento acarreta já algum afecto e muitas, muitas histórias. Uma-consulta-uma-história. Que nunca escrevi. Porque não.
Mas no encalce do segundo referendo sobre a despenalização do aborto é-me inevitável a partilha de uma história que ouvi numa dessas visitas, e que me leva a não ter grandes dúvidas sobre a vitória do "não" a 11 de Fevereiro próximo e sobre a perpetuação da hipocrisia reinante neste país. Faço este preâmbulo para que fique bem claro que a história é real, que estará longe de ser inédita, e que pulula, impune, aqui e ali, mascarada do melhor verniz.
Um dos ginecologistas mantinha uma qualquer tertúlia semanal e de café com companheiros da classe, mas de especialidades diferentes. Conta-me que eram conversas animadas pelas questões da ordem do dia e das convicções de cada um. Numa tarde de 1998, em plena contagem decrescente para o primeiro referendo sobre o aborto em Portugal, discutia-se inevitavelmente a questão. Um dos parceiros defendia as vantagens de o assunto continuar como está, ou seja, com mulheres a irem parar ao banco do Tribunal quando a interrupação da gravidez é descoberta. Ou a rumarem clandestinamente a Espanha. Ou à mesa de um boteco mais ou menos grotesco de uma rua escondida onde uma anacrónica parteira ou enfermeira lhes trata literalmente da saúde.
A argumentação, conta o médico, estava mais centrada no princípio moral do que propriamente na ciência ou em saber quando é que o feto é ou não um efectivo ser humano. Dizia o colega que esse tipo de utentes - as mulheres - seriam na sua grande maioria pessoas mal formadas de classes desafavorecidas ou adolescentes incautas. E que não seria possível, na era do preservativo e do não-tabu sexual, ser conivente com esse tipo de comportamento imprudente. Seria necessário educá-las, mas nunca à custa de uma morte. O fervor da discussão terá levado o homem a abandonar a tertúlia. Não só essa como as que se seguiram. Até um dia.
Até ao dia em que entrou no consultório do ginecologista, julgando este que seria para se desculpar e eventualmente fazerem as pazes. Não era. Era para lhe pedir que fizesse um aborto à mulher. Uma adolescente? Não, obviamente! Uma mulher mal formada de classe baixa? Também não. Uma mulher de 40 anos, no auge da carreira, com dois filhos, e a quem não convinha um terceiro. Não tocaram na conversa que motivou a discórdia entre ambos. Mas o ginecologista confessa que aguardou durante vários dias um cartão ou um telefonema que emitisse um sinal de redenção.
O sinal chegou no dia em que fumava um cigarro à janela. Lá em baixo, no meio de uma manifestação contra a despenalização do aborto, alguém empunhava um cartaz com um braço e erguia o outro na sua direcção, acenando-lhe. Era o homem, sem qualquer laivo de vergonha ou arrependimento, que semanas antes havia pago um aborto à mulher.

domingo, janeiro 07, 2007

FCP 0 - Atlético 1

Fico com a estranha impressão de que para o Atlético foi mais importante ganhar ao FC Porto do que poder vir a ganhar a Taça de Portugal. Em relação aos comentadores da TSF não há dúvidas: ganharam o euromilhões!

Coisas que não disse nos últimos dias...

Demissão de Fernando Almeida: Não há pachorra para os colunistas, vereadores da Oposição, actores e encenadores da praça que agora vêm elogiar as inequívocas qualidades do ex-vereador da Cultura do Porto no seu percurso profissional extra-camarário. Não há pachorra porque nunca isso esteve em causa. No contexto, qualidade seria reconhecer os seus limites e ter capacidade de não aceitar um cargo para o qual não tem manifestamente competência ou margem de manobra. Qualidade seria ainda assumir imediatamente a ruptura quando atinge, seja por que razão for, um ponto de saturação. De preferência, através de outro veículo que não o do silêncio. Aceitar o timming de Rui Rio para anunciar uma demissão que já era conhecida pelo menos há duas semanas nos corredores, e ainda por cima disfarçá-la de incompatíveis compromissos profissionais, tentando aparecer como um infeliz sacrificado, em nada o dignifica. Nem a ele nem a essa cada vez mais misteriosa actividade chamada política.
Passagem-de-ano nos Aliados: Passei pela Baixa do Porto no último dia de 2006 a meio da tarde. E vi a parafernália de palcos e tendinhas patrocinada pela Sport Zone a ser montada nos Aliados. Não resisti a procurar um cartaz para saber o que reservava o programa nocturno. Sem surpresa: Quim Barreiros. O povo dança e Rio Rio agradece. O que distingue o Porto de uma aldeia?
Cabaret Molotov: Fui assistir ao segundo round da peça encenada por João Paulo Seara Cardoso para o Teatro de Marionetas do Porto, no Convento de S. Bento da Vitória. As cadeiras instaladas num salão improvisado (e o mais inadequado possível para aquele tipo de espectáculo) estavam todas ocupadas e o desempenho dos actores é inatacável. Mas no fim, quando vieram receber os aplausos, imensos e justos, foram incapazes de esboçar o mais ténue sorriso. Pareciam quase desconfortáveis. Fiquei a pensar no que aquela súbita timidez representa. Fiquei a pensar no que sentem actores que insistem em actuar numa cidade que rejeita a esmagadora maioria das manifestações culturais. Pensei que se Rui Rio por uma vez assistisse a uma peça de teatro talvez pudesse mudar a sua estratégia. E fiquei a pensar onde estarão as salas alternativas que diz ter para o teatro; essas que ele diz que vai lá “pega e paga”.
Casa da Música: 2007 é o ano de Pedro Burmester – o primeiro em que apresentará a sua programação na instituição e em que será possível confirmar, ou não, a razão de tanta gente ter defendido o seu lugar no equipamento como director artístico. Espero que a entrada de Guta Moura Guedes, posterior ao regresso do pianista, não confunda os mais distraídos na atribuição do mérito, se o houver, a quem é devido.

Execução de Saddam Hussain: Sou contra a pena de morte. E não é pelo nobre elogio da vida ou porque sou incapaz de reconhecer a alguém a autoridade para ceifar a vida de outrem. Sou contra a pena de morte sobretudo pelo que ela, no seu fim, contém de libertação. Um ditador morto por uma ínfima parte dos seus crimes incomoda-me. Incomoda-me a ausência de sofrimento prolongado. E incomoda-me que a sua morte, longe de resolver a guerra do Iraque, sirva apenas para a incendiar. Incomoda-me quase tanto como as aliviadas declarações de George Bush. Que pena não ser possível assistir também ao seu julgamento. Sem pena de morte.

Balanço televisivo Eduardo Cintra Torres: Um crítico a servir-se de um jornal de referência para exercer uma vigança em duas páginas inteirinhas contra a decisão do Conselho Regulador da ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social). De acordo com ECT, a condenação do Conselho relativa ao texto onde escreveu que o Governo teria pressionado a RTP para não dar relevo aos incêndios florestais desse dia, protagoniza um dos piores momentos do ano. Diz ele sobre ele próprio. Lamentável. Para ele e para o Público.

Aulas de compensação: Nas férias de Natal reencontrei a mais temida professora que tive em todo o secundário: nunca faltou, nunca se atrasou, nunca admitiu barulho nas aulas ou desconhecimento sobre a matéria dada. Jantámos e conversámos até perdermos a noção das horas. Aproveitei a oportunidade para a questionar sobre as medidas da Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, que sempre me pareceram absolutamente dignas de distinção. E a resposta chegou certeira: “É a melhor ministra que a Educação alguma vez teve. Passei anos e anos a ver colegas cansados na sala de professores sem darem uma única aula, sem prepararem um único assunto; a chegarem ao fim do ano lectivo sem saberem o nome dos alunos; a fazer intervalos em aulas de uma hora…” Era a reacção que esperava. Será que um professor de Matemática só sabe matemática? Será assim tão limitado? Limitado ao ponto de não conseguir dar uma aula sobre cultura geral? E os alunos, esses que apareceram nas mais ridículas manifestações de rua a não saber sequer conjugar correctamente os tempos verbais das frases que cuspiam, serão tão pobres ao ponto de se deixarem manipular pelos professores?
Atentado da ETA: Os espanhóis são demasiado dados a manifestações de rua. Ao mínimo sinal de contrariedade juntam-se aos largos magotes em desfiles solenes. Nada contra. Mas pedir a demissão de Zapatero por ter tentado tréguas com o grupo separatista é, no mínimo, rídiculo.

2007

Gosto de anos ímpares. E do dia que chega a seguir ao anterior, como todos os outros, todos os dias, mas que parece mudar tudo. Gosto da sensação de poder começar tudo outra vez. Como se não houvesse memória. E do tempo limitado que essa esperança dura. Quando passa há sempre já alguma coisa que mudou.