(Foto: Estela Silva)
Otelo, a tragédia de William Shakespeare, é Iago, o personagem. Se a interpretação do inóspito cão-de-guarda do general negro não convencer, a peça fica irremediavelmente manca; se é boa basta para arrastar consigo a ansiedade de uma história que deposita na consciência do espectador uma estranha empatia com o vilão, que o faz quase desejar que ele se salve. Otelo da visão assumidamente pessoal de Nuno M. Cardoso, e centrada no intervalo de tempo em que a opção entre dizer ou calar poderia mudar o desfecho da vida, é irrepreensível.
Os papeis inverteram-se e Nuno Cardoso (sem M) volta ao palco pelas mãos de um dos actores que mais vezes dirigiu nos últimos anos: Nuno M. Cardoso, agora, também, no lugar -conseguido - de encenador. A última vez havia sido em Gretchen, a partir de «Fausto», de Goethe (2003), numa interpretação morna. Desta vez, Nuno Cardoso/Iago mostra que não é só o melhor encenador que Portugal descobriu nos últimos anos ["Parasitas", de Marius von Mayenburg; "Woyzeck", de Georg Büchner; "O Despertar da Primavera", de Frank Wedekind; "Plasticina", de Vassili Sigarev...]; é também um dos actores mais consistentes, versáteis e absolutamente inatacáveis. É ele que conduz a peça, que a faz avançar e travar, suster a respiração e rodopiar até à apoteose final.
Iago tem tantas caras quantos os personagens com quem se cruza; talvez mais. É ríspido e frio com Emília (Sara Barbosa), sua mulher e única a saber que ele não é o que parece ser; é solícito e (des)leal com Otelo (Ângelo Torres), o ingénuo general de quem consegue uma ansiada promoção; é ombro amigo de Desdémona (Rita Loureiro), cândida companheira de Otelo que renuncia a tudo, a Veneza, à nobreza, e também à vida, por amor; é o parceiro de sempre de Cássio (Daniel Pinto), supostamente, seu melhor amigo; e força instigadora das ambiçoes amorosas de Rodrigo (Carlos António). Iago é isto tudo. E não é nada disto. É manipulador, cínico, traidor, cruel até à morte.
Os papeis inverteram-se e Nuno Cardoso (sem M) volta ao palco pelas mãos de um dos actores que mais vezes dirigiu nos últimos anos: Nuno M. Cardoso, agora, também, no lugar -conseguido - de encenador. A última vez havia sido em Gretchen, a partir de «Fausto», de Goethe (2003), numa interpretação morna. Desta vez, Nuno Cardoso/Iago mostra que não é só o melhor encenador que Portugal descobriu nos últimos anos ["Parasitas", de Marius von Mayenburg; "Woyzeck", de Georg Büchner; "O Despertar da Primavera", de Frank Wedekind; "Plasticina", de Vassili Sigarev...]; é também um dos actores mais consistentes, versáteis e absolutamente inatacáveis. É ele que conduz a peça, que a faz avançar e travar, suster a respiração e rodopiar até à apoteose final.
Iago tem tantas caras quantos os personagens com quem se cruza; talvez mais. É ríspido e frio com Emília (Sara Barbosa), sua mulher e única a saber que ele não é o que parece ser; é solícito e (des)leal com Otelo (Ângelo Torres), o ingénuo general de quem consegue uma ansiada promoção; é ombro amigo de Desdémona (Rita Loureiro), cândida companheira de Otelo que renuncia a tudo, a Veneza, à nobreza, e também à vida, por amor; é o parceiro de sempre de Cássio (Daniel Pinto), supostamente, seu melhor amigo; e força instigadora das ambiçoes amorosas de Rodrigo (Carlos António). Iago é isto tudo. E não é nada disto. É manipulador, cínico, traidor, cruel até à morte.
Otelo, inspirado na novela “Mouro de Veneza” de Giraldo Cinthi, é uma síntese do pior e do melhor que existe em cada um de nós. Do que somos cegamente capazes quando confrontados com o ciúme e a hipótese de infidelidade. E, inversamente, da abnegação quando imbuídos de uma consciência nítida e de amor verdadeiro. Também, e sobretudo, do que o desmedido desejo de poder nos faz fazer. Otelo joga com todas as contradições, todos os desejos, todas as crises, todas as armas. Quem sobreviverá à culpa?
A peça está em cena, hoje, pela última vez, no Teatro Nacional S. João, no Porto.
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